CAUSOS E CONTOS

PROFISSÃO CAÇADOR - CACHORRO TRAIRA






PROFISSÃO CAÇADOR
( Causo fictício inspirado no Livro Viagem ao Araguaia, de Couto de Magalhães )

Dedico esta história ao amigo Leonardo Marrara


No ano de 1861, foi nomeado para presidente da província do Goyáses, o  General Couto de Magalhães, os sertões como se era chamada a região do centro oeste brasileiro, era um território abandonado pelo estado, de lugares longínquos e desconhecidos, com florestas e vales ainda virgens, índios selvagens e inóspitos  com pouco ou nenhum contato com o homem branco, não havia desenvolvimento real, era somente um tapete de matas, florestas, cerrados e campinas que rompiam além das fronteiras do Brasil com a Bolívia, Peru e os demais países fronteiriços, o Centro Oeste era naquele momento a promessa de riqueza para muitos aventureiros que aqui chegaram para fazer a vida, em busca de ouro, pedras preciosas e outras riquezas naturais.
Grandes áreas territoriais eram demarcadas ao ermo, novas fazendas surgiam a todo instante assim como povoados, e novas cidades, a ideia era povoar esses sertões, se iniciava naquela época timidamente a pecuária goiana, faixas territoriais imensas estavam ainda à espera de pessoas dispostas a trabalhar na terra.
No ano de 1864 estourava a guerra do Paraguai na província do Mato Grosso que se estendeu até meados do ano de 1870, onde o General Couto de Magalhães foi designado para retirar os paraguaios do território brasileiro.
Nesse período as viagens eram demoradas e perigosas, feitas no lombo de mulas, grande parte do território ainda não tinha sido mapeada corretamente e tudo se resumia as palavras “dificuldade e incerteza”.
Os índios canoeiros e outras etnias ainda levavam o medo, atacando vilarejos e viajantes desavisados saqueando o que podiam e muitas vezes matando a todos.
Foi no meio de todo esse contexto que em 1866, viajando no lombo de uma mula chamada Roseta, e puxando outras duas com sua tralha, um jovem seguia pela trilha que ligava São Paulo ao Goyásis, era o franzino Jovelino, ele havia saído de São Vicente uma das cidades mais primorosa de São Paulo, pela mesma rota usada pelos antigos bandeirantes com destino a Vila Boa dos Goyáses ( hoje conhecida como Goiás Velho),  era uma viagem penosa, que poderia durar mais de dois meses, isso sem contar com algum imprevisto, a viajem seria ainda dosada pelo clima, pela dificuldade do relevo como travessia de rios e demais intempéries, em um passo correto de forma a preservar as montarias era possível percorrer média de 6 léguas por dia ( uns 40 quilômetros ).
Como as mulas carregavam bom peso, e ainda tinha que levar água para não sofrer em locais onde era escasso tal recurso, era preciso atravessar grandes distancias sem o apoio de fazendas ou lugares para comprar comida, seu destino final era a fazenda Santa Fé no sertão dos Goyáses, distrito do Sítio D'Abadia ( hoje a cidade de Flores do Goiás).
A rota era chegar em Vila boa de Goyáses ( hoje a cidade de Goiás Velho ), de lá seguir até ao Arraial de Santa Luzia ( hoje a cidade de Luziânia –GO ), depois até ao Arraial de Couros( vilarejo que deu origem a cidade de Formosa-GO ), para finalmente chegar  ao Arraial de Santo Antônio do Itiquira, que se localizava na barra do Rio Itiquira com o Rio Paranã, cortando pelo Vale do Paranã até o distrito do Sítio D'Abadia, conhecida também por Urutágua ( distrito que deu origem a cidade de Flores do Goiás ). Se estabelecendo finalmente na fazenda Santa Fé onde exerceria o oficio de caçador, findando-se a distancia de 356 léguas.
Na ocasião se despontava no Goyáses o povoado Vila boa , o Arraial  Meia Ponte por onde passavam todas as "picadas de Goiás" e que era o centro comercial de toda a província, entrava em declínio com a morte de seu proprietário o senhor Joaquim Alves de Oliveira o Engenho São Joaquim ( que deu origem a Fazenda babilônia a fazenda de registro mais antiga do estado), e que havia se destacado como a primeira e maior empresa agrícola até o momento, porem o Goyáses dava indícios de se tornar um grande estado.
Pela trilha seguia calado e pensativo o jovem Jovelino, puxando mais duas mulas que levavam a carga suficiente para sustenta-lo durante a viagem, roupas e alguns utensílios usados na caça, viajar calado era uma forma de defesa, era preciso estar sempre atento a qualquer barulho que pudesse denunciar uma aproximação dos índios ou qualquer outro oportunista.
Afinal se ouvia tantas histórias sobre esses sertões que não se sabia ao certo o que realmente era mentira ou verdade, a quantidade de lendas e causos sobre aqueles caminhos faziam mesmo um homem aprumado remexer sua imaginação e acreditar em coisas que iam bem além da sua própria imaginação.
Se iniciava a caminhada sempre antes do amanhecer do dia, as 04:00 da manhã ainda no escuro, para se romper mais apressado de forma a quando o sol começasse a  esquentar demais parar para as mulas pastarem, e almoçar, o comer era preparado sempre a noite para além de ganhar tempo, a fumaça não chamar a atenção, poupar um pouco as mulas era a única forma de mantê-las forte e viçosas para suportarem a longa jornada, após descansar um pouco o comer se iniciava novamente a caminhada depois das 15:00 com o esfriar do sol e seguia até o escurecer onde se parava para pernoitar, era escolhido sempre em um ponto mais alto e um pouco fora da picada, de modo que não ser pego de surpresa por um outro viajante mal intencionado, assim não chamava  a atenção e tinha condições de  ter visão antecipada de alguma movimentação.
Jovelino tinha amor pelas caçadas e se embrenhara pelos sertões em busca de seus sonhos, assumir a função de caçador era continuar vivo, era comum nesse tempo empregarem nas fazendas mais abastadas, um homem somente para garantir o abastecimento dos trabalhadores na caça e na pesca, a agricultura se baseava em pouco plantio, somente para o sustento e a pecuária estava buscando o desenvolvimento do rebanho.
Jovelino era um homem simples, sem parentescos importantes, negro de baixa estatura, de fala mansa e de pouco corpo, com seu chapéu cobrindo o rosto, e sua roupa surrada, com muitas esperanças no coração e assim co o olhar no futuro ele seguia sua viagem desbravando as trilhas do Goiás em busca de uma nova vida.
Nasceu no estado de São Paulo, mas cresceu em uma fazenda no interior onde seu avô tinha função de caçador e seu pai seguira a mesma função, passando para ele todo seu conhecimento sobre os segredos dos bichos e dos peixes, mas São Paulo começava a crescer e tal profissão logo ficaria sem serventia, e como era a única coisa que ele realmente amava e sabia fazer, o certo foi escolhido, buscar um novo caminho onde seus conhecimentos fossem requisitados.
Da lida da caça e da pesca era doutor, pois os segredos e manhas lhe foram passados desde a infância, tempo que viveu ao lado de seu pai e seu avô nas brenhas das matas, desde menino pendurado no cangote do avô, curiando cada atividade de lida, de tudo que era armadinha e macetes tinha conhecimento, então ele carregava na cabeça e no coração quase um século de conhecimento e amor pela lida mateira.
Essa viagem foi sem duvida o inicio de uma vida de aventuras que lhe esperavam na nova terra, as paisagens que foram surgindo durante os dias de caminhada ficariam marcadas em seus olhos eternamente, fazendo com que o jovem caçador plantasse em seu peito a semente da paixão pelo novo estado.
A imagem das campinas que sumiam a vista era estonteante, a savana brasileira se retratava explicitamente sobre seus olhos, povoada com bandos de emas, veado campeiro e muitos outros animais, era um mundo novo que surgia, foi ali que pela primeira vez, seus olhos viram o Suçuapara, o Cachorro Vinagre, o alto e desajeitado Lobo Guará, o Tamanduá Bandeira e uma infinidade de avoantes.
É uma região fartíssima em vida e água, rios, riachos, corrichos, lagos e lagoas surgiam a cada momento, repletos de peixes e aves aquáticas, que faziam burburinhos e algazarra no amanhecer e entardecer do sertão, animais silvestres eram avistados a todo o momento.
A certa parte da viagem ele se deparou com uma várzea coberta por uma lagoa onde pastavam mansamente 12 cervos Suçuapara, ele não resistiu, até porque com mais de 20 dias de viagem o mantimento estava escarço, e era preciso reforçar a dispensa, foi de ponta e pé para garantir carne para continuar  a caminhada abastecido, nas mãos um mosquete francês, de 1777, calibre 19 mm, os animais sem muito contato com o homem esperaram a chegada do jovem caçador sem muita menção de perigo, chegando a distancia considerada de tiro, ele apoiou o cano em uma pequena arvore, segurou firme na arma e acionou o gatilho, quando o mosquete disparou a fumaça tomou conta do ambiente, um dos cervos caiu e os outros correram em grandes saltos por sobre o alagado espirando água para todo lado em uma imagem inesquecível.
Ao se aproximar do animal ele ficou fascinado com sua beleza, o nome Suçuapara que em tupi significa veado galheiro era pouco para designar tamanha beleza, seu peso passava dos 120 quilos, seu pelo brilhoso e de cor marrom escura, com focinho mais claro e canelas negras era lindo, seus chifres branqueados de mais de 60 centímetros de comprimento com quatro grandes ramos cada um, seria um troféu que levaria para sempre em sua vida, como não tinha como levar toda carne se arrependeu de abater um animal tão grande, foi nesse momento que ele mesmo prometeu nunca abater outro Suçuapara enquanto vivesse, não só por sua beleza ou pelo desperdício daquele momento, mas por ser um animal de carne forte e de difícil reprodução.
Pólvora e chumbo era artigo de luxo nesse tempo, e deveria ser preservado a todo custo, a coquilha era instrumento de uso comum, sempre que possível se recuperava o chumbo na carcaça do animal, derretia e refazia o chumbo para reutiliza-lo, era uma questão de necessidade.
Com uma viagem longa era preciso garantir sustento, pois tudo era desconhecido, podia ficar por até mais 15 dias sem ver ou ouvir o mínimo vestígio de civilização onde pudessem fazer reservas de alimentos, então era limpar o grande cervo e salgar a quantidade que fosse possível carregar, mas ai já era preciso parar, para pernoitar.
Embarricar a carne é trabalho noturno, tem que deixa-la esfriar e escorrer bem antes de salgar e prensar na barrica, ali a carne estaria preservada por um bom tempo, fazer isso com sol quente e as presas era certo que perderia todo o trabalho, sem falar que mateiro velho num erra no tempero para cometer erro tão primário assim.
Acampado na beira da lagoa, fez um pouso em uma grande a sombra. Com farta pastagem para as mulas, deitou na rede e contemplou toda a paisagem, a água cristalina refletia o azul do céu e suas poucas nuvens, em meio aquela visão maravilhosa, Jovelino sentiu seu coração sorrir, afinal ele estava como gostava, em meio do nada, ele e a natureza, sem patrão, sem ninguém que pudesse interferir nos seus pensamentos, nas suas atitudes, somente tinha a companhia dos pássaros, animais e a mata iniciava-se ali uma nova em sua vida.
Uma fogueira foi acesa para assar um pedaço de carne, e logo apagada para fumaça não chamar atenção, era preciso se prevenir de todos imprevistos, outra preocupação era com as onças, que volta e meia vinham na intenção de pegar uma das mulas, por isso a buchada foi jogada longe do local de dormida.
Historia de onça comedora de gente era trem que não faltava, então o punhal de dois gumes não saia da cinta, estava sempre bem amolado e pronto para o uso, não seria novidade encarar uma onça pintada frente a frente, como muitas que ele abateu somente com o uso da zagaia, por isso o sono era leve e isso trazia mais cansaço ao viajante.
Deitado ali olhando o céu estrelado e com o pensamento na saudade do tempo que ficou para trás, Jovelino se entregou aos sertões, esperava pacientemente o sono chegar, somente ouvindo o coaxar dos sapos, o grasnar distante dos patos selvagens que rumavam para o poleiro nas grandes arvores que circulavam a lagoa e o pio triste do Urutau que sumia ao longe no cerrado.
Cerrado de vegetação rala, avariada, de árvore retorcida de casca grossa, trem que a natureza preparou para suportar as grandes queimadas que ocorriam na época da seca nos sertões, e isso era outra preocupação, qualquer sinal de fogo era preciso buscar abrigo seguro para ele e os animais.
O dia amanhecia com o arrulhar dos pombos, com gorjear dos pássaros em tons e melodias diversas, o céu desfazia a barra da noite que aos poucos começava a mostrar um azul turquesa de encher os olhos, era preciso levantar acampamento o mais rápido possível e seguir rumo, em 35 dias viagem queria estar chegando a Vila boa, e seguindo o caminhar do tempo entrar em Urutágua antes da chegada das águas, viajar naqueles sertões com os rios transbordando era a certeza de dificuldade para transpô-los, sem falar na malária, qualquer sinal de febre acompanhada de dor de cabeça era preciso se medicar com plantas ricas em quinino como a Quina  do Sertão ( hoje conhecida como Quina de Goiás) vasta no território do Goyásis.
Os perigos eram tantos que afligiam a mente do nosso aventureiro, cobras venenosas, índios arredios, onças, saqueadores, se desorientar e perder-se no caminho, mas nada o assustava tanto como os insetos, tanto que trazia com ele um mosqueteiro que foi presente de um capitão do exercito e que era companheiro obrigatório de toda parada, e os insetos não se resumiam somente a mosquitos, os sertões eram povoados de moscas, mutucas, abelhas, vespas, formigas, marimbondos e uma grande sorte de aranhas, barbeiros e outros seres indesejados sempre prontos para atacar.
O uso de alguns óleos naturais a base de plantas como a olheira do alecrim do campo que ajudam a repelir os insetos era sua arma secreta, receita ensinada pelo finado avô nas lidas da terra paulista.
Mas a viagem tinha que continuar  de São Vicente a vila boa tinha 216 léguas média de 35 a 45 dias de viagem, como o caminho era desconhecido e tinha muitas serras e rios, nem sempre se tinha uma distancia certa percorrida por dia que podia variar muito, mas a meta era manter o que havia determinado compensando um dia pelo outro.
Após percorrer umas 168 léguas ele perdeu a primeira mula para uma cascavel, na tralha que ela carregava estava justamente os apetrechos das armadilhas e recursos da caça, a coquilha de moldar chumbo, a velha zagaia e seu cabo de cerne de guatambu, algumas aratacas, cordas para armadilhas de laço e outras coisas mais, naquele tempo o estanho e a pólvora era recurso escarço, então o emprego de armadilhas era bem mais constante do que o do tiro, muitas vezes o caçador era quem fabricava a sua própria pólvora, receita antiga passada de pai para filho a base de Salitre , enxofre e carvão vegetal .
Os animais de sangue quente são treiteiros, tem veiacaria pra mais de hora, é preciso paciência, conhecimento e habilidade, a vida do bicho se destina a comer, beber e se manter vivo para reproduzir, então os trieiros sempre rompem para agua, fruteiras ou para a corte.
O cheiro é o maior inimigo do caçador, então o vento tem que se sempre contra, o silencio é uma grande arma, só se rompe quando o bicho estiver comendo ou olhando para outros rumos, se caso olhar para o caçador esse deve usar a imobilidade, recurso usado por tudo quanto é vivente da mata, o bicho anda mais no nascer e findar do dia, mas no sol quente também se pega no esbarro.
Caçador tem que ter olho, observar tudo atentamente e se fazer conhecedor da mata, aprender a reconhecer todo sinal deixado pela caça, caminhada de bicho, resto de comer, inté onde anda fazendo o necessário.
Todo bicho tem moradia, pode num ser certa, mas se souber identificar o movimento dele, fica fácil de armar um laço e só vim buscar a mistura do dia seguinte.
Por falta de recurso a caça noturna é mais na armadilha, de vez em quando o uso da binga, enrolada na massa de mira umedecida de querosene que era acessa na hora do tiro, pois tendo compromisso de entrega de recurso para o povo da fazenda eu tinha que usar de todo conhecimento para caçar e suprir o necessário para o sustento.
Certa ocasião em uma espera noturna nas matas paulistanas, ao notar a movimentação próxima ao poleiro, foi devagar com a binga e acendeu o fio de algodão na massa de mira da arma e quando deu fé, uma grande onça beirava a árvore pronta para dar o salto em sua direção, e só foi parada pelo impacto do tiro que estourou a cabeça da matadeira de gente, que rolou barranco abaixo em meio a um grunhido esquisito de fazer medo.
Então para se ter produção era preciso usar muitas armadilhas, como o chiqueiro, o alçapão, o laço,  o mundéu,  a arapuca a fossa e outras mais.
Chiqueiro pra pegar porco queixada, cateto e até anta, o chiqueiro é um cercado com a porta que desarma sozinha quando o bicho chega no comer, fazendo com que o bando inteiro fique preso dentro do cercado, que sendo bem feito, os bicho mesmo sendo muito não derruba, então você pode ir abatendo aos poucos conforme a necessidade.
Alçapão é armadilha pra pegar gato, mas pega paca, cotia e outros trem, no caso do gato faz-se a gaiola bem reforçada com um compartimento que vai ficar a isca, um bicho vivo, seja galinha, porco ou bode, ai porta fecha assim que o gato chega ao fundo da gaiola pra bulir no agoniado lanche.
Laço tem de muito tipo e cada um com seu motivo, tem laço pra pena, pra bicho miúdo e pra bicho erado também, o segredo do laço esta do desarme, no funil, e no ponto de altura, sabendo armar é resultado bom e certo.
Mundéu é bom pra mó de tatu, cotia e paca, mas tem que ser tronco pesado e gatilho bem feito, pra quando o tronco cair o bicho não ter tempo de espirar,  pra tatu no trieiro é bom e certeiro, mas pra paca tem que fazer treita, ajeitar um corredor até ela chegar no comer, ai o mundéu desarma e tem leitoa pra manha seguinte, isso se a onça num passar primeiro. No caso de bicho erado o mundéu tem que ser aliado com um laço, ai o laço segura e o tronco norteia a presa.
Arapuca se for bem firme e grande pega peneiro grande, como o jacu, jaó, mutum, marreca e inté patão.
Fossa a gente tem que escolher lugar de terra macia, cavar buraco fundo e cercar o buraco de torra por dentro pra impedir que o bicho escave a saída, a boca deve ser feita de alavanca, o bicho pisando ele cai dentro e a tampa fecha, e muito usado para tatu.
Ainda tem muitos tipos de armadilha que a gente usa de acordo com a situação ou com a treita do bicho, armadilha, tirando a arapuca e laços de pena, tem que ser montada no fim do dia, a noite a andança é maior, e o bicho menos cuidadoso, mais tem que ser conferida no amanhecer do dia, a caça tem que ser tratada e preservada, nenhum vivente deve de perder a vida pra ser desperdiçado.
Mas agora era preciso continuar a viagem, passar a tralha para a mula que era sua montaria e seguir a pé, puxando-as pelo cabresto até encontrar o auxilio de algum fazendeiro que lhe pudesse ceder uma montaria, já havendo percorrido um bom trecho, de mais ou menos umas 12 léguas teve a sorte de encontrar o apoio de Marcelino Freitas um fazendeiro que morava de 10 a 15 dias de viagem de Vila Boa, que além de lhe ceder uma boa égua chamada Castanha, ainda lhe deu pouso por dois dias com farta alimentação e recursos para seguir viagem.
Tinha ganhado um saco com farinha, carne de gado seca, mel e alguns frutos, e isso era de grande serventia, dormir em uma casa, conversar com outro ser humano era uma coisa muito boa, para quem já vinha na estrada por um bom tempo sem contato de gente.
Agora novamente abastecido logo estaria em Vila Boa, mas ainda teria um média de 147 léguas  ( um pouco mais de 950 quilômetros) para chegar no seu destino, mais o pior de tudo já tinha se passado Jovelino desbravara mais de 216 léguas ( 1400 quilômetros ).
Como o tempo ajudou em 12 dias ele estava entrando em Vila Boa, completara o percurso no prazo de 42 dias, devido a paradas obrigatórias, imprevistas na viagem o tempo esticou um pouco, ali estaria só de passagem compraria o necessário e continuaria a caminhada, pois queria  chegar a Fazenda Santa Fé em no prazo de mais 30 dias de viagem.
A próxima parada seria no Arraial Santa Luzia ( hoje Luziania-GO ), agora era firmar o passo a civilização estava mais presente em menores distancias, já era possível encontra apoio com mais facilidade, nesse tempo era muito comum se conseguir pousada nas fazendas da região, era tradição ajudar os viajantes, e aproveitar para saber como andava as coisas pelos caminhos dos sertões.
Jovelino queria pegar mais velocidade na viagem aumentando consideravelmente a distancia diária, a ideia era pernoitar sempre as margens dos rios ou ribeirões e sua primeira parada foi as margens do Rio Uru, onde pousou a beira do rio, após fazer a janta sentou para apreciar a paisagem e ver o por do sol, suas margem eram cobertas por uma mata alta, com um taquaral alto e predominante, suas aguas azuis caminhavam por sobre os lajedos de pedras expostas que lhe davam vida e personalidade em um movimento constante que carregava algumas folhas, fazendo acompanhar o grande bailar das águas que desciam a corredeira.
Contavam os moradores dos arredores do Rio Uru que suas águas eram povoadas de sereias, que em dias de sol forte e nas noites de luar apareciam por sobre as pedras, encantando os pescadores e caçadores que desbravavam suas margens, com sua beleza e seu canto ela levava os aventureiros para o fundo do rio para sempre, sem falar nos moleque d´água ou nego d’água que roubavam e espantavam os peixes e a caça.
Jovelino não sabia muito se acreditava nessas crendices, mas procurava evitar, afinal de contas por essas matas seus olhos viram coisas estranhas e seus ouvidos ouviram outras tantas esquisitices que fica difícil até de falar, nesse caso era bom tampar bem os ouvidos com algodão, antes de dormir, já dizia o ditado.
Um homem prevenido vale por dois.
As 04:00 da manha ele pegou rumo, o sol nascia ao longe quando o Rio Uru e suas sereias já estavam quase uma légua para trás, as montarias estavam bem alimentadas, banhadas e andando bem, agora iria descansar das 11:00 as 14:00 porque o sol estava por mais que tinindo, e romperia até quando ainda tivesse lua , a lua cheia pontava no céu clareando todo Goyázes e a próxima parada seria as margens do Ribeirão do bagre.
O estado dos Goyázes é extremamente rico em água, é banhado por muita água, e isso trazia a abundancia da pesca e da caça em toda região, os rios eram povoados de grandes bandos de capivaras, antas, na mata ciliar se fazia moradores o veado mateiro grande e pequeno, o catingueiro, pacas, cotias, e uma infinidade de outros animais, para todo lado corria uma tira de água, em regos, córregos, ribeirões, na beira dessas águas era comum a formação de lagoas onde a vida se reproduzia e se fazia abundante em penas e couro de todo tipo.
Chegando as margens do Ribeirão das Pedras, Jovelino já sentia o cansaço da longa jornada bater em suas costas, uma das mulas, a Roseta estava com uma grande ferida exposta nas ancas e as moscas colocavam bicho a todo instante, era preciso tratar disso, deu uma volta a margem do ribeirão em busca de algumas erva de cura, e ainda teve a sorte de pegar um bom tatu folheiro para o almoço, era uma terra de fartura mesmo, passar fome aqui somente se o cabra não tiver tino de mateiro, tendo era sempre de buchada cheia, não faltava frutos, aves e animais.
Logo após o almoço seguiu novamente viajem queria pernoitar no próximo curso d’água, agora era hora de recuperar o tempo perdido, nas terras dos Goyázes tem muitos morros, e lugares difíceis, então todo tempo que ganhasse era de bom proveito.
Ao longe podia ver a grande mata fechada que abrigava o Rio Meia Ponte com suas fortes corredeiras e grande volume de água, a sorte é nesse trecho os rios já dispunham de passagens ( pontes rusticas de madeira ), a maioria improvisada e em mal estado, mas com condições de passagem,  que para se evitar problemas se fazia desapeado, conta se que o nome meia ponte se deu justamente por que a correnteza das enchentes arrastou metade da primeira ponte construída no local.
A noite estava linda, a lua caminhava para o centro do céu no pico da lua cheia, o barulho da correnteza d’água rompendo por sobre as pedras era um convite para o sono, depois de uma boa carne assada com farinha, era deitar na rede ao lado da fogueira e esperar o sono levar a gente para o mundo dos sonhos, onde um homem pode ser o que imaginar.
É por demais maravilhosos o poder dos sonhos, seja o home rico ou pobre tem o direito de entrar nesse reino e se tornar rei, mas os sonhos também traziam mensagens, e muito se falava sobre isso, sonhar com dente caindo era morte certa, sonhar com cobra era traição, sonhar com caça era a certeza de uma boa espera.
Antes mesmo do nascer do dia, um galo cantou ao longe, indicando a existência de moradia naquelas margens, era hora de continuar a lida, a mula Roseta já estava tratada, com uma boa pasta feita de arnica, e cipó de cura, então patas na estrada, agora a picada já bem mais aberta pelo vai e vem dos carros de boi e carroças, ajudava muito ganhar do tempo de viajem.
E assim se foi, sempre parando as beira d’água, passou no Córrego Capoeirão, no Ribeirão Cachoeira, no João Leite, próximo ao Rio das Antas já tinha povoação  a Freguesia de Santana ( hoje a cidade de Anápolis do GO ), então era parada certa para alguma reposição, o pernoite foi na Fazenda das Antas, lugar conhecido por dar pouso aos viajantes naquele trecho.
Foi uma noite agradável a beira da fogueira ouvindo e contando causos o lugar tinha mais de 25 casas e o povo se reunia ao fim do dia para orações, mas o que fez seus olhos brilharem foi as aguas do Rio Corumbá com seus lajedos e corredeiras de grande volume, o mundo novo dos sertões parecia que a cada légua se mostrava mais promissor para sua atividade.
Passou ainda pelo Rio Areias, o Descoberto, o Alagado e por fim o Ribeirão Maria, quase sempre tinha um bom peixe lhe esperando nessas beiras, e um bom monte de lenhas para o assado.
Finalmente após tanto romper chegava ao Arraial de Santa Luzia ( hoje a cidade de Luziânia–GO ), mais de dois terços da viajem já estavam para trás, todo aquele roteiro estava mapeado em cada detalhe na mente do nosso aventureiro, das cores das flores do cerrado, ao cheiro de seus frutos, das matas densas e fechadas, das serras que bailavam no horizonte, do cheiro da água doce que corria naquele chão sobre o cascalho ou a areia colorida onde os garimpeiros labutavam em busca de ouro.
Era hora de aproveitar a ocasião e por isso Jovelino tirou dois dias de descanso em Santa Luzia para o trato nas montarias, e comprar o que mais fosse preciso, pois agora teria somente pequenos vilarejos com ausência de bom comercio, era preciso acumular pólvora e chumbo, negociou também uma boa garrucha de dois canos que passou a fazer parte da sua cinta.
Agora faltava um breve trecho, para quem tanto marchou pelo chão goiano, em pouco estaria no Arraial dos Couros ( Fomosa-GO), de lá ate o Arraial de Santo Antônio do Itiquira era uma breve caminhada, dali para frente então estaria entrando no seu sonho, seus pés tocariam o tão sonhado e esperado Vale do Paranã.
Nesse percurso de Santa Luzia ao Arraial dos Couros as águas eram mais escassas, então foi um puxado mais pesado, tanto para Jovelino como para as montarias, a mula já estava bem melhor, mas ainda necessitava de cuidados, as paradas eram mais curtas e o cansaço dominava a todos.
Foi o trecho em que a ansiedade lhe torturou de tal forma que mal percebeu o caminho percorrido, e quando pegou a serra final, que em menos de uma légua estaria no Arraial dos Couros ele perdeu sua segunda mula, Roseta não suportando deitou e não mais levantou, ele não teve coragem de sacrifica-la, fez mais um curativo na ferida,  retirou sua carga, e ai foi mais uma vez jogar a tralha no lombo da égua castanha e seguir puxando as montarias pelo cabresto.
Deitada e sem forças a companheira de viagem ficava para trás, quem sabe com o tempo recuperasse as forças e encontrasse vida novamente.
Agora tinha que comprar uma nova montaria, no Arraial dos Couros se reunia o tímido comercio da região, comprar uma mula por um bom preço não seria problema, de fato que logo no primeiro lugar que chegou conseguiu um bom negocio, já com a bagagem ajeitada batizou a nova mula de Roseta, e homenagem a velha companheira que ficara deitada na estrada, e sem olhar para trás ajeitando o chapéu sobre a cabeça firmou caminho para o Arraial de Santo Antônio do Itiquira que não passava um pequeno ajuntamento de gente, pois grande parte fugira dali depois de uma forte epidemia de malária que assolou aquelas bandas.
Os dias se passaram e finalmente ele se viu cruzando o Vale do Paranã, seus olhos se alegraram ao ver as correntezas caudalosas do rio Paranã que cortava a imensidão de matas fechadas trilhadas pelos queixadas, mateiros, catetos, antas, pacas, cotias, e outros viventes mais, o sonho se transformava em realidade, a estrada se estreitava nesse trecho virando uma picada, foram mais 39 dias de viagem cortando o estado quando ele finalmente avistou o aglomerado de poucas casas chamado de Sítio d´Abadia ( hoje a cidade de Flores do Goiás-GO).
A parada foi breve, deu água para as montarias e foi almoçar na beira do Rio Paranã em um casebre que tinha como morador um negro alto e forte chamado Divinão, prosearam bastante sobre a região, além de pegar as instruções sobre o caminho correto para a propriedade do Sr. Manoel Justino.
Agora estava a um passo do seu destino, e após agradecer a hospedagem, a prosa e o almoço, continuou sua caminhada, depois de algumas léguas, quando ele virou uma curva acentuada na batida estrada marcada por carro de boi, ele pode ver ao longe a cancela de madeira que por sobre ela tinha uma enorme tabua de angico com as inscrições talhadas na madeira, “FAZENDA SANTA FÉ”.
         Seu coração sertanejo palpitou de alegria, pois tinha a certeza de que uma nova era se iniciava naquele momento, São Vicente era apenas uma lembrança em seus pensamentos, retratos da sua infância que ficara naquelas brenhas de mata, ele nem imaginava que seus pés fincariam raízes profundas no chão goiano e que jamais voltaria a pisar nas terras escuras do estado paulista.
O ranger do abrir da cancela fez revoar um bando de pássaro preto que cantarolavam anunciando boa chegada, o som das aguas que corriam na calha do Rio Santa Maria que cortava a fazenda Santa Fé também lhe davam boas vindas, as arvores repletas de ninhos de guachos pendurados feito gotas d’água  junto ao bebedor do gado lhe  convidavam para uma grande reflexão.
         Era maravilhoso contemplar aquela terra, repleta de matas e vida, com campinas povoada por veados, emas, seriemas, e outros viventes, esse rio piscoso de aguas puras e limpas, esse céu azul cortado por araras e outros avoantes, era uma grande responsabilidade regrar suas ações para que se mantenha sempre viva a mata, retirando seus frutos a hora e medida certa, para que nunca faltasse, para que outras gerações também tenham o gosto de poder colocar na mente uma visão tão maravilhosa como as várzeas e matas dos Goyázes.
         Agora já dentro dos domínios da fazenda, seu espirito se acalentou e após matar a sede  junto com suas montarias, voltou a estrada batida de carro de boi que seguia rumo a sede da fazenda, a viagem chegava ao fim, foram 89 dias de estrada, a  passos lentos seguidos de grande aflição pelos perigos e incertezas, .mas agora tudo seria diferente, seu espirito se acalmou de forma a levar todo o cansaço da viagem.
A casa grande caiada de branco se destacava em meio ao pasto, mais afastadas outras casas menores e menos atrativa, ao fundo bem ao longe uma grande lagoa de aguas azuis refletia a luz do sol, feito um enorme espelho.
Em passos cadenciados a casa grande foi se tornando mais próxima, alguns cachorros vieram em grande carreira e com muitos latidos anunciando sua chegada, pela soleira larga de madeira de lei pontou o Sr, Manoel Justino, proprietário da Santa Fé que estendendo a mão deu as boas vindas ao aventureiro.
Jovelino ficaria nos fundos da fazenda em uma casa que foi moradia de um antigo vaqueiro que gostava de viver isolado, o finado Zé, e que havia sido restaurada para receber o novo membro da fazenda, era a área preservada onde o gado não perambulava, e onde a caça era mais farta, de lá ele pegaria a beira do Rio Santa Maria até o Rio Paranã, onde cuidaria da pesca e toda extensão de matas, campos e cerrado que sumiam a vista, onde trabalharia no oficio de caçador.
O trato era entregar a cada semana ou de acordo com a necessidade o sustento de carne e peixe dos funcionários, a carne da anta salgada e de sol era muito apreciada pelo povo da fazenda, assim como o porco queixada, o cateto, e outras iguarias, só era proibido matar os cervos e os campeiros que tanto Sr. Manuel gostava de ver correndo pelos campos, em saltos acrobáticos com seu rabo branco levantado.
Após a proza de chegada e todos os acertos Sr. Manuel chamou o vaqueiro João Dias para acompanha Jovelino até sua nova moradia,  e de presente deu a ele quatro filhotes da cachorra duquesa, mestiços de americano, com longas orelhas e pelo curto, sendo dois casais todos bem acomodados em uma caixa de madeira que João Dias fez questão de carregar.
Depois de todas as instruções do novo patrão, Jovelino e João seguiram rumo a nova moradia, no caminho João foi proseando e contando causos sobre o lugar, falando da riqueza daquela terra e da vida boa que ela proporcionava, o gado ali era saudável, não dava bicheira, o capim era verde por boa parte do ano, o curvual guardava água suficiente para manter o pasto forte, de tudo tinha de bom, inté cobra o lugar tinha pouca, a tempo atrás o Sr, Manoel Justino tinha mandado benzer a fazenda que era cobrenta demais, mas agora a cobraiada sumiu, benzedor de reza forte num perde viagem.
E no meio da prosa logo chegaram na cancela da nova morada, uma choupana simples com telhado de palha de buriti e paredes de madeira de lei,  era mais que o suficiente para nosso aventureiro criar seu mundo, a área em volta era protegida por uma cercada tipo espinha de peixe que descia até a pedreira do rio, terra boa e macia para plantio, ele logo imaginou o mandiocal crescendo, tinha que plantar abobora, milho, feijão e uma boa horta.
Algumas fruteiras formavam um pequeno pomar, limoeiro, laranjeira, um grande abacateiro e mais abaixo beirando o rio 6  mangueiras que eram visitadas todos os anos pelas pacas, cotias, porcos e outros viventes da mata.
Por um alguns minutos ele ficou ali parado, ainda montado olhando aquele lugar e já planejando o que teria de fazer de melhoria, um bom giral, um defumador, um salgador, e tudo mais que era preciso para o bom resultado do seu oficio.
Mais abaixo um bambuzal aprumado com matéria prima para fazer os jequi ( armadilha para pegar pequenos peixes, consiste em um balaio de bambu com uma boca por onde o peixe entra e não consegue mais sair ), trabalho tinha muito a sua espera.
João Dias lhe ajudou a descer a bagagens e eles ajeitaram no batente da choupana, desarreou as montarias, e finalmente soltou os animais no campo, Roseta corria feliz como que dando boas vindas ao novo lar, a égua Castanha também relinchou de alegria, e assim também a mula Pretinha, agora seria um bom tempo de descanso.
Agora era dar nome aos dois casal de cachorro, que resolveu chamar o primeiro de Campeão pois era maior, a segunda de princesa pois era bonita e delicada, a terceira de Danada pois não parava quieta e o quarto de Tinhoso porque arreliava os irmão sem parar.
Depois de tudo arrumado em seu devido lugar, iniciou a fabricação de cada utensilio, dedicando ao trabalho do que tinha que ser feito por ali, tirou uma grande quantidade de bambu, tinha que confeccionar pra mais de 20 jequis, já as arapucas e demais armadilhas eram feitos na mata, de acordo com o tipo de bicho e condição do lugar.
A regra era nunca caçar por perto sempre puxar algumas léguas de distancia da moradia, pra não faltar o comer do quintal, Jovelino entrava na mata antes mesmo do nascer do sol, ali se tornou conhecedor de cada canto, de cada trieiro, de cada bebedor, de cada fruteira, estava tudo mapeado em sua mente num raio de 10 léguas, apesar de seu trabalho ser árduo tinha na mente a certeza, que os espinhos furam menos a mão de quem ama o que faz.
Todos os dias ela chegava a chopana por volta das 11:00 horas com a mula carregada de caça e peixe, era hora de almoçar e tratar da carne, ora salgando, ora defumando, ora moqueando.
As margens do Santa Maria era rica em caça, trieiros de paca cortavam para todo lado o os mundéus eram certeiros, os catetos formavam vários bandos, todos de tamanho avantajado que perambulavam pelo cerrado e pelas matas em busca de comida, os queixadas cruzavam a beira do Rio Paranã em bandos enormes para mais de 200 animais, os chiqueiros tinham que ser fortes e bem feitos, as jaós eram tantas que no nascer e no por do sol seu canto doía os ouvidos.
As lagoas eram repletas de marrecos, patos, jaburus, e demais aves aquáticas, nos campos as emas formavam bandos que pintavam de preto as grandes vargens, as antas faziam trieiro profundo por todo lado, era uma fartura enorme, que um homem sábio poderia explorar de forma inteligente, fazendo-se respeitar os tempos de cria, e alternando os lugares de caça para dar tempo ao repovoamento de forma a nunca faltar carne na mesa.
Toda segunda e quinta feira ele ia fazer a entrega da pesca e da caça na casa grande sede da fazenda, seu pagamento era guardado em um pote de barro escondido na mata em um oco de pau, as moedas de prata eram seu tesouro.
Ali conheceu Sebastiana, e com ela fez casamento e tiveram três filhos, todos homens, o amor reinava em seu lar, seus filhos cresciam fortes na lida e nos conhecimentos do gado, da pesca e da caça.
Foram tempos áureos, com muita fartura, mas Jovelino estava buscando seu próprio caminho e com seus 50 anos e resolveu se embrenhar no mundo e formar sua própria fazenda, o dinheiro que acumulara ao longo dos anos foi transformado em gado, criados a meia com o patrão, já tinha uma quantidade grande para mais de 600 cabeças, então jé era hora de buscar um novo rumo.
Pasto novo para sua criação, terra em que ele e sua família tocassem a vida de forma mais segura, não poderia de forma alguma queixar do patrão, que sempre foi homem bom e sem miséria, mas estava na hora de mudar a vida.
Um pouco para sul média de 60 léguas, tinha um lugar que ele encontrou em uma de suas andanças, e ali  demarcou uma área que a muito vinha explorando de namoro, as margens do Rio Prain,  a qual negociou a alguns  contos de Reis .
Naqueles tempos as terras geralmente não tinham divisas de cerca, era na palavra que se demarcava os limites de cada fazenda, ainda tinham grandes faixas territoriais, esperando por serem exploradas, mas inevitavelmente tudo já tinha um provável dono.
A pecuária estava por muito adiantada naquelas brenhas, e a função de caçador já não tinha tanta serventia, a muito ela já se dedicava somente a cuidar do gado, a caça passou a ser um passa tempo para melhorar sua mistura, então fechando com o patrão o fim dos seus serviços, juntou sua tralha na tropa de mulas e junto com sua esposa e seus filhos seguiram tocando o gado até seu próprio chão.
Era uma área plana e vasta que pegava grande parte de cerrado e campinas até a mata fechada da beira do rio Prain e Paranã, com muita madeira, água e tudo que um homem precisava para iniciar uma nova vida.
Logo na entrada da picada que levava a suas terras, fincou dois grandes troncos de aroeira e uma grande placa de madeira com as inscrições “FAZENDA CAÇADOR”, proprietário Jovelino dos Reis, uma homenagem a sua profissão que a fez cumprir com dignidade e respeito a natureza, sabendo de forma sábia retirar das matas a quantidade certa, sem exagerar ou destruir sem necessidade a vida que povoa o grande Sertão dos Goyázes.

Bello 01 -04-2014
















CACHORRO TRAIRA..

Estava animado com o aguardo, chegando na mata deu pra ver a bagaceira
Com trieiro cortando pra todo lado, indicava que a bicharada andava dando bobeira.
O milho já estava pouco, e isso me dizia...Hoje vou ganhar de primeira.

Com andar descompassado e olhando pelas frestas um casal um casal de mutum chegou
O silencio foi cortado quando um vento forte soprou,
Logo antes de escurecer deu pra estranhar, pois jaó não piou.

A noite veio chegando e nada de movimento.
A não ser o balançar das folhas movimentadas pelo vento,
E eu já estava cansado , castigado pelo frio do relento.

Já descrendo que nada ia chegar, resolvi cochilar, enrolado na coberta pois o frio era de matar
Lá beirando as 1:30 acordei com a buia do mastigado , quebrando milho sem parar
Pelo alto do rompido tinha no mínimo duas na mesa do jantar .

Fui pegando a Vapor para o seu primeiro leriato
E colocando no ponto de mira , fazendo o retrato.
E com o romper da flecha foi leitoa pra todo lado.

Logo depois do moído, desci pra procurar no meio do taquaral foi difícil não deu para encontrar.
Ai depois de muita labuta, preocupado com a dona onça..Decidi no outro dia cedo voltar
Acompanhado do cachorro Manel, que com seu faro apurado minha prenda ia encontrar.

Com a propina de um pão com mortadela consegui colocar o cachorro no carro ir.
E em cada cancela era uma luta danada para ele não fugir,
Chegamos a beira da mata para procurar a leitoa e sorrir.

Abrindo a porta do carro Manel sumiu no mundo, me deixando sozinho a gritar
Já brabo e sem saída, abandonado pelo cachorro, mata adentro rompi pra procurar.
Não perdendo a esperança volta e meia gritava por Manel e danava a assobiar.

Mas não foi muito tenpo, logo a beira do taquaral com a leitoa eu dei
Voltei pro carro feliz e lá chegando quem eu encontrei ?
Manel com cara lambida com quem diz..Eu voltei...kkkkk

Bello 04/07/13

1 comentário:

  1. Belo ,sou fã dos seus contos , continue a postar , você não tem nenhum sobre uma caçada de perdiz ?
    Estou aguardando o livro,só de causos

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