A
ROÇA
Logo depois da entrada da fazenda, bem antes
da porteira escanchada pela quebra da tramela da dobradiça, via-se abandonada uma
carroça, o que outrora era veículo de necessidade usado na carga de mantimentos
que era vendida na cidade, hoje jaz sepultada num entuieiro toda estrambreiada,
sem uma das rodas o que a mantem de pé é o apoio de um toco de carvoeiro, na lateral entre os restos da pintura nota-se
os risqueiros dos trieiros dos cupins, o que talvez amenize sua solidão, é viver
rodeada de cocar em fila com seu o canto
que mais parece dizer, tô fraco, tô fraco, já que acabou sua serventia na lida, agora virou morada de aranha e
percevejo, vez em quando servindo de poleiro, tanto que um galo índio caramelado
fazia pose de cantor em riba do banco do arreio.
Ao
abrir o último colchete já se pode avistar a casa caiada de branco a sombra da
gameleira, do outro lado uma barriguda toda pintada de ponto rosa no pico da
floração chama a atenção trazendo mais beleza ao lugar , o telhado de duas águas
todo na telha de barro queimado agora está cheia de puxado que veio com o
aumento da família, algumas galinhas ciscando no terreiro e os meninos do Seu
Zé curiando quem chegava, atiçados pela latição da cachorrada.
Bem ao lado tocos de lenha amontoados no pé do
paredal da cozinha, enquanto não vira
braseiro vai servindo de moradia a um horror de calango desbotado, aqueles que
ficam o tempo todo parado em plena concordância, balançando a cabeça para cima
e para baixo como que sempre dizendo
sim, bem do lado um sofá queimado de sol
todo esburacado, provavelmente pelo gato
que amolava as unha na sua lateral enquanto espreguiçava o espinhaço.
Antes
mesmo de parar o carro fui sentando a palma da mão na buzina, ai só se via
menino correndo casa adentro procurando se esconder, a porta de entrada de duas
partes toda encardida revelava em suas ranhuras as muitas cores que já foi
pintada, a parte de cima como de costume sempre destramelada para entrada de
luz e fresca mostrava a penumbra da sala ausente do fogo de candeeiro, com
pouco prazo se abriu fazendo brotar a figura de Seu Zé no beiral da soleira de mão
estendida.
_Dia....Vamo
chegar.
Então
foi aquela festa e no meio daquele
abraceiro para matar a saudade, logo escutei o grito de vamos chegar de Dona Maria ecoando lá
dos fundos, rodeando o alpendre saímos na cozinha, sem sombra de dúvidas o
melhor lugar de toda casa, o cômodo de fundo para o terreiro separado apenas por uma
meia parede com todo o restante aberto pra entrada da fresca se fazia agradável,
o fogão de lenha trincado pelo calor do
braseiro estralava no queimar da lenha, assim é a casa simples do sertanejo,
lugar que a gente se sente feliz, bem à vontade, tudo sempre bem asseado, piso esmaltado de cimento queimado sempre de
brilho acesso, carote de água de moringa coberto por pano tricoteado com fulô
amarelada, copos de alumínio reluzindo de areado todos pendurados entre outros
muitos cacos e utensílios de cozinha, se destacavam por entre as tampas das
panelas estendidas no arame que cortava a única parede fechada onde ficava a
pia com queda de água constante vinda lá da nascente por gravidade.
Em
riba do fogão se afogando na fumaça um enrolado de linguiça de porco caipira, pontilhada
do vermelho da pimenta malagueta, toda dividida em amarração de embira, ali já
mucha pelo rumo da fumaceira, mostrava que vinha sofrendo defumação por mais de
dia, de certo agora vai morrer afogada na panela do feijão que Dona Maria na
aro pemba peneirava no alpendre enquanto proseávamos a mesa.
Na
prateleira acima formas de queijo coalho salpicada de sal grosso coberta de pano
mosqueteiro, esperava somente ser desenformada, por debaixo da bancaria chamava
atenção um cachorro mestiço, desses tipo rabo duro, treiteiro de tatu, ali
deitado a fresca coçava com a boca mostrando os dentes, dando sentido de agonia
a pata dianteira tomada de bicho de pé, parecia tão empenhado nessa empreita
que ficou totalmente ausente da presença
da gente, a fumaça que fugia da trinca da chaminé ia cobrindo tudo,
empretecendo o talhado da cozinha, e
rodopiando a gosto do vento acabava barraco adentro, para o desatinando as
muriçocas que pairavam na escuridão, lá do outro lado em gritos um papagaio
chacoalhava nos galhos do limoeiro, como que dançando.
_Louro quer café, fiu fiu, Louro quer
café.....Maria, café.
A
água já saltando na caçarola pedia pra mudar de cor e sabor, o bule de ferro
com pintura esmaltada debaixo do pendente que segurava o coador de flanela
tingido do uso, somente aguardava a sua chegada, ao lado o pote de lata antiga
aberto cheio de café torrado e moído no moinho de manivela, soltava seu aroma
por todo recinto, agora o queijo desenformado no prato de louça branca já
lavado seria nosso desjejum, macaxeira cozida, pão de queijo e beiju, tudo com
o saudoso e saboroso gosto da roça,
Era
hora de proseamento, saber de novidades, se dona onça pegou criação, se a vara
de porco passou por ali nesses dias, o que tem de fruteira caindo, a gente
buscando notícia da roça e o Seu Zé querendo notícia da cidade, nesse
destempero de matutação e proza boa, pito, café, queijo coalho, e uma boa dose
de pinga artesanal, dessa forma a manhã rompeu feito campeiro assustado em
campina de rala.
Sentado
no tamborete improvisado feito de pau do mato no alpendre da cozinha, ficava só
ali oiando e me fartando da mata lá embaixo e da boa prosa que tricoteava entre
os amigos, já esperava a hora da mistura, arroz batido no pilão, carne de porco
de lata, macaxeira com açafrão, lá da horta um monte de foia, pimenta de
cheiro, quiabo e jiló, farinha apurada ali mesmo, abobora e fiapo de manjericão
com gabiroba escaldada.
Vida
boa é isso aqui, é a roça, é esse povo, é todo esse enredo que ainda se resguarda
dos malefícios da cidade grande, os grandes amigos, os causos de onça a beira
da fogueira, das esperadas, das visagens, nada melhor que isso, o peito cheio
de ar mateiro e a esperança de uma boa empreitada, agora de prato recheado comendo
de mão sem cerimônia o sabor da comida se misturava ao sabor da liberdade, da
satisfação e da felicidade, é simplesmente o melhor sabor desse mundo.
Entramos
no quarto para pegar umas tralhas, por trás da porta a velha espingarda de cano
duplo, cheia de mandinga como ele mesmo
dizia, foi envenenada por sete sexta feira, e benzida pela Dona Juçara, num
perde tiro longe nem que a gota serena e corta feito faca de fio fino amolada
em pedra escolhida a dedo, nunca botou bicho pra sumir ferido, tudo efeito das
mandinga como retratava ele nos seus causos, a espingarda ali encostada tinha
por companhia o bornal feito de perna de
calça costurada com alça de cinto amarada, ali se aconchegava cartucho, apetrechos de
recarga, pilhas, lanterna, a rede, um cordelete
e alguns penduricalhos.
Zé
incutido com uma vaca amojada que tava nos dia de parir, não esperou nem a
cesta, saiu montado para buscar notícia, com pouco voltou resmungando abanando
o chapéu, dispois de levar uma baita ferroada de mirimbo no beiço, falava feito
zuada de pato, caímos na resenha chamando ele de Zé pato, a bagunça tava boa
mais já passava da hora e atrasava nossa ida a mata para olhar as fruteiras, e
quando apertamos o home ele logo pulou.
Fruteira
nada moço, retrucou ele, lá na roça tá
um lambusqueiro de bicho, as abobora tão roída por todo canto das cotia, os
quiabeiro é motivo de festa dos mateiros, o diacho da anta consegue furar tudo
que é improviso de cercado, dana a dar prejuízo, o bicha veia arteira, dirruba
os mio e mem comer num come, já fiz poleiro nos quatro canto de entrada, e pra
terminar o desatino uma vara de queixada também ranjou entrada, a labuta tá que
quase perdida, acho que nós num vai colher nem a metade.
A
estrada cobrenta e esburacada acabava na casa, dali pra frente só de montaria, lá
no curral entalhado na aroeira de encaixe ficava a puxada onde se aconchegava
as traias, uma bagunça de trem que dava agonia, era latão de leite amassado,
pneu veio de carroça, bacia, arreio pelas metades, um pendurico de trem e
coisas amarradas que desafiavam a força da cumeeira rustica que se apoiava num
forquilhado, que pela cor da madeira era mais veio que o próprio Zé.
Uma
geladeira veia e sem porta agora era feita de farmácia de bicho, um monte de
pote de remédio com caixas pálidas e vidros coloridos de tampa larga, o ferro
de marcar o gado, pás, picareta e enxadão, cerrote, martelo e um monte de latas
envelhecidas pela ferrugem cheias de pregos e parafusos esperando a hora da
necessidade do uso, enquanto eu perambulava ali admirando e pensando sobre todo
aquele acervo roceiro, o Seu Zé foi tratar de buscar as montaria.
Paulão
sempre calado, de cócoras e distante de tudo banava o chapéu espantando uma
mosqueira que rodopiava sua cabeça enquanto tentava picar o fumo, oiava de um
lado para o outro, numa paciência de dar agonia em cabra agoniado igual eu.
Cada
detalhe da roça tem uma história, ali parado me ponho a imaginar quantos anos
teria o sino de cobre batido que descansa empoeirado amarado no varão que traz
um monte de caco amorcegado, tudo que é
trem veio acabava dependurado feito escancho de se guardar o que nunca ia ter
serventia, mas o que mais me admira não é nada material que um homem pode ter,
o que mais me fascina é a natureza do sertanejo, homem simples que faz do
impossível o possível, que traz na sua essência o que de fato um homem deve
ter, uma sinceridade latente, hombridade e simplicidade de querer de fato
somente viver e ser feliz.
Como
admiro esse povo simples e ausente da agonia do povo urbano, como me sinto bem,
como me embriago na sua sabedoria, na sua capacidade de olhar e enxergar o
simples, os detalhes, as ações do bichos, dos insetos, das plantas, de reparar
o que muitos nunca vão ver, de entender o que muitos jamais compreenderão, e
com esse povo que não olha o que a gente tem, mas o que a gente é, é que entendo
o sentido da palavra tranquilidade.
E
é assim por esses rincões que me sinto aliviado do fardo pesado da capital,
onde uma multidão solitária brinca de ser feliz pelo montante acumulado e
sempre deixa de lado a verdadeira razão do existir, meditando nesses
pensamentos sem presa de comer o tempo, perdia o olhar no pasto distante e na
mata que no horizonte se perdia, enquanto ali na frente uma dupla de perus todo
arrepiados dançavam no querer do acasalar, isso me fez quebrar o pensamento
urbano e voltar para as belezas do sertão.
O
João de barro trabalhava na sua empreita em uma casa nova no escanchado da
umbaúba, ia e voltava com barro no bico, a modesta moradia já passava dos meio
da alvenaria, em breve estaria batendo a laje e chamando a amada para o
aconchego das cria.
Seu
Zé já pontava ao longe com a tropa encarrilhada, com a presa característica de
quem sabe que o dia na roça tem prazo pra tudo, vinha mascando um fiapo de
capim braquiára, ausente ao mundo
apreciando as treita dos passarinhos no cabeçal do pasto, assim de passos
lentos sem um mínimo de agoniação ainda parou a sombra do ipê para ajeitar um
pito, enquanto isso eu já tinha ajeitado
o que podia, a selaria já estava toda separada,
descansando na travessa da cerca, arreio, estribo de cobre ofuscado, cabeçadas
e embocaduras, baixeiro flanelado e pelego de carneiro curtido, tudo ajeitado,
do outro lado mochilas, e apetrechos da lida, faltava somente pegar a água e a
matula, afinal íamos passar um bom tempo no esperar das entradas da roça na
beira do rio.
A
tropa agora já em fila esperando arreio, beiçava o resto de farelo de milho no
fundo do coxo, uma boa montaria faz necessário na lida da roça, Seu Zé
continuava mastigando o fiapo de capim ao mesmo tempo que entoava no assobio
uma moda sertaneja antiga, sem o mimino motivo de agonia de pressa logo acocorou
ajeitando o pito, e na maior paciência do mundo rasgou o causo de uma onça que
andava dando cabo da criação.
Bicho
dos mato é trem labutoso, quando num dá prejuízo grande, vorta pra mó de
terminar o serviço tinha ajeitado uma catira de umas novilha com o compadre
Arlindo por uma renca boa de carneiro, agora apareceu uns carneiro erado, meio
acafézado na cor que dá gosto da boniteza e do peso.
Num
é que o diacho da bicha veia lazarenta ranjou eles e no mesmo dia deu cabo de
metade da renca que era de vinte seis, pela mordida na goela é parda, e pra mó
de disgramar mais ainda a bicha num come nada, mata bebe o sangue e some no
mundo, de certo que essa bicha vem triando a serra a muito tempo, mais
desmantelo na criação desse tipo é a primeira vez, então se ela beira seu
trepeiro num deixa passar não, sapeca ela.
Nesse
ponto os cavalos já arreado, traia encangada logo aparece Dona Maria avisando
que as matula estavam pronta em riba do batente da cozinha, agora com tudo
ajeitado, como dizia Paulão, com o desaquentar do sol a gente pega rumo.
O
caminho foi lambuzado de um proseiro sem regra, Seu Zé ia a frente o palito
azul marinho desbotado de sol enrolado ao lado do saco de linho encangado, ia
remexendo no balançar da montaria, vez em quando o vento abusado vinha e
dobrava a aba do chapéu de feltro surrado, resenheiro que é não perdia a brecha
e soltava uma piada, Paulão calado como sempre gargaiava de soluçar, eu indo
por último na fila dava incentivo pro Seu Zé continuar na resenha achando mais
graça da rizada de Paulão do que da própria piada.
Lá
em baixo a mata encipóada se expandia ao alcance da vista indo se embrenhar na
serra que cortava o horizonte com sua grandeza, em tom violetado refletindo o
azul celeste do céu isento de nuvens
mostrava claramente que as águas logo cessariam dando lugar ao longo período da
seca, a vida pulsava em pequenos pássaros que cantarolavam a beira do caminho, uma
inhambu desconfiada correu a frente buscando abrigo nas pequenas moitas e logo
sumiu com sua perfeita camuflagem, eita canto bonito é o canta do inhambu, no
fim do dia já aninhado canta de dar gosto, mais abaixo a cor diferenciada a beira da mata
mostrava a roça que brotava na terra fértil e negra da beira do rio.
As
montarias ficaram em um piquete improvisado, em volta da roça uma cerca espinho
de peixe, um entrelaçado de paus do mato tentava inutilmente impedir a entrada
dos viventes que árduos por tanta fartura não faziam menção de respeito, o
trieiro da anta chega vinha fundo e seus vestígios estavam por toda parte,
assim como os dos porcos, mais singelo se via também claramente as varedas das
pacas e cotias, e do fantasma da floresta, o veado mateiro.
Os
mutuns, jacus e juritis também não davam trégua, estavam todos no deliciar da
roça, o milho já iniciando secura para ir encher o paiol era alvo constante das
maritacas, na hora da labuta bicho nenhum vem lavrar a terra, mas na hora de
colher aparece sempre os oportunistas, mas olhando bem lembro do dizer de um
velho amigo, Joaquim das Égua.
_Bicho
do mato passa fome e sede.
E
com toda certeza da razão de suas palavras vem ao coração o perdão aos viventes
que nada mais querem que fartar a fome, afinal a mata a eles pertence, somos
meros intrusos no seu reino de perfeição, arrumando jeito de bagunçar a cadeia
natural da vida.
Seu
Zé logo escanchou o batente da entrada e foi rompendo a frente, apontando os
pontos onde foram feitos os giral, a vida na roça é assim, alheia a conceitos
urbanos, e regrada pela necessidade da lida, lida que o sertanejo abraça com
força como quem pega nas canelas de um catingueiro, não tem muito para um homem
do sertão se acalentar da sua árdua labuta, senão seu pito, sua pinga, um bom
carteado e a caçada.
A
caçada se faz na necessidade da mistura, da proteção da roça, no prazer do
sertanejo, em suas crenças e aventuras, como ele mesmo contava, das
traquinagens do Nego D´água, do Saci, do Currupira, inté gente que vira bicho,
das lendas e visagens dos antigos esperadores, do encontro com a Mãe D´água e
muitos outros causos que nos fazem meditar na grandeza do folclore e da crença
desse povo.
Um
pé de Ipê logo beirando a água foi o lugar que eu escolhi ficar, longe do
trieiro fundo da beiçuda, tinha varedas singelas e talvez renderia uma prenda
menor, gordinha e mais apetitosa, Paulão subiu na outra extremidade, já pegando
a beira da divisa da mata com o cerrado, e Seu Zé para meu desespero ficou bem
na entrada da dita cuja, a beiçuda, a anta.
O
dia já caminhava para o fim e o céu que outrora era de azul extremo se mesclava
em tons avermelhados mostrando a barra da noite, algumas cotias corriam em
gritos arreliando umas às outras mas meu foco era outro, foi o prazo entre o
lusco fusco para a escuridão chegar que escutei o primeiro disparo.
Paaaaa..O
tiro seco da calibre 22, fazia pouco desatino na mata.
Paulão com toda certeza acabara de garantir
sua prenda, sabendo de sua astucia e capacidade mateira, tinha a plena certeza
que um bom mateiro estava no bornal para o almoço de amanhã, agora ele não
voltaria a atirar, como de costume, um único tiro por noite.
O
silencio voltava a reinar quando um pequeno estralo anunciava a buia mansa e
venhaca de uma leitoinha pintada, vinha no carreiro parando e fuçando como que
desconfiada, o coração danou a descompassar e quando estava buscando ouvido par
preparar para o disparo, fui surpreendido com o tiro do Seu Zé, que como se não
bastasse, veio logo outro no encalço.
Brummmm,
Brummmm.
Imaginei
na hora, pelo estrondo da dois cano, era cartucho pesado, bicho erado, temos
serviço pra noite toda, então logo vi o clarão da lanterna dele varrendo o
mato, decidi que com dois garantidos era melhor descer e cuidar de tratar dos
trem, deixa a gorducha para uma outro vez, pisquei a lanterna avisando o Paulão
que de pronto respondeu, com certeza como ele me conhecia já esperava tal
atitude.
Enquanto
arrumava a traia, ele veio chegando, já tinha se preparado pra descer estava
somente esperando aviso, cabra aprumado na lida é assim, está sempre adiantado,
ai terminei de ajeitar os trem e desci, já perguntando só para confirmar.
_
E ai compadre o que veio¿
_Mateiro
nego, e granda.
Veio beirando a cerca procurando meio de entrada, acostumado
de passar por um beiral e entrar na roça, veiaco que sou fechei o beiral
forçando ele a seguir no meu rumo, ai foi tiro e queda, deu prazo pra ele não.
Assim como eu Paulão imaginava serviço para o resto da
noite, por dois disparos consecutivos, pensamos, é anta, então já seguimos
preparados para um labuta, demos a volta por traz do milharal até que avistamos
o Seu Zé fazendo sinal, apressamos o passo e com pouco estávamos a beira do
trepeiro, passei o foco procurando não vi nada, Paulão mesma coisa e quase que
juntos perguntamos.
_Uai atirou em que¿
Lá de cima ele gaitou...
_Uai, nesse jaracuçu butelo que oceis tão pisado em riba.
Ai foi o pulo de Paulão, a rizada aprumada do Seu Zé e a
certeza de que por maior que seja nossa experiência no mato sempre passamos
desatentos a certas coisas, de toda forma a jaracuçu estava morta, anta não
tinha, mas um mateiro estava garantido para o almoço....
Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk.
Depois de ajeitar as montarias e encangar o mateiro subimos
a serra comtemplando a lua cheia que brotava clareando o mundo, a neblina leve
destonava com a luz prateada em um lindo espetáculo da natureza, a prosa boa
cheia de resenha, o pito e um gole na pinga, logo teríamos o fígado de tira
gosto, lá a frente em meio ao trieiro descampado, uma coruja buraqueira com seu
voo ondulado, acordava a noite com seu estridente canto, como que anunciando
mais um momento de felicidade vivido por esse sertão.
Bello 23-05-2017
A ESPERADA
O dia amanhece calmo, céu azul de sol imponente, sem vento
com passarada em alegria, hoje é domingo dia de pouca pressa, de quietar nos
afazeres e descansar a alma, o que não pode deixar de fazer é alimentar a
criação, pois mesmo no descanso bicho também come, e nesse cuidado dos viventes
do terreiro, por rapidez se estilhaça o tempo, de lá para cá, no faz e refaz a
manhã se consome.
No
beiral da cozinha onde se aconchega a chaminé do fogão de lenha, ao longe se
pode ver a fumaça do queimar das toras de angico, faz a gente sentir o cheiro
do comer que borbulha no paneleiro, cheiro do frango caipira, do arroz com
pequi, do feijão com joelho de boi salgado, tudo se resume como em um convite:
O comer tá pronto.
Mas
antes um banho, se deliciar na bica que traz a água cristalina e gelada da
nascente, é bom tirar o ranço da labuta, vestir roupa limpa e leve, calçar
sandália de dedo, para ir a mesa nos conforme.
Mas como é bom um banhar assim, parece que faz
a gente renascer, lavando a alma e nossa angustia dessa lida interminável que é
viver.
O cheiro do comer caipira é bom por demais, o prato ajeitado
meio que transbordando ainda abre vaga para as folhas da horta, o salpicado de
cheiro verde, a farinha de puba e a pimenta malagueta, tudo issovem trazendo
mais gosto no que por natureza já é tão saboroso.
A mesa de carvoeiro tosca moldada no machado, com banco
pesado de lasca de aroeira agora me aconchega para o matar da fome, o sabor do
sertão encrustado na mistura do comer, no suco de pitanga espremido na peneira,
isso sim faz a gente se sentir no paraíso, um tapa na pinga brejeira feita
pelas mão hábeis do velho Juca abre o apetite, queimando a goela e atiçando o
bucho para melhor hora do dia, que é a hora do comer.
Nada melhor que se fartar quando o anseio da fome habita o
nosso querer, vou devagar saboreando como se fosse a primeira alimentação da
minha vida, o caldo amarelado pelo tempero do açafrão se mestiçando com o
acalento da malagueta é perfeito, a carne soltando do osso do frango no toque
da colher, dá até para ouvir o estralar da farinha sequinha nos dentes, e para
rebater, o sabor da pitanga roubado do fruto que virou suco.
Agora de bucho cheio, com ponta de graveto cutucando os
dentes, é hora de procurar a rede no fazer da cesta, preparar o pito com
capricho, na labutante arte do picar miúdo o fumo de rolo escolhido a dedo,
separar a palha mais macia e alva e enrolar com todo capricho de um artesão
faminto por uma boa obra, tem rodeio até no acender da binga, um ritual acarinhado
e sem presa todo baseado no intuito de matar o sentido do vício de pitador.
Ali o mundo parece parado, a brisa vem beiçando a sombra e
os papa capim entoam uma cantiga que se mistura com as vozes das criações que
avivam o terreiro, a cabeça agora vai longe, hoje é o dia de lua boa, sai antes
da hora grande, a fruteira tá pisada do vai e vem da bicharada em busca do
comer, e o sangue pede uma gordura de bicho do mato pra temperar a alma, em
meio a matutação da lida, me agarro no cochilo, barriga cheia esmorece o homem,
melhor agora é pousar no descanso para atentar bem na noite escura o pisado
manso de quem perambula nos trieiros.
Depois da cesta do
sono, o sol já esfriou um pouco, hoje é dia de mato, pode ser de pescada no
ribeirão, de negaciação na campina, de atiçar cachorro em tatu, mas num é dia
de trabaio puxado, nem de bulição na roça, pois então tá decidido , hoje vai
ser é dia de esperada.
Dado o veredito a muié já ajeita a capanga, uma matula de
farofado de frango, um carote de água, o fumo, a binga, a paia, a rede, a
lanterna de pilha erada de foco miúdo que ganhei do mascateiro, agora é conferir
e carregar os cartucho de metal polido, porvora branca, espuleta do estrangeiro,
socar bem com buchinha do campo e fechar com cera de abeia, passar óleo na 28,
polir o interior do cano evitando de ter moradia de marimbondo, deixar
brilhando o pingo de ouro na ponta da mira, garantindo assim a certeza do grito
no estampido do tiro na espreita do que beirar os oios, e assim encher a panela
de ferro batido pro almoço da segunda.
Tudo no lombo, sebo nas canelas por entre o trieiro do gado
que beira o ribeirão, subir mata adentro inté a fruteira mais batida, ir
devagar sem afobação, oiando cada ponto, atinando pros rastros na lama na beira
d´água, pras casca de jatobá roída, pros ponto de entrada, pras varedas mais
transitada, treita de esperador.
Agora o dia já vai findando com o lusco fusco alaranjado que
se mistura com a chegada da noite, jacus fazem festa mata adentro, enquanto um
casal de cutia se desentende numa gritaria quase colocando fim no matrimonio,
até que o silencio chega com a escuridão da noite, bem aconchegado na rede, agora
era atinar os ouvidos e garantir o almoço.
O
silêncio impera por longo tempo, parece que a mata está ausente de viventes,
até que um estralar na folhagem seca denuncia um passo cauteloso na silenciosa
escuridão da noite, a mente se atiça buscando na experiência identificar quem
se aproxima, novamente se quebra o silencio com o esmagar de pequeno peso que
rompe formando a buia que alvoroça e alimenta a alma do esperador.
O
coração acelera tonteando a respiração, as mãos suam e a boca começa a azedar,
os dedos brincam no metal gelado do guarda mato, os ouvidos se desdobram no
mínimo estalar, no espirito de caçador o instinto se constrói varrendo a mata e
trazendo o sentimento mais primitivo desse mundo para o peito da gente.
Mais
um passo se anuncia, devagar, o polegar aciona o cão, a mão esmaga a lanterna
junto a telha, um pequeno ruído que para o desatento é imperceptível mas para o
esperador é vital mostra a certeza , me faz calcular o ponto de entrada me
trazendo todo leriato a cachola, quem chega, como chega e por onde chega, o
coração agora aumenta o ritmo parecendo querer sair pela boca, é preciso
controlar a ansiedade pausando a respiração, a mão suada comanda o indicador
para o centro do gatilho procurando posição apoiado a rede.
A
localização da presa se denuncia no mastigar, a calma agora se faz necessária,
é os instintos buscando sensatez em cada ato, tudo direcionado em um único objetivo,
o mundo não existe mais, o indicador direito se aconchega no centro do gatilho,
o esquerdo se prepara para ligar a lanterna, de repente em um subido
desenfreado um salto e uma carreira, a
presa foge afugentada pelo estrondo desastroso do maior animal de nossas matas
a anta que rompe feito trator mata adentro com seu trote cavalar.
Galhos
quebram na ignorância do seu pisado, desmoralizando o silencio e a astuta de
muitos outros viventes, não liga por se notar, agora a passada silenciosa da
pequena roedora se fazia distante em outros rumos, por sorte a grandalhona
talvez atenuada pela época do vício, comeu pouco e logo seguiu caminho, agora
ao longe se ia deixando novamente o silencio dominar o ambiente, que vez em quando era quebrado pelo piar do
corujão da mata marcando seu território.
Aproveitei
a algazarra da beiçuda para uma pausa, o bucho já reclama por alguma mistura,
então tá na hora de se fartar na matula, beber um gole de água e fazer um pito,
dedo hábil não faz carência de luz, pitando e variando nos pensamentos podia
sentir cada movimento da mata, se maravilhando com o céu estrelado que cobria o
mundo.
O
som da corredeira do riacho agora parecia estar mais presente, um constante
chua-chua, em fundo leve, o tempo agora mais lento começa a dar a impressão que
tudo parou, momento em que se mistura a angustia de saber que em breve a luz da lua entraria na
mata e a esperada estaria perdida, nesse marasmo estático as pálpebras começaram
a pesar rendendo-se ao sono, em uma pescada a mente se desliga, por um pequeno
espaço, um breve cochilar.
Crou,
crou, crou
De repente tudo toma sentido com o estralo do
mastigar de quem chegou tão sorrateira que não deu motivo de atenção, uma onda
de entusiasmo revitaliza a alma e tudo recomeça novamente, o coração dispara, a
respiração se descompassa, a mente se embaralha, é preciso calma.
Vou me ajeitando na rede feito lesma, bem
devagar busco a 28 pendurada no varão, o ouvido tateia o solo, a boca agora
azeda e faz o corpo estremecer, estou pronto, a coronha no ombro, o indicador
direito no gatilho, o esquerdo na lanterna, o cotovelo apoiado a rede.
Mais
um estralo, a luz se acende, a presa muda o comportamento, buscando a macega do
cipoal, mas o dedo e a experiência juntos definem o momento exato do disparo...
Buuuummmmmmmmm...
A
leitoa rola mostrando o branco da barriga, sapateia um pouco as patas na ânsia
da morte, o cheiro da pólvora toma conta do ambiente, o coração quase para de
bater, e num piscar de olhos tudo se acalma, a sensação de realização toma
conta da alma clareando todos os sentimento, assim como a lua, que ponta por
detrás da serra clareando toda a mata e o mundo.
O saco de linho com quase dez quilos pesa nas
costas com a leitoa pintada, o bornal, a espingarda tudo escanchado, agora já
não tenho presa, sigo em passos lentos no caminho de casa com a certeza de mais
uma vitória, um momento especial de um sertanejo que une a necessidade de um
momento de diversão a necessidade de alimentar a família.
Em
uma boa noite de ESPERADA.
Bello
03-05-2017
RETRATOS DO SERTÃO DO
GOIÁS
O carro arrumado roncava o motor pedindo estrada, a tralha
acomodada parecia ter nascido ali dentro, o rancho de mantimentos, bolsas e
utensílios, tudo pronto, o tanque cheio, no coração a saudade do mato, no rosto
se destacava o sorriso mostrando a felicidade de estar saindo para mais uma
grande aventura, abraços, recomendações e apertos de mão na despedida da
família, o beijo na esposa e o olhar de tome cuidado, o afago na cabeça das crianças, o abraço de
cócoras dando orientação de comportamento bem ao pé do ouvido.
Logo o mundo era outro, o asfalto negro nos afastava da lida
diária, do trabalho corrido do dia a dia da cidade grande, o cinturão do
subúrbio agora se mostrava em casa amontoadas sem alvenaria, transeuntes perambulando
de um lado para outro, parada de ônibus cheia de trabalhadores a caminho do
ganha pão de cada dia, a cada momento a paisagem se reconstruía em detalhes mil,
já em alta rodovia vez por outra apareciam em curvas sinuosas cruzes caiadas com
flores artificiais que testemunhavam e denunciavam os acidentes ali ocorridos,
almas que se foram precocemente, talvez homens que igual a gente fugiam da
conturbada vida urbana em busca de um pouco de paz nas brenhas desse Goiás.
Mais à frente casebres perdidos no meio do nada, muitas
vezes fincados a beira de ribanceiras, longe de água, longe do mundo, como que
abandonados no tempo, alguns postos de gasolina abandonados também chamavam a
atenção, lugares antes movimentados pelo vai e vem de caminhoneiros e viajantes
agora estavam povoados pela relva que sem pedir licença alternava sua imagem,
dando um ar de fim de mundo.
Volta e meia um andarilho solitário caminhando sem destino,
carregado de sacos as vezes acompanhado
de um cachorro vira latas que o seguia alheio ao mundo e a sociedade,
conversando sozinho em meio aos farrapos que compunham seu figurino, engraçado
como sempre esse povo me chamou a atenção, ficava imaginando o que passaria por
sua mente, o que lhe motivara a seguir caminho a um lugar qualquer, sem
sentido, sem destino certo, sem família, sem eira nem beira e totalmente alheio com
tudo que o cerca.
Depois
de quatro horas na estrada a cidade grande ficou para trás, no passado, as
médias foram surgindo e agora as pequenas currutelas se faziam presente, no
pequeno aglomerado de casas em que paramos para tomar um café, já era visível o
toque do interior, senhoras sentadas a beira do portal em contesto de prosa,
perfilando a vida alheia, pela porta entre aberta de um boteco um cachorro
labutava com um pedaço de osso de costela, o posto de gasolina com a sua
pintura queimada de sol e bombas de gasolina ainda de girar o ponteiro lembrava
as fotos antiga da gaveta de papai, duas bodegas a frente com um horror de
objetos dependurados feito morcego em grota úmida criava o ar interiorano
perfeito, ao lado alguns senhores de chapéu batido na testa, brincavam um
carteado sobre uma tabua velha apoiada num caixote, um acocorado, outros sentado, outros em pé,
mas todos caçoando uma proseira de sentido animado.
Passear dentro dessas bodegas do interior é um retorno ao
passado, a sensação e de estar em outro tempo, cacarecos de toda sorte e cores,
coisas que muitas vezes estão nas recordações da infância, um penico de louça
de pintura florida dependurado e coberto de poeira me lembrou a casa grande da
fazenda na distante Queimadas BA, de longe se avistava por baixo da cama de
vovô tal utensilio, um mole de lamparinas roxeadas pela queima da solda também
me remexeu a lembrança, o vendedor, provavelmente o proprietário, um senhor
gordo de baixa estatura com um chapéu torcido logo fez a honra entusiasmado no
cobre do meu bolso.
Com um sotaque interiorano rasgado, misturando os dizeres
roceiros e sertanejos, logo começou a pegar assunto na curiosidade da minha
pessoa, de onde eu era, de onde vinha, o que fazia por aquelas bandas, é bem
comum a essa gente buscar saber tudo, o que deve e o que não deve, uma curiação
espontânea comum a mesmice do lugar, a prosa pegou ar de tal forma que chegou
ao ponto de sair uma boa dose de pinga artesanal e um petisco de carne de
porco, enquanto isso eu perambulava de um lado para o outro, por entre bacias,
baldes, arreios, cordas e mole de fumo de rolo, logo chamou a atenção uma
prateleira repleta de garrafas com sabugo de milho feito de rolha, uma
variedade de todo tipo de pinga artesanal, ali tinha raiz de toda uma floresta.
Rapadura,
batida e doces caseiros, uma mistura de mercearia, com o popular tudo tem, ou o
tem de tudo, separei uma pinga recomendação do Sr. Bodequeiro, um doce de figo
misturado com doce de leite e um rapadura, rapadura de cana caiana, alvinha e
macia, tudo cuidadosamente enrolado em papel pardo e amarado de embira, fazendo
jus ao estilo do estabelecimento, a prosa agora já era sobre caçadas na região
e quando o assunto começava a tomar corpo, Jorjão chegou a porta me chamando
para pegarmos a estrada.
Apertei a mão do Sr. Bodequeiro, agradeci pela pinga, o tira
gosto e a prosa, ele passando a mão em um pedaço de fumo de rolo, embrulhou me
oferecendo como presente, dizendo ser o melhor da região, feito de escarço fumo
de qualidade, trem de presentear, não de vender, e oiando bem firme no maus
olhos afimou:
_Logo
cê vorta por aqui, se for pro mato, bota um tico dele pro Pai do mato ajudar na
sorte da caçada...Vai com Deus.
Sai
dali sorrindo, e pensando em outra coisa que tanto me fascina nessas bandas, as crendices e lendas desse povo, a devoção
nos padroeiros, a fé que os move nessa labuta pesada que a vida impõe por essas
brenhas, se é algo que um homem precisa pra viver é Fé.
Interior
é sempre lugar com toque de gente, diferente da cidade grande tão fria e alheia,
a direita o Bar do Manuel, a Barbearia do Jorge, uma igrejinha intitulada Reino
da Cura, galinhas espinicadas fuçando o lixo na esquina do posto, bem em frente
à Casa de Carnes Juçara, comercio de interior tem isso, leva sempre o nome do
dono ou de alguém da família.
O gosto da pinga roceira ainda marcava
a goela, se misturando ao sabor da gordura da carne de porco caipira, o cheiro
da cidadela vinha com o vento, fiquei ali parado namorando a paisagem a espera
da nossa partida.
Agora era mais 150 quilômetros de asfalto e pegaríamos a
estrada de terra, mais uns 79 quilômetros de ziguezagueados entre córregos,
cerradão, grotas e campinas, cortando o seio do sertão do Goiás até a fazenda
Primavera, reduto dos mateiros de canela roxa, das grandes vara de queixadas e
de uma bicharada sem fim, reencontrar o velho amigo Zé, e sua esposa Dona
Helena, que sem dúvida alguma é quem faz a melhor galinha caipira do planeta.
Estrada de terra de pouca rodagem é sempre repleta de
surpresas, vez por outra os viventes fazem aparição, a todo momento corre um
trem na frente do carro é um verdadeiro festival de olha lá, prediz, codorna, cobra
esticada banhando de sol, logo na entrada
um catingueiro assustado saltou numa beira de mata e por um longo tempo
saltitou a nossa frente em um espetáculo fascinante, preás, jacus, mutuns, isso
revela a preservação da região, a latente vida que corre nas brenhas desse meu
tão amado Goiás.
Só esses momentos já pagam a viagem, alegram os olhos e a
alma, e nos traz a certeza de que ainda tem muita vida por essas matas, ainda
tem muitos lugares resguardados do toque humano, lugares que são berçários
desses viventes que pincelam nossa imaginação.
No beiral da serra junto a uma nascente paramos para uma
promessa de Jorjão, na simples capelinha toda edificada na pedra, crescia por
suas fendas pequenas samambaias, e ramos, uma nascente brotava água cristalina,
água santa e curadeira, lá dentro uma
imagem de Nossa Senhora de Fátima castigada pelo tempo orava incansavelmente
pela paz nesse mundo, era um momento
pessoal, onde cada um proferiu sua oração, enquanto Jorjão cumpria sua promessa
acendendo 60 velas, fazendo o sinal da cruz acabei minha oração, me afastei e olhando a imensidão de mata a
minha frente me perdi, vadiando em pensamentos.
As vezes penso nos sonhos e desejos que tenho em outras
terras, mas sinto uma paixão tão avassaladora por esses sertões que me sinto
preso a ele, como um amante novo, embriagado de amores que não tem olhos para
outras terras, sei que por esse Brasil tem muitos lugares mágicos, lindos de
brilhar os olhos, mas é aqui que eu estou é essa terra que eu respiro, sei que
existem países maravilhosos em fauna, e cultura como o Canadá, Estados
Unidos a Africa.
Aqui nessas matas minhas raízes se aprofundaram, aqui estão meus amigos e irmãos trazidos pelas
lidas, aqui eu sinto o sorriso largo e verdadeiro brotar no rosto, aqui de tudo
se pode ver , de cada pouco sempre tem algo mais, terra abençoada, de povo
simples, de matas altas, de mistura de gente de toda sorte, de tudo que é
bicho, de tudo que é jeito, tem tudo que um homem precisa para sentir no
coração e na alma o verdadeiro significado da palavra felicidade, isso merece
uma resenha, que retrate o amor e a paixão por essas terras do sertão.
Então me chame do que quiser, de matuto, de homem de pouca
visão, de homem de pouco andado, de desletrado, mas nunca diga que eu não amo
esse Goiás, essa terra onde vim nascer, essa terra que me viu crescer e me
engrossou o tutano, essa terra de meninice onde de bodoque na mão eu cruzava
esses capão na empreita da inhambu, essa terra que tudo dá porque tem
generosidade, essa terra de sons variados e multicor , de santisses e de
pecados, onde esse mateiro nato se fez homem e aprendiz, ouvindo a história
desses roceiros, na beira da fogueira, na lida das invernadas, no trote raso da
mula, no galope forte do mestiço, nas embiras e nos causos, de onças, de
visagens, de aparição e feitiçaria, na
reza da benzedeira cheia de rimação, com seu galho de arruda e guiné, trem que
hoje em dia já quase não se vê, no sabor
dos doces de Dona Maria, nas mandingas e veicarias do velho esperador que faz
da mata seu nicho de sabedoria.
Sei que bate sem compasso esse velho coração, que guarda
cada momento vivido nesse amado sertão, lembrando dos velhos amigos que da vida
já se foram, de outros que estão distantes, mas por um breve piscar de mente,
se fazem presentes na lembrança que o tempo mesmo com tanta luta não apagou.
Cada
passo, cada empreitada é mais um objeto que na mala eu carrego com extenso
amor, sei que um homem nasce, e com todo sentido todo homem morre, mas no
entrelaço desse espaço está tudo que eu faço, cada palavra, cada sentimento,
cada momento que fica na minha história e que um dia transformarei em letras e
papel, talvez intitule o livro, Retratos do
sertão do Goiás, para que um dia
alguém de qualquer lugar possa se lembrar do que fui, do que eu sou, de onde
andei e pra onde vou, essa é a minha sina, ser amante dessa menina formosa a
pequena flor, que se expande por muitas léguas, de verde exuberante, cipoal,
arvores gigantes, com diversidade de fruteiras, lagos, córregos, campinas e
coisas mais, visão que não cansa esses olhos enrugados que da altura de um
galho busca o som da buia mansa, a melhor sensação vivida, que busca e não se
cansa de se encantar com esse Goiás...
E
perdido nesse pensamento, mais escanchado pra declaração de amor do que outra
coisa qualquer, o tempo passou rasteiro, já estávamos no trecho novamente e a
capela iluminada pelas 60 velas agora
ficou para trás, logo a estrada embirou, foi cada vez mais se
estreitando chegando num trecho colcheteado que a cada poucos passos tinha
parada, e nesse abre e fecha colchete seguíamos um risco de estrada, toda
buraquenta e com apenas dois carreiros feito no peso e no perambular do carro
de boi e da carroça.
Estrada nessas brenhas é feita na marra, o povo da
prefeitura nunca manda trator aqui, é tudo criado pelo vai e vem do pneu da
velha carroça, finalmente o trem afunilou e acabou em frente ao velho colchete
escabulhado, pintado de azul, feito de tora tosca, todo remendado de arame
fartado e com suas farpas repletas de pelo da criação, era o convite da entrada,
imagem simples se descontruía com o paraíso que guardava, lugar de paz, amizade
e natureza.
Lá adiante em meio ao pomar entre grandes mangueiras
espinicadas pelo terreiro se encontrava o antigo casarão de duas águas, sua
parede com uma pintura sem cor, desbotada e aquarelada pelos fungos mostrava em
alguns pontos de reboco trincado os tijolos de adobe amassados e prensados ali
mesmo em um passado longínquo, o telhado
de telhas de maia cana torrada a lenha ainda expressavam as cicatrizes deixadas
pela lavareda da fornada, tudo bem aprumado descansando no madeiramento de
aroeira centenário, madeira forte que nem o tempo conseguiu selar.
As janelas de madeira e as portas de meia abertura todas de
tramela destonavam a pintura azul turquesa, marcadas pelo encardido do tanto
pegar para abrir e fechar, tudo misturado dava o toque final a imagem que tanto
meu coração sentiu saudade, e que estava gravada no coração em forma de
sinônimo de alegria.
A cerca espinho de peixe, um entrelaçado de farpas de
esponja aparecia ao longe, separando o mandiocal do pomar, um rebanho de galinhas trabalhavam na limpeza
do terreiro numa ciscadeira sem fim, maritacas gritavam e atinado com ronco do
motor a cachorrada fazia uma latição sem motivo, talvez de alegria de novamente estarmos ali,
talvez de estranheza pelo tempo da nossa última visita. Nessa altura Dona
Helena já curiava na janela da meia porta tramelada pra evitar criação na
cozinha, Seu Zé vinha caminhando ao nosso encontro, com uma mão na cadeira e
outra abanando o chapéu dando as boas-vindas.
Paramos o carro na porta da cozinha, ai foi a farra de
brincadeiras e troca de abraços, o sorriso estampado no rosto enrugado e
calejado pela lida no sol daquele sertanejo denunciava sua felicidade por nossa
presença, Dona Helena com um vestido florido e avental molhado da lida veio
sorridente nos receber, mas logo voltou ao fogão com medo de dar perda no que
estava a fazer.
O cheiro do café sendo torrado no taxo de ferro batido ao
fogo da lenha de carvoeiro brocado saltarinhava no ar visitando cada brecha do
meu nariz, os dois cachorro mestiço agora mais calmo, descansavam escanchados
um no outro a sombra da amoreira, que de fartura pintava o chão de roxo
apretoado, em seus galhos num pula pula desatinado um horror de sanhaço, alguns
passo preto, trinca ferro e uns miudinho que não sei dizer a alcunha, só sei
que era uma total festa o banquete da amora.
O tempo ali parecia mais lerdo, dava a sensação de uma
parada no mundo, enquanto se desprendia a prosa Dona Helena batia um requeijão
com uma colher de pau que mais parecia uma bengala, colher de tala de bambu
taiada no canivete era o segredo para não embolar, enquanto isso o Zé ali
fazendo noticia dos bicho, segurava ainda na mão direita o balde da alimentação
dos porcos, a bota surrada pedia socorro, camisa branca aberta no peito toda
manchada de noda de banana, calça de tergal queimada de sol e um chapéu já sem forma completavam seu figurino.
Logo Dona Helena ajeitou os pratos no tabuleiro, agora era
hora de acalmar os beiço que minava mais
água que beira de brejo pela cobiça do requeijão quente salpicado de rapadura
raspada, de groja no acompanhamento de uma boa xicara de café, a mesa coberta
com uma toalha fina de estampa florida com alguns furo de brasa de pito, e sem
bainha de costura fazia charme contrastando com a meia dúzia de xicara
espalhadas ali, cada uma de um modelo e quase todas com a asa quebrada, outras
mais descansavam debruçadas a beira da velha cristaleira presente de casamento
da finada Vó Bastiana, cada detalhe se fazia na simplicidade da vida do
sertanejo, o piso de cimento queimado, as linguiças defumando sobre o fogão de
lenha, os poucos moveis traziam o desenho clássico antigo presente na década de
50, mobiliário esfarpado, com pontos encardidos pelo uso, na sala uma parede
recheada de retratos antigo contando um pouco da história da família.
Lá fora o sol já começava a torriscar o mundo, as maritacas
pegaram o rumo da serra, e até as ciscadeiras buscaram o sombreiro da jaqueira,
nuvens emboladas passavam longe e um céu de azul intenso vazia berço para o
astro rei que agora mostrava estar beirando a hora do almoço.
O fogão de lenha com a parede trincada pela lida do calor
sustentava uma renca de panelas de aluminio batido, alguamas marcada por queda,
sempre com tampa improvisadas e fundo enegrecido pelo breu das labaredas,
mandioca cozida, galinha caipira com quiabo, feijão com joelho de boi seco de
sol, farofa de banana da terra, arroz branco, e de quebra uma carne de porco
torradinha na banha. Dona Helena abanando o ar com o pano de prato anunciava
que a boia estava pronta, em meio ao saboroso cheiro da comida que invadia todo
recinto, o cheiro suave da lenha de angico e carvoeiro mesclava com magia e bom
gosto um pedacinho da alma do sertão.
Depois de dar cabo na fome o chão frio de cimento queimado
era um convite para cesta, deitar ali no sombreiro da varanda, ouvindo a algazarra
dos pássaros e sentindo o cheirinho da roça é algo maravilhoso, ajeitar um pito
com a maior calma do mundo navegando em uma prosa boa, sem apreço pelos
ponteiros do relógio, sem o aperto da agonia do patrão, era sem dúvida alguma a
melhor coisa do mundo.
Felicidade é isso, é um momento que a gente não quer que
acabe, é um momento que gostaríamos de eternizar, é um momento preciosamente
nosso. O assunto não poderia ser outro, iniciava a contadeira de causo, Sr. Zé narrava
a última proeza de Dona onça que a três dias atrás pegou um potro no pasto da
lagoa, bicho forte e treiteiro é onça, matou o pobre lá perto do coxo de sal,
rastou inté à beira da grota, comeu a cabeça e o vazio, e largou a pobre vítima
para lanche de urubu, segundo o Zé, não voltou na carniça, talvez pelas matas
tenha pegado algum desavisado e não fez necessidade de retorno.
Ainda chegara notícia de que na fazenda vizinha ela também andou
de bulinância, pegou uns carneiros do Veio Zuca e uma novilha no Juvêncio, de
certo não é só uma que anda triando por aqui, nas águas que passaram o Veio
Zuca viu três juntas cortando a estrada do boqueirão, de certo a mãe com dois
fiotão, e quando ela dana a ensinar os fiotes na matança, não perde chance de
bulir na criação, principalmente nas águas que a mata fecha, os capim encomprida
e a caça fica mais protegida, ai ela dana a perseguição nos pobre dos tatu, dos
tamanduá, num perdoa nada que cruza a sua frente.
Uma boa dose de pinga
para afinar o gosto do pito foi bem vinda, pinga curtida no murici do cerrado
chega a virar licor, a conversa agora ia das paca, passando pelos campeiros, os
mateiros e os queixadas, lembro do ano passado lá pras banda da chapada, onde
os campos de formam em vargens sumindo vista afora, a boa caçada de curso com
esbaro que fizemos logo depois das águas, ver os bandos de campeiros ao longe e
negaciar até pegar ponto é sem dúvida um boa e saborosa arte, os olhos do velho
Jorjão chegavam a ganhar luz de tanto brilho ao contar de um tiro a mais de 100
metros, como dizia ele, tiro de cupido, de furar coração.
Mania boa de Jorjão
era pegar somente um, lá mesmo tirar o couro, e fazer os miúdos no primeiro
ponto de água e sombra que encontrasse, ali podia ser a hora que fosse, já
andava com os apetrechos na capanga, sal, garrafa de banha e frigideira, não
tinha conversa era hora de tomar uma, saborear o fígado na banha de porco e
contar piadas e causos, coisa boa que faz da lida um trem de sentido, sem
agonia nem presa, sem ganância nem desespero, estar ali não era só matar, era
curtir cada momento, cada palavra, cada sabor que essa lida mateira nos traz.
Era hora de romper para
o acampamento, o pouso na beira do grotão do corrego agora era o destino,
esperávamos só o prazo do sol esfriar um pouco e fazer o quilo da gula aplicada
no almoço, Dona Helena como toda dona de casa ainda labutava na ajeitação da
cozinha, num lava lava sem fim de vasilhas e cacos, enquanto o gato maiado de
marrom, preto e branco assistia a labuta
deitado por riba da cristaleira, com as pernas escanchadas balançando como que
alheio a tudo no mundo.
A essa altura Paulão e o Zé já selavam as montarias
ajeitando a traia a sombra do galpão, tudo encangado como manda o figurino,
abraços e agradecimentos a Dona Helena e casco nos trieiros do mundo rumo ao
grotão, lá um córrego de água gelada e cristalina cortava por entre as matas
banhando o ponto de acampamento a sombra do jatobazeiro, lugar magico longe de
tudo e de todos, o melhor lugar do mundo.
No caminho cortamos os pastos e logo entramos no cerradão,
cerrado que hora se encorpava, hora raleava em abertos, pequizeiros se
destacavam pela coloração da sua copa, uma mangabeira toda roída das antas
parecia pedir socorro, e nesse toc toc do caminhar manso logo abrimos nas
campinas de onde podíamos ver a serra cortando o mundo, e lá em cima a grande
chapada, morada dos campeiros.
Ali
naquelas brenhas por debaixo das coivadeiras, cortada de grotas com rego d’água
entrelaçadas de cipoal, recheada de taquara fina era moradia perfeita da
treitisse em forma de bicho, Dona paca, lá pra riba no prumo do cerradão
fechado vira um misturado parecendo caatinga nordestina, de folhas de espinho,
onde por baixo das macegas trilham os queixadas, cotias, mateiros e
catingueiros na árdua luta de fugilância da gata parda, e da troncuda mão torta,
a pintada.
Todo
esse enredo pincelado pelas mão divinas forma os Retratos do sertão do Goiás, cada
detalhe bem pensado e caprichado pelo artista celestial, as cores perfeitas,
cada ser, nas aranhas que em grupos tecem arvores inteiras no cerradão, no Tamanduá
Bandeira que desengonçado corta a campina, no Lobo Guará bailando no campinzal
em busca da sua presa, seja no andar
trotado da Seriema que abre a garganta com o cantar mais característico dessas
brenhas, seja no saltitar bailarinado do Veado Campeiro com seu rabo branco
levantado, ou na corrida firme do Catingueiro.
Na
mata fechada soa o pio fino e constante do Mutum, ou o gargarejar estridente
dos jacus, mas nada como o melancólico canto da Jaó, e o cantar mais bonito que
eu já ouvi, o do Inhambu, sempre na cadência perfeita, trem mais lindo de se
ouvir, são as vozes do Goiás a dar vida a toda essa criação, seja no ronco
estridente do Bogiu que dá a impressão de tremer a mata, ou no canto em eco do Macaco
Prego, no pisado manso do bicho treiteiro,
no rosnado da Paca em briga pelo cio, no grito rizento da Cotia, no
ronco fungado dos Queixadas ou no sopro de desconfiança do Mateiro, quem na
vida ouviu e sentiu tudo isso pode entender tamanho amor por essa lida.
E
é no meio de todo esse contexto que encontro a paz, é aqui nessas brenhas que
está encrustada uma boa parte da gigantesca galeria....
DOS
RETRATOS DO SERTÃO DO GOIÁS.
Bello
17-02-2017.
O CAÇADOR
O cheiro do pão caseiro dourando no forno tonava conta da
casa, enquanto isso sobre a cama pairava as roupas separadas por suas mãos
macias, minha calça camuflada, as camisas, meias, a touca e o casaco que me aqueceria
na noite fria da mata fechada, sua delicadeza feminina aliada a seu
perfeccionismo de dava a certeza de que como sempre, nada faltaria.
No armário do quintal eu separava a bota, cantil e outros
equipamentos necessários, enquanto meu filho separava o armamento a ser levado,
sua calma me acalmava, o feijão também cheirava, o seu cuidado para que nada
nos falte na viagem chega a me emocionar.
A caixa de mantimentos estava pronta, o pão quente aguardava
sobre a mesa para ser embalado, o feijão na vasilha seria nossa janta ainda
essa noite, ela sempre sorridente, mesmo sabendo que nossa ausência por mais de
quinze dias seria dura, ajeitava tudo de bom grado, pois sabia que era na lida
que meu espirito se renovava, sentia os meus anseios e a minha euforia, sentia
a necessidade da mata que pairava no meu coração, precisava dar folego a minha
alma, um combustível vital para alimentar a minha esperança, uma recarga para
continuar a árdua luta da vida.
Aos poucos arrumamos tudo, a tralha multicor se destacava
sobre o vermelho do piso de cimento queimado, a velha Rural estava pronta, no
rádio a válvula sobre o móvel tocava uma canção das irmãs Galvão, beijinho
doce. Tomamos café e chegava a hora mais difícil, a hora de nos despedirmos, beijos
e abraços envoltos a dedicatórias de cuidado e boa sorte, na porta a observar
nossa saída, minha amada esposa e meu filho caçula que sempre inconformado,
perguntava o porque não estava indo com a gente.
O
som do motor dizia que era hora de partir, pelo retrovisor meu olhar procurava
o seu, e no meu coração eu agradecia a Deus por me dar uma companheira que
entende o tanto que é importante a minha necessidade de ir de encontro a
natureza, essa ânsia que move meus sentimentos de mateiro, me faz mais rural
que urbano.
Não
me queixo da vida que me colocou na capital, nem tão pouco da labuta diária,
sei que Deus tem seus mistérios e eu como homem que sou entendedor das suas
obras, não posso ir além da vontade da vida, pois a vida é assim ela canta e a
gente se embala no seu ritmo.
Corremos
o mundo comendo o ventre das estradas que logo se estreitou, a cidade ficou
para trás, depois de algum tempo apareceu a primeira currutela, mais uma hora,
uma cidadezinha, mais um pouco a direita a entrada da estrada de barro.
Estrada
de terra batida, cascalhada onde o piseiro do gado e dos animais apareciam nas
porções mais macias, mostrando o vai e vem da vida, uma casinha branca no fundo
da serra chamava a atenção, logo o ar mudou, o cheiro do campo entrava pela
janela, o som rouco do motor disputava com o canto dos pássaros, uma nuvem de
pássaro preto revoavam cantarolando, uma perdiz atravessou a estrada em passos
rápidos balançando a cabeça para frente e para trás, a vida se anunciava aos
poucos, lá em baixo um alagado formava um pequeno lago, onde os paturis
revoaram com a nossa presença, no mata-burro ao parar contemplamos ainda
algumas garças brancas que pescavam calmamente a beira d’água.
Ao
meu lado meu filho me olhava sorridente, lembrei do meu velho pai, que um dia
estava em meu lugar e eu no lugar do meu filho, me veio a saudade, embalada ao
som da música sertaneja que tocava no rádio, hoje os papeis estavam invertidos,
eu e meu filho trilhávamos agora os mesmos caminhos que trilhei ao lado do meu
velho e amado pai.
Para
trás ficou a cidade e a única coisa que me prende a ela, minha família, minha
amada esposa que com sua sabedoria zelava por tudo na minha ausência, feliz é o
homem que pode se dedicar a sua própria sina, indiferente dos que vivem por
viver.
Logo
avistamos a porteira, FAZENDA PARAÍSO, meu filho desceu abriu e eu passei, ao lado um batuqueiro pássaro típico do cerrado nos fazia a recepção, o
mundo dos homens agora ficara para traz, estávamos entrando no nosso mundo na
natureza dos Goiás, aqui reinava Dona Onça esturrando pela madrugada, era o
reino dos campeiros, dos catingueiros, dos porco caititu, das cotias que
cortavam a mata, das pacas, dos jacus, aqui o mundo parava e tudo parecia ser
um sonho.
Passamos
pela sede demos um bom dia a todos, tomamos o famoso café de Dona Maria, com
bolinhos de queijo, mas como o Zé e ela mesmo sabia, queríamos o mais rápido
possível chegar a beira do rio, então logo nos despedimos e seguimos caminho.
Chegando
na mata montamos acampamento, no encontro do ribeirão com o rio, lugar aprumado
de piau, dourados e surubins, enquanto eu ajeitava uma coisa meu filho ajeitava
outra logo tudo estava no lugar, entrei para barraca para arrumar as roupas e
na minha bolsa, como sempre bem arrumada e sem nada faltar, encontrei um papel
dobradinho dentro de um envelope, uma carta, sai da barraca sentei na raiz do
jatobazeiro e comecei a ler.
MEU QUERIDO MARIDO
É
com satisfação que arrumo suas coisas quando me diz que vai partir para uma
nova aventura, as lagrimas que correm em meu rosto e o meu silencio são de
felicidade e respeito, por saber do homem maravilhoso que a vida me trouxe, sei
que sua natureza é essa, e é disso que você se alimenta, jamais poderia ser
contra seu reino.
Posso não estar ai do seu lado mas
imagino o cheiro da mata, o mesmo cheiro que vem em suas roupas quando volta
para casa, imagino o som cadenciado da água correndo no riacho, o cantar dos
passarinhos, o seu sorriso e o bater apressado do seu coração.
Não posso e nem poderia tirar isso
de você, pois isso é você, portanto quero que saiba que te admiro ao extremo e
eternamente te admirarei, faça justa sua vida como sempre tem feito, e se a
mata e a natureza lhe são necessárias assim como o ar que penetra em seus
pulmões lhe mantendo vivo, aproveite ao máximo seus momentos.
Aproveite cada segundo, cada
minuto, cada hora, e na solidão e no silencio desses sertões como você mesmo
diz, converse com nosso filho, oriente e mostre a ele seu mundo, para que ele
cresça como você, com amor por esses sertões e suas lidas, que ele possa viver
as histórias que ouviu quando criança embalado na sua voz.
É difícil aqui sem vocês, a casa
fica vazia, o cantar do canário ecoa por todos os cômodos e nosso cachorrinho
fica sempre beirando o portão na ânsia da sua chegada, mas não se preocupe eu
estou aqui cuidando do nosso caçula, e quando você chegar estarei com tudo
pronto a lhe esperar, do portão vai sentir o cheiro da sua comida preferida,
estaremos como sempre lhe esperando de braços abertos.
Ansiosos por novas histórias, te
amo e amar é dar liberdade, entendo que você me deu seu coração, não a sua
alma, pois sua alma é mateira, e seu mundo são esse rincões, e seu sorriso se
enche de brilho assim como seu olhar quando você fala nele narrando suas
aventuras e feitos, coisas que no início eu não entendia mas que hoje eu tenho
a plena certeza, é uma das suas razões de viver.
Que nas noites frias na mata
lembre-se do calor do nosso amor, que você volte com muita saudade e que
possamos sempre nos reencontrar, e que você possa ser feliz, sempre feliz pois
te amo muito...
Um grande beijo e boa pescaria e
boa caçada.
Meus
olhos se encheram d’água e uma grande felicidade acalmou meu coração, pensei, feliz
do homem que encontra sua alma gêmea. Meu filho de longe notando minha emoção
perguntou.
_O
que foi pai...
Eu
olhei pra ele e disse...
_Nada
filho, nada, é só felicidade de ter na vida o que existe de melhor, sua Mãe,
você, seu irmão e toda essa natureza....
Ele
sorriu e me abraçou dizendo.....
_Obrigado
por você ser meu Pai e por me ensinar a amar o que você ama.
E
ali no meio dos gerais do meu Goiás mais uma vez eu senti a felicidade de se
estar vivo com a certeza de que a vida foi generosa por demais para com a minha
existência....
MUITO
OBRIGADO MEU DEUS...
Bello
20-04-2016
O BEBEDOURO
O sol esturricava o sertão do Goiás, o fim da seca beirava as
águas e a chuva com treita de teimosia não dava a cara para acalentar o calor,
as arvores sem folhagem mostrava o quanto foi dura a estiagem que se prolongava
além do tempo certo, o tom desértico amarronzado se perdia ao longe e o olhar
se embaraçava com a onda de calor que continuava a lida de retirar da terra
toda sua humildade.
O sentimento era de desolação, mas a vida forte e astuta trabalha
incansavelmente, e mesmo messe desértico senário um bando de rolinhas ciscavam próximo
ao coxo de sal, e mais ao longe em um grande carvoeiro um bando de pombas
verdadeira faziam algazarra com seu huuuuuuuu, huuuuhuuuu.
Saímos para dar uma volta, ver um gado que estava no pasto
da lagoa, que agora seca não abrigava mais os bandos de paturi ou de marreca Irerê
nem tão pouco as caneleira, tudo estava seco com trincas por todo lado em uma
verdadeira desolação, alguns restos de espinho de peixe espalhado mostrava que
os carniceiros fizeram a festa por aqui, demos a volta por todo o pasto
beirando a cerca e depois de ver que
estava tudo bem, beiramos o capão do escuro beirando o rio, Joaquim preocupado
com a estiagem desapiou e foi olhar o cupinzeiro pra ver o prazo da chuva, ele
estava úmido e cheio de larvas, isso era bom sinal, o sorriso brotou em seu
rosto, continuamos a toada até que chegamos à beira da mata, paramos para observar o formigueiro, pelas
formigas que carregavam seus ovos, pelo aparecimento da Tesourinha tudo
indicava que logo chuva chegaria, era o pico da seca, eu tinha poucos dias para
a lida da espera d´água.
Viemos no campo seco sendo maltratados por um sol escaldante
pois passava das dez da manhã, o que atenuava era a prosa boa, queria detalhes
de como estava as coisas, fazia bom tempo que me ausentara dali, e a prosa
estava boa que começou com a notícia de que uma semana atrás a vara de queixada
cruzou a beira da casa rumo ao fundos da serra, isso era bom demais, sem falar
nos causos novos que Joaquim vinha contando.
São esses os momentos mágicos que ficam na mente da gente, o
caminhar manso da montaria estralando o pisado no resto de capim esturricado, o
suor correndo em nosso rosto, o pito no canto da boca e a união de uma grande
amizade transformada em parceria e respeito, a figura mítica do sertanejo do
meu Goiás, homem de fibra, queimado de sol, homem que mistura sotaques, homem
que guarda lendas, que participa da romaria, que traz no peito o respeito e o
conhecimento das matas, e que carrega a fé que que sempre Deus está à frente de
tudo.
Mesmo com o andar manso logo chegamos a casa enquanto
Joaquim foi tratar das montarias, eu
corri para dentro do quarto no intuito de ajeitar a tralha para passar um dia e
uma noite no bebedouro do pé da serra, espera d’água de primeira, uma das melhores
que já vi nessa vida, tinha pra mais de dois anos que não ia lá, e quase que
esse ano passa também, se não fosse o atraso da natureza que parecia estar esperando
minha chegada, perderia esse ano novamente, pois já era pra chuva por essas
horas, esta aguando o mundo inteiro.
La fora o sol ia ajeitando a cama atrás dos montes fazendo
as honras pra noite chegar, enquanto isso Dona Juva labutava no fogão de lenha
o preparo do comer, o cheiro da galinha com quiabo estava de malinar o
estomago. Enquanto no paiol Joaquim organizava as tralhas de montaria, alimentava
os cavalos e enchia o coxo de água.
A
ideia era sair cedo, por isso os cavalos iam dormir próximo ao curral ao lado
do colchete dos bezerros, antes das 3 da manhã teríamos que está no arco da
cela rumo ao bebedouro, eram 3 horas de viagem em passo apertado inté o pé da
serra, lá o cerrado pega corpo em arvores de porte aprumado de folhagem farta e
verde, é um capão escuro onde um lajedo de pedra guarda uma nascente de pouca
água mas que nunca seca, é bebida certa do mateiro erado, de pelo longo, canela
roxa, topete turvado e pé redondo, bicho treiteiro que desce a serra pisando
manso com as orelhas em rodopio,
atentas, olhar firme e passos marcados, ali vem todo vivente em busca da fartura
de água fresca para matar a sede.
Estrada não tinha, era pegar trieiro de gado e sumir no
mundo, depois o trieiro das antas, cortar as campinas das lagoas que secaram, e
beirar o cerrado ralo, inté dá toda a volta, ai era um ermo sem fim no rumo contrário
do rio, só mesmo Joaquim mateiro vivido que era para sem pestanejar saber o
caminho certo a seguir, sertanejo nascido e crescido naquelas brenhas conhecia
como a palma da mão aqueles sertões, sertões desabitados de gente e povoado de
bichos, de histórias e de visagens.
Como sempre a noite foi comprida e sem motivo de sono, a
ansiedade mesmo na gente mais vivido não teima em dar prazo, passei a noite
rolando de um lado para o outro esperando dar a hora, enquanto isso o
pensamento se perdia vadiando pelas matas do meu Brasil relembrando os amigos e
as empreitadas, o que me trazia de volta a todo momento era o latido rouco da
cachorrada no terreiro, como que sentindo o perambular das raposas em volta da
casa em busca das gordas galinhas de Dona Juva.
Logo o relógio disparou o alarme dando conta que era 2:30 da
manhã, o galo ainda não tinha cantado quando me levantei devagar, calado e evitando
barulho para não incomodar Dona Juva, mais chegando na cozinha logo dei de cara
com Joaquim que assoprava o braseiro forçando o fogo para preparar o café, abri
a porta para escovar os dentes no tanque que de longe trazia a água do córrego
que estava tão gelada que os dentes chega doíam.
Minha
tralha estava toda arrumada sobre o banco da varanda, na mesa o lanche da
viajem estava enrolado em uma toalha colorida, Dona Juva não brincava no
serviço, era andar com os preparativos, tomar o café quente que Joaquim acabava
de passar, arriar os cavalos e pegar o rumo da realização de um grande sonho,
matar a saudade da espera no bebedouro.
Na hora de sair o galo cantou estridente no telhado do paiol
como que desejando boa viajem, José o irmão de Joaquim já estava de pé para
cuidar do gado na lida do leite, enquanto isso eu todo agasalhado com o pito na
boca montava em meu cavalo, com as rédeas em uma mão e a corda puxava a mula
carregada com a minha tralha na outra iniciamos a caminhada.
Em
meio ao poc poc do trote das montarias seguíamos na escuridão da noite sem luz
de lua, sentindo no rosto a brisa fria da madrugada, volta e meia uma coruja buraqueira
piava no meio do seu voo desalinhado, ora eram os curiangos subindo e descendo
no meio do caminho se alimentando dos pobres insetos, e assim as criaturas da
noite dominavam o mundo.
Era
quatro da manhã quando a lua pontou no céu, o mesmo céu que já dava nuances do
amanhecer, devagar as cores vinham mudando, os quero-quero gritavam o seu
conhecido e chato canto que é a origem do seu nome como que anunciando nossa
movimentação na campina, ao longe um bando de emas se levantaram abanando as
plumas para se livrar do molhado sereno da noite fria que dava lugar a um lindo
dia que começava a nascer.
Quando entramos no cerrado fechado um casal de campeiro
assustado com nossa presença correu em ziguezague destacando o branco do seu
rabo, em saltos que tiravam o folego, lá na frente a fêmea curiosa parou torceu
a cabeça girando as orelhas como que tentando analisar o que acontecia no seu
tão estimado campo.
São essas e outras visões e momentos que fazem o tempero da
vida do mateiro ter um sabor bem especial, ver e sentir a vida na natureza é
algo extremamente fantástico, cada detalhe, cada vivente, cada momento é um
suspiro de Deus, é uma forma de se sentir vivo, de sentir a força da mãe terra
que mesmo sendo tão massacrada ainda luta mantendo viva a esperança da perpetuação
das espécies.
O
sol aos poucos pegava corpo quando estávamos beirando a parte rochosa do pé da
serra, onde uma mata densa começava a se destacar do cerrado fino que era
circulado pela campina, lá na frente estava o lugar que eu sonhei por dois
anos, o tão cobiçado olho d’água, o bebedouro.
Em
uma sombra bem próxima da entrada nos paramos, ali eu arriei a tralha, ainda ia
tirar os varão para preparar o mutá, e não queria fazer isso beirando a espera
por isso montei novamente e fui mais a frente pegar os varão, precisava de seis
peças, queria ficar pelo menos a quatro metros de altura, Joaquim precisava
voltar, era dar água pros cavalos e ele pegar de meia volta e seguir o caminho
da sede da fazenda, eu ficaria ali, teria 24 horas de esperada, no tão esperado
mateiro da serra, como dizia Joaquim o canelão preto.
Os
cavalos rompiam longe quando eu carregava os últimos varão, tudo já estava
corretamente amarrado, era voltar tomar um banho e trocar de roupa, em um saco
de linho levei um garrafão de água para executar o necessário, banho tomado,
roupa trocada, mochila ajeitada e arma em punho segui para dentro da mata,
dando a volta pra não deixar cheiro, devagar subi no mutá e me aconcheguei na
rede, puxei o fumo preparei o palheiro e taquei fogo, a fumaça subiu rodopiando
pelas folhas verdes enquanto eu sentia o gosto do fumo invadir meu pulmão um
sentimento de realização dominava minha alma.
A
folhagem seca cobria o chão, e uma algazarra de pássaros vinham a todo instante
saciar a sede, o sol começava a esquentar logo estaria a pino estralando o
mundo e esturricando tudo que seus tentáculos pudessem alcançar, dentro do breu
da mata a beira do bebedouro o clima era menos castigado, nas logo as rajadas
de vento quente estariam entrando a todo instante, fazendo o suor escorrer por
todo lado, então era aproveitar o bom clima da manhã.
Não
demorou muito e logo começou a chegar bicho, e no vai e vem, era um verdadeiro
festival de viventes fazendo os trieiros que rompiam de todos os lados tomarem
vida, logo chegou uma família de cachorro vinagre que ao longe era pajeado por
uma irara curiosa, que ficava balançando a cabeça como que com ciúmes da água doce e cristalina do bebedouro.
Irara
é bicho esquisito, mistura de gato com cachorro, bicha fina e esticada de cor
preto fugido, mal lavado, comedora de mel, por isso em muitos cantos o povo a
chama de Papa-mel, mas no fundo é um bicho que come de tudo, não perdoa nada. Mas
voltando ao cachorro vinagre tinha tempo que eu não via esse vivente, eita
bicho sem jeito de andar deselegante e cor suja, mistura de ferrugem com preto,
rabo curto e cabeça grande, logo eles descerem
beberam e fizeram firula, um ainda pulou e banhou no olho d’água, mas espertos
que são logo saíram, geralmente os viventes tem uma certa fobia desses cantos
muito pisado da mata, eles sabem que os predadores ali também frequentam em
busca de alimento, por isso tratam de não bestar muito no lugar, e assim saíram
desconfiados no mesmo rumo que vieram, e eu fiquei feliz por depois de tanto
tempo poder ver os fantasma do cerrado novamente.
A todo instante o chop chop do pisado nas folhas chamavam a
atenção, era tudo que é trem chegando e saindo, lá do mutá, a altura
considerável eu tinha tudo que precisava para passar o dia e a noite, Joaquim
voltaria para me busca com 24 horas do horário em que ele me deixou então tudo
estava por mais que bem ajeitado, fiz o mutá com madeira boa, e com distancia
boa de amarração de rede, isso é
importante para esperada demorada, pois dá conforto e descansa as pernas, tem
coisa pior que estar mal acomodado e ter que ficar longas horas a sofrer com
dores no corpo.
Logo um casal de mutum desceu com seu piado fino, fiu, fiu ,
fiu o macho veiaco me avistou de longe, bicho de pena tem olho aprumado,
enxerga bem por demais, logo desconfiado deu a volta, agitando o pescoço para
frente e para traz avisando a fêmea da minha presença, bebeu rápido e logo
pegou corrida e eu pude ver a mancha preta sumir na mata acompanhada do marrom
claro da sua companheira.
E
assim o dia foi se passando as onze tirei a marmita do bornal, uma boa farofa
de carne de sol com feijão tropeiro, aquilo era o manjar dos deuses em meio ao
sertão do Goiás, o sol estava a pino, e o calor tomava conta do mundo, um bando
com uns oito catetos chegaram rufando, os menores primeiro, depois as fêmeas ,
macho alfa entrou por último bebeu e logo conduziu o grupo para seguir caminho,
pareciam desconfiados, e a todo momento o líder rufava e de repente mesmo sem motivo
saíram feito loucos, cada um para um lado, fugindo de não sei o que.
Eu
não tinha percebido mas uma gata parda estava espreitando no meio das pedras,
usando sua cor para se mimetizar, não atacou os catetos, pois não teve chance,
ou não estava com esse intuito, bebeu e no mesmo silencio que chegou, saiu e
sumiu mata adentro, é incrível como os bichos agem sempre em silencio e com
cautela, a hierarquia também é sempre respeitada, preparei um pito, e lá do
alto eu ainda sentia o cheiro almiscarados dos catetos misturado com o cheiro
carnicento da gata.
Essa
manhã foi extremamente boa, foi um dos
maiores festivais de variedade de bicho que eu pude ver, no lajedo na parte de
cima ainda tinha um saleiro natural que a porcada já ia cavando fundo, mas a
beleza se encontrava no olho d’água, que se destacava com seu azul no meio do
verde da mata, o chão repleto de folhas secas onde se destacavam grandes pedras
lapidadas pelo tempo, um lugar ímpar, guardado no seio do sertão do Goiás onde
a bicharada tinha a segurança de viver, eu me colocava a pensar nos muitos
lugares que eram assim e que viraram pasto, e que a vida selvagem se acabou
dando lugar ao gado que em grandes rebanhos compactam a terra e ruminam o
mundo.
Joaquim
a muito já estava em casa, eram 12:00 horas, e pelo cansaço da noite mal
dormida me deixei embalar pelo sono que me levou para um vazio sem fim, acordei
as quatro da tarde com uma algazarra danada de um bando de porco queixada que
chegavam pintando o mundo de preto, numa brigaiada besta e sem sentido, e assim
se seguiu o dia, até que o sol tímido foi deitar atrás da serra e a escuridão
veio chegando aos poucos.
O
corpo cansado se ajeitava na rede quando um pisado manso rompeu no meu rumo mas
logo quietou, foi quando uma anta sapateira veio derrubando o mundo e sem o mínimo de cerimonia caiu na água feito uma jumenta, tibummmm......E não parecendo pouco, outra veio no rastro e
caiu também, era um fiote que acompanhava a mãe, mesmo já sem pinta ele ainda
trazia os traços de menino, geralmente eles ficam juntos por dois anos, é o
prazo da mãe dar descanso na buchada, alguns dizem que o fiote só aparta quando
cobre a própria mãe, eu particularmente não acredito nisso, mas cético como sou
também não duvido.
Depois
de bagunçar metade da noite saíram quebrando a mata feito dois tratores, ai o
silêncio reinou, um corujão piava ao longe, no mais o mundo parou, a escuridão
era grande no meio da copa de folhas que cobria tudo não me deixando ver as
estrelas que eu tanto amo...
E
assim a noite aquietou, e no seu embalo me entreguei ao descanso de esperador
que dorme acordado e atento a qualquer movimento ou barulho, como que em um
transe onde o corpo dorme e a alma se mantem acordada esperando a chegada da
prenda.
O
lusco fusco do nascer do dia se misturava com o fim da noite quando uma pisada
firme e cadenciada desceu a serra, ora por outra fazendo rolar algumas pedras
soltas, eis que vem direto ao objetivo de matar a sede, mas beirando a água
mudou a toada, passou a pisar mais devagar, parando por vezes e demorando ao
próximo passo por mais de quinze minutos, até que finalmente entrou na linha de
tiro, quando a alça e a massa se encontraram em um equilíbrio perfeito, e a
lanterna se acende eis que surge um vulto menor era um filhote ainda
pintadinho, novo, talvez ele é que tinha feito tanto barulho na descida, logo a
carabina voltou para o ponto de descanso o que eu podia fazer se não contemplar
a visão daquela enorme mateira e seu filhote matar a sede, naquele momento a
neblina da manhã se dissipava e com o romper da aurora a luz começava a clarear
a mata.
Uma
visão linda ver a mãe mateira pajeando seu filhote e se mantendo atenta para protegê-lo,
a luz da lanterna já não era mais preciso, devagar o sol já clareava o mundo e
a visão deles subindo a serra e sumindo na mata foi uma das imagens mais
bonitas que já pude ver.
Mais
um pouco chegou um grupo de quatis que fizeram muita bagunça, pensei comigo que
iria embora sem minha prenda, mas as oito horas um grupo de queixadas entraram
na bebida, os menores primeiro, logo veio as fêmeas, escolhi uma menor de carne
tenra, e descansei o disparo no local certo, ai foi porco pra todo lado,
espalhei queixada mundo afora, e foi o prazo, ao manobrar o ferrolho escutei o grito
de Joaquim que anunciava sua chegada.
A
prenda estava garantida, ajeitei a tralha para descer, desmuniciei a arma e
baixei tudo, soltei a rede e desci, apertei a mão do meu amigo e agradeci por
sua chegada, logo estávamos proseando e limpando a porca, esperamos um pouco a
carne esfriar e escorrer, enquanto isso eu ajeitava a tralha e os cavalos
bebiam, depois de tudo ajeitado, com pouco pegamos o rumo de casa.
A
prosa mansa, o pito de palha, se fazia misturar com a nossa alegria, o sol
forte agora se escondia atrás das nuvens carregadas que amanheceram dominando o
céu, era o anuncio da chegada das águas, na mente a certeza da vitória, no
coração a felicidade de poder contemplar cada imagem que aquele maravilhoso
lugar me deu, ao meu lado o amigo guerreiro e paciente, que com sua humildade
me deu a chance de viver momentos tão maravilhosos.
Quando
avistamos a casa ao longe fomos surpreendidos pelos pingos grossos da chuva
tocando no chão, a poeira agora viraria lama, o cinza se tornaria verde, a
lagoa abrigaria novamente os cardumes de traíra e papa terra, o sagrado olho
d’água agora seria multiplicado por todo sertão levando a fartura para todos os
bichos, bicharada que agora se preparavam para parir a filharada, no coração temos
a certeza que no próximo ano o bebedouro vai novamente matar a sede dos
viventes que lutam pela vida, buscando água pelos sertões do meu tão amado Goiás.
Bello
11-01-16
REMÉDIO PRA COBRA, É BOSTA
Estávamos na beira do rio, aquentando na fogueira e assando um belo exemplar de tucunaré, quando o velho Nena chegou para prosear e tomar uma pinguinha, papo vai papo vem o assunto se enveredou nos perigos da mata, onça foi assunto repisado, que atacou, que comeu, que matou, ai veio as abelha, queda de espera, barco virar em corredeira, inté que o assunto acabou em cobra.
Cobra é bicho lazarento, inté dizem ser criação do Mardito Tinhoso, e que foi condenada a rastar o bucho por ser serventia do mal, cobra é bicho de camuflagem pesada, e de veneno rápido e mortal.
E se uma cobra morde o vivente em umas brenhas daquelas, viiiiiiiiixe o cabra ta morto, com a estrada buraquenta e socorro distante a morte era certa, sem falar na agonia, ai logo apareceu causo de cascavel, de bocarra, de urutu cruzeiro, de coral e de tudo que é trem que rasteja mata adentro fazendo o mateiro correr risco de morte.
_É mordeu o cabra ta morto, em pouco prazo a vista afina, a perna desprende de força e num tem remédio.
Foi quando o veio Nena disse.....
_Perrrrrrra lá, remédio tem sim, remédio prá mô de picada de cobra ¨é bosta¨.
Nessa hora um companheiro pulou, brabo, era André, cabra gordo sem conhecimento da mata o verdadeiro ¨FILHO DE VÓ¨, cabra criado em apartamento e engordado no Todynho com bolinho da Balduco, era a primeira vez que ele se aventurava numa pescaria, sua pele branca estava repleta de pontos vermelhos ( picadas de piuns) e as coxas estavam assadas de andar do pesqueiro para o pouso e do pouso para o pesqueiro.
_O Sr., deve estar louco, eu nunca ouvi falar isso, que bosta tratava picada de cobra.
Retrucou Andre, foi quando o veio paciente danou a explicar.
_Companheiro remédio é remédio, e nessas brenhas o cabra num tem muita escolha, ou vai para trato caseiro ou morre sem trato, e no mais passou um pouco de bosta no local que ela puxa o veneno basta deixar uma meia hora e esta curado.
Ai foi o bate boca, que isso num tem base, isso é coisa de maluco e por ai afora se direcionou o papo, inté que acabando a pinga o veio Nena pegou o caminho de casa e a gente da barraca, foi uma noite tranquila, e logo chegou o dia com o céu azul sem nuvens e um sol maravilhoso, acordamos cedo com um pouco de ressaca, mas nada que um bom café não resolva, e com pouco já estávamos no pesqueiro puxando piau.
Depois de algum tempo resolvi bater uma artificial e sai beirando o rio, lançando a isca nos locais que dava, de repente topei com uma Jararaca rabo de osso no meio da pedreira e prontamente sentei o lepo e matei, coloquei em um saco e guardei na bolsa para mostrar para o Carlinhos.
André era acostumado a cair na rede logo após o almoço e dormir de roncar sempre se encostando nos companheiros, sem procurar ajudar em nada, e isso trouxe o motivo da brincadeira que soou como uma vingança.
Prepararam uma lata cheia de bosta e escondera no mato, e na hora do almoço um dos meninos já tinha jogado um verde...
_Gente, muito cuidado que eu vi uma jararaca rabo de osso aqui no acampamento hoje cedo.
Creeeedo rabo de osso, morde e sai de baixo pra vitima num cair por cima dela, pense num veneno bruto, e morte dolorosa, sai sangue em tudo que é poro, paralisa tudo, e o cabra morre a mingua.
Então logo que André encheu a pança já fugiu da tarefa de lavar a louça, pegou sua rede e procurou uma sombra boa do lado das barracas armou sua rede e deitou, num passou muito tempo já estava no ronco do urubu cansado, suando feito tampa de chaleira de boca aberta e com um monte de mosca fazendo a festa por todo seu corpo, foi quando Carlinhos devagar enrolou a jararaca rabo de osso no pé do André, e eu com um baita espinho de tucum, cutuquei sem dó o dedão dele.
_Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii e foi o pulo.
Com o leriato todo combinado um já gritou, olha a cobra e o pau comeu...Pof, pof, pof e jogou ela pra dentro do rio.
_Meu Pai do Céu, uma jararaca, ela te mordeu André...Gritou Carlinhos.
André levantou desesperado apertando o dedão do pé que minava sangue do local atingido pelo espinho de tucum, mas que ele imaginava ser a picada da jararaca.
_Me mordeu, ai eu vou morrer, e agora ?
E danou a suar e gritar de dor, dizendo a cada segundo que estava passando mal, que estava morrendo.
Foi quando a turma toda danou a dizer que não dava prazo de ir ao hospital, pois o mais próximo estava a mais de 200 quilômetros e que a saída era trato caseiro, foi quando lembraram da lata de bosta.
_Passa bosta uai. Falou Carlinhos.
André desesperado pediu que arrumasse a massa, quem tiver com vontade de cagar eu preciso de bosta fresca, gritava desesperado, foi quando Carlinhos veio com a lata com o graveto dentro, tirou o graveto melado e passou um tiquinho na ponta do dedão de André, que desesperado tomou a lata dele aos gritos.
_Home eu to é morrendo, me dá essa lata aqui.
E enfiou a mão dentro tirando uma mãozada caprichada de bosta e esfregou do joelho para baixo inté cobrir tudo, a gente dando força tratando tudo com a maior seriedade.
A catinga estava por demais, que até nos afastamos dele, mas o companheiro André mais calmo dizia...
_ Eu estou melhorando, já ta até passando a dor, ufa , o trem funciona mesmo.
Carlinhos com a maior cara de pau ainda falou:
_Oia companheiro o recomendado é meia hora mais pelo fato de ser Jararaca rabo de osso é melhor prevenir e ficar no mínimo uma hora, pra garantir né, e fugimos pro mato pra rir, rimos que choramos de rolar no chão.
E o pobre do André fedendo mais que bunda de gambá ficou mais de duas horas todo melado de bosta do joelho para baixo com a plena certeza....
Que remédio para picada de cobra...................É bosta.....
Cobra é bicho lazarento, inté dizem ser criação do Mardito Tinhoso, e que foi condenada a rastar o bucho por ser serventia do mal, cobra é bicho de camuflagem pesada, e de veneno rápido e mortal.
E se uma cobra morde o vivente em umas brenhas daquelas, viiiiiiiiixe o cabra ta morto, com a estrada buraquenta e socorro distante a morte era certa, sem falar na agonia, ai logo apareceu causo de cascavel, de bocarra, de urutu cruzeiro, de coral e de tudo que é trem que rasteja mata adentro fazendo o mateiro correr risco de morte.
_É mordeu o cabra ta morto, em pouco prazo a vista afina, a perna desprende de força e num tem remédio.
Foi quando o veio Nena disse.....
_Perrrrrrra lá, remédio tem sim, remédio prá mô de picada de cobra ¨é bosta¨.
Nessa hora um companheiro pulou, brabo, era André, cabra gordo sem conhecimento da mata o verdadeiro ¨FILHO DE VÓ¨, cabra criado em apartamento e engordado no Todynho com bolinho da Balduco, era a primeira vez que ele se aventurava numa pescaria, sua pele branca estava repleta de pontos vermelhos ( picadas de piuns) e as coxas estavam assadas de andar do pesqueiro para o pouso e do pouso para o pesqueiro.
_O Sr., deve estar louco, eu nunca ouvi falar isso, que bosta tratava picada de cobra.
Retrucou Andre, foi quando o veio paciente danou a explicar.
_Companheiro remédio é remédio, e nessas brenhas o cabra num tem muita escolha, ou vai para trato caseiro ou morre sem trato, e no mais passou um pouco de bosta no local que ela puxa o veneno basta deixar uma meia hora e esta curado.
Ai foi o bate boca, que isso num tem base, isso é coisa de maluco e por ai afora se direcionou o papo, inté que acabando a pinga o veio Nena pegou o caminho de casa e a gente da barraca, foi uma noite tranquila, e logo chegou o dia com o céu azul sem nuvens e um sol maravilhoso, acordamos cedo com um pouco de ressaca, mas nada que um bom café não resolva, e com pouco já estávamos no pesqueiro puxando piau.
Depois de algum tempo resolvi bater uma artificial e sai beirando o rio, lançando a isca nos locais que dava, de repente topei com uma Jararaca rabo de osso no meio da pedreira e prontamente sentei o lepo e matei, coloquei em um saco e guardei na bolsa para mostrar para o Carlinhos.
André era acostumado a cair na rede logo após o almoço e dormir de roncar sempre se encostando nos companheiros, sem procurar ajudar em nada, e isso trouxe o motivo da brincadeira que soou como uma vingança.
Prepararam uma lata cheia de bosta e escondera no mato, e na hora do almoço um dos meninos já tinha jogado um verde...
_Gente, muito cuidado que eu vi uma jararaca rabo de osso aqui no acampamento hoje cedo.
Creeeedo rabo de osso, morde e sai de baixo pra vitima num cair por cima dela, pense num veneno bruto, e morte dolorosa, sai sangue em tudo que é poro, paralisa tudo, e o cabra morre a mingua.
Então logo que André encheu a pança já fugiu da tarefa de lavar a louça, pegou sua rede e procurou uma sombra boa do lado das barracas armou sua rede e deitou, num passou muito tempo já estava no ronco do urubu cansado, suando feito tampa de chaleira de boca aberta e com um monte de mosca fazendo a festa por todo seu corpo, foi quando Carlinhos devagar enrolou a jararaca rabo de osso no pé do André, e eu com um baita espinho de tucum, cutuquei sem dó o dedão dele.
_Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii e foi o pulo.
Com o leriato todo combinado um já gritou, olha a cobra e o pau comeu...Pof, pof, pof e jogou ela pra dentro do rio.
_Meu Pai do Céu, uma jararaca, ela te mordeu André...Gritou Carlinhos.
André levantou desesperado apertando o dedão do pé que minava sangue do local atingido pelo espinho de tucum, mas que ele imaginava ser a picada da jararaca.
_Me mordeu, ai eu vou morrer, e agora ?
E danou a suar e gritar de dor, dizendo a cada segundo que estava passando mal, que estava morrendo.
Foi quando a turma toda danou a dizer que não dava prazo de ir ao hospital, pois o mais próximo estava a mais de 200 quilômetros e que a saída era trato caseiro, foi quando lembraram da lata de bosta.
_Passa bosta uai. Falou Carlinhos.
André desesperado pediu que arrumasse a massa, quem tiver com vontade de cagar eu preciso de bosta fresca, gritava desesperado, foi quando Carlinhos veio com a lata com o graveto dentro, tirou o graveto melado e passou um tiquinho na ponta do dedão de André, que desesperado tomou a lata dele aos gritos.
_Home eu to é morrendo, me dá essa lata aqui.
E enfiou a mão dentro tirando uma mãozada caprichada de bosta e esfregou do joelho para baixo inté cobrir tudo, a gente dando força tratando tudo com a maior seriedade.
A catinga estava por demais, que até nos afastamos dele, mas o companheiro André mais calmo dizia...
_ Eu estou melhorando, já ta até passando a dor, ufa , o trem funciona mesmo.
Carlinhos com a maior cara de pau ainda falou:
_Oia companheiro o recomendado é meia hora mais pelo fato de ser Jararaca rabo de osso é melhor prevenir e ficar no mínimo uma hora, pra garantir né, e fugimos pro mato pra rir, rimos que choramos de rolar no chão.
E o pobre do André fedendo mais que bunda de gambá ficou mais de duas horas todo melado de bosta do joelho para baixo com a plena certeza....
Que remédio para picada de cobra...................É bosta.....
Bello 28-05-2014
DUELO DE COMPADRE
Inda hoje lembro do causo que me
aconteceu nas bandas do rio da branca, foi duelo de compadre, eu e compadre
Amâncio, e meu cachorro trovão embrenhamos numa empreita de espera que foi dose
pra leão, iamos descendo a serra, tava amuntado
na mula Bartira, quando vistei de longe a mata fechada do grotão, lá no
encontro do rio, onde as Branca virava Tocantinzinho, um bando de coqueiro
babaçu, bonito de se ver, folhas verdinhas chacoalhando ao vento....Retruquei
com o compadre...oia lá compadre que mata aprumada, pro outro lado do rio.
Onde compadre?
Ali onde o
babaçu abunda, eita trem, com uma abundancia dessas deve de ter paca de
cabelo branco e bengala triando ai dentro, ta longe do rancho mas acho que vale
a pena .....
E o compadre soltou risada de
safadesa, repetindo é o Babaçu abunda,
ali é. Onde?....
Compadre pra mun ficar por baixo da
treita, resmungou, to vendo não, e oaindo pro compadre retrucou....É que hoje
amanheci meio ruim, os oio meio remelento parecendo ofendido, a vista do
veio ta uma porqueira, to com os oio nuviado, enxergando ralo,
enfumaçado...e gaitou baixo, pra ver se o compadre pescou repetiu oiando no
fundo dos oio dele..Meu oio ta nuviado.
O homi frisou a sombranceia com cara
fechada, mas ele pra se safar, repetiu novamente, eu to como oio nuviado, ta tudo esbranquiçando, to
vendo esses babaçu não....E soltou um
sorriso..kkk
Prararam a sombra de grande de uma paineira e pra disfarçar
compadre Amancio empreitou com capricho um pito de paia pra relaxar....Oia
compadre, nois tem que acoitar a ceva e se ajeitar rápido que o trem né
brincadeira não, agora se senta
e nalisa, procê chegar concuzão, que o trem é duro compadre é grotão,
nois vai trabaia feito burro de carga, carregando mio.....
Compadre logo desatinou.. Homi, gosto
de pensar muito não, num analiso nada não, comigo é no facão, no mais a
montaria só chega inté aqui, vamo rompe a tria agora di pés, pode ir na frente
compadre Amancio, que eu vou rompendo atrás,
mas vou logo avisando vai devagar, mó do
saco num bater muito, se não machuca ocê, esse saco de mio ta pesado
inté as hora.
Entrando a mata Amancio procurava
jeito de dar troco, parou beirando um trieiro, largou o saco no chão baixou
fastou folha investigando o que tinha passado por ali, é cumpadre, subiu aqui
um trem erado, e é macho, é cuteu,
gosto muito não o cuteu é cabeludo e
fedido demais, mas se aparecer na ceva eu como ele.
Compadre matutou, que cabra safado
homi, e baixou tumbém oiando os rastro, é não compadre, é paca, e gorda, e esse
menorzinho é tatu foiero, uai compadre, sabia não, que em trieiro de paca tatu caminha dentro....
Amancio pulou, mas ficou quieto,
simbora compadre que ainda tem trecho, e seguiram a caminhada, mas a frente no velho
rancho de paia parou e desceu a traia, oia, vamos mais umas duas viagem pra trazer tudo, e assim fizeram,
calados e procurando modo de pegar um ao outro na rezenha, rancho ajeitado, era
hora de fazer picada e procurar o ponto que iam cevar e ainda ver alguma
fruteira, que dependendo do caso, era subir na fruteira aproveitando a viagem
depois de preparar a ceva.
E passaram a manha nessa lida,
retornando ao rancho cansado mas feliz, pois tinha ajeitado ponto de primeira,
ai retrucou Amâncio, oia compadre eu vou
ajeitar uns trem e oce prepara o armoço, ocê é mas tinhoso no tempero e eu como
muito, melhor assim, porque seu cuzinho
todo come,e eu perco o gosto.
Compadre na hora deu o troco, de jeito
nenhum, to sem jeito pra cozinha, hoje ocê é seu kuka, amanha seu kuka é eu, trato feito.
O home chega sapateou, tem base não,
esse compadre tem resposta tinhosa pra toda emboscada, e ficou pensando um
jeito de passar a perna e sair por cima.
Almoçaram e sentaram proseando pra dar
hora de ir pra espera, com o bucho cheio de carne seca e arroz o cabra fica
esmorecido, a melhor coisa nessa hora é tomar um café aprumado, ajeitar um pito
caprichado e encaracolar fumaça no ar.
Oia compadre Amâncio, vou pitar pra
espantar as muriçoca, quero ocê pelotado não, afinar uma picadura é duro do cê agüentar, mio fumaça o rancho assim esses tar
de pernislongo num pega ocê.
Esquenta não compadre, to com o facão
amolado de aparar barba, andei treinando um bocado pro mó de corta trem miúdo,
inda mais esses que só faz barunho e num morde ninguém....kkkk
Essa foi o fio dagua, era mio ficar
calado e procurar meio de catucar com mais destreza, mas já tinha dado hora, de
romper pro trepeiro, pois já batia as três da tarde...
Oia compadre Amâncio, vamo romper é
mio ir mais cedo, oce num trepa a
muito tempo, e pode di ter dificuldade pra se ajeitar no trepeiro, e no mais o cuteu pode dar bobeira e eu traço ele
na cartucheira...kkkkk
Eita que o home pestiou, sei não,
amarrou o cachorro no rancho pro mó dele num ir bater na ceva, colocou água e deu ordem pra num latir, trovão era
cachorro novo, mas já tava acuando tatu, de certo ia dar pra bom companheiro,
bastava ensinar e botar na lida.
Ë compadre, oce ta certo, oce ta
atinado, acostumado com pau, num vou
nem discuti com ocê, afinar num é qualquer um que quenta passar a noite no pau
e ainda trabaia no outro dia..kkkk
Amâncio achou bom demais, e gaitou
inté doer a barriga, e juntando a traia pegou o trieiro, compadre vinha atrás
cutucanto o coco da cabeça pensando em tirar a forra, sem achar meio, e
sequiram mata a dentro, inté chegar no entroncamento onde cada um seguia pra
sua espera...
Oia Amâncio cuidado, ocê se atina, num
vai cair no ronco pra mó de espantar o mateiro não viu, e no mais aqui é
moradia de onça bruta, a beira do rio ta triado delas, ocê sabe se beirar a
espera num faz piseiro não, tem que ranjar ela no oio, porque dispois de uma pintada entrando por traz oce nunca
mais será o mesmo....kkkk
Amancio torceu o nariz mostrando a 12
e o bolso cheio de cartucho, e desafiou,
aqui para pintada, mas como oce já passou por isso compadre e tem destreza, por
que nunca mais foi o mesmo, obrigado pelo conselho, vai com Deus boa espera, e
lá oce vai ter tempo de sobra pra mó de encontrar um jeito de sair dessa...kkk
E cada um rompeu pro seu trieiro,
rindo e matutando o que iam pregar de peça um no outro no dia seguinte, no
famigerado duelo de compadres...kkkk
Bello 09/08/12
hoje estou mais uma vez estarrecido com a alegria de ler mais um causo e me imaginar ao lado do companheiro em uma empreitada dessa. Por horas, obrigado por nos alegrar e que venha tão logo outro causo.
ResponderEliminarRealmente esse bebedouro é um berço de ouro aos olhos de qualquer amante das historias de caçador.
EliminarBom demais Bello, ler seus causos refrigera nossa alma no corre corre do dia-dia em busca não sei de quê......
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