NA SERRA DOS QUEIXADAS
( Narrado por Sr. Libório)
Mesmo
estando sentado na velha espreguiçadeira na sombra da varanda, era possível
contemplar a grande Serra, sua densa mata formava desenhos de formas e tons
variados, outrora se atentando bem, notava-se respingos coloridos dos ipês, Pau
D´óleo e outras arvores floridas no meio do imenso tapete verde, respingos que
davam um tom artístico feito as pinceladas de um pintor renascentista em um
quadro gigantesco que se deitava no horizonte.
A
brisa quente do início de setembro trazia de longe o cheiro do pequizeiro
florido que se ostentava ao lado do curral cobrindo todo o chão com suas flores
branca de pontas amarelada, no terreiro as galinhas perambulavam de um lado
para o outro ciscando em busca de insetos, algumas cheia de pintinhos se
arrepiavam como que enciumadas com sua cria, andando apressadas se demonstrando
incomodadas com a presença de estranhos.
Um
bando de pássaro preto fazia um fuzuê cantarolando seu fio-fio ensurdecedor no
meio do pomar, estropeliando de uma arvore para outra enquanto as galinhas da
angola tentavam se equilibrar nas tabuas do curral cantando seu conhecido tô
fraco, tô fraco, tô fraco, o dia se mostrava maravilhoso, e trazia com ele a
certeza de que o futuro nos reservava uma boa empreitada.
A
fumaça cheirosa do fogão de lenha se misturava ao cheiro convidativo do café
torrado e moído na roça, na chapa grossa da frigideira de ferro batido um
queijo coalho meio curado era frito na manteiga de nata, coisas de caboclo, a
alma roceira que o mateiro tanto ama se estampava ali em forma e gosto.
Atrás
da porta de entrada da pequena saleta uma prateleira de aroeira talhada apoiava
o conjunto de armas do velho Sr.Tião, a 28 de um cano com sua coronha de
Imburana de cheiro feita com zelo pelo velho amigo chamava a atenção, se
destacava feito uma rainha em seu trono, ao lado a 22LR rabo de cotia que o
amigo carinhosamente a chamava de FLOBÉ, uma alusão a origem do calibre que
veio do Europeu Flobert 022 BB em 1845,
que na linguagem popular foi tomando outras formas, uns falam FALOUBÉ, outros
FROBÉ e assim se vai, o que manda é a criatividade, ao lado de uma 20 de cano
paralelo que é o seu xodó, mas a preferida dizia ele, era a franzina
quarentinha que calça erroneamente o calibre .38spl, que pertenceu ao seu velho
pai.
Com
a boca cheia d´água puxei o banco de madeira e sentei-me a mesa, que colorida e
cheirosa acalentava o sabor sertanejo em toda sua essência, leite, café, queijo
coalho frito, macaxeira cozida, cuscuz de milho batido no pilão e carne seca de
anta frita na manteiga, fico imaginando o tanto que o tapir brasileiro ajudou a
alimentar os desbravadores desse país, animal rustico, de pisado forte, mistura
de bicho como diz o sertanejo, anda meio sonolento, desatento e segue o seu
trieiro fielmente, se alimentando de
tudo que é fruta que vai arrumando no caminho, a anta fez-se de paçoca no
alforje dos bandeirantes e viajantes desses Goiás dando sustância e força para
a lida e isso se faz até aos dias de hoje, e ao tempo que eu pensava a boca
trabalhava, eita que o trem estava bom por demais.
Tião
acorda tão cedo que a mulher brinca que é ele que cutuca o galo fazendo ele
cantar, ai eu perguntei rindo...Ei Sr. Tião, oce sobe no telhado fino do paiol
pra cantar com ele..kkkk....E o veio enrolando o pito na palha de milho caiu na
gargalhada, o velho sertanejo gosta de uma resenha como se diz na minha terra,
tudo é motivo de gargalhada, esse meu jeito de brincar com tudo me faz feliz,
afinal sorrir é bom demais.
O
sol começava a firmar quentura, mas os afazeres estavam todos realizados então
o negócio era combinar toda a empreita da caçada a sombra da mangueira
aproveitando a fresca do meio da manhã, Paulão ficaria responsável em ajeitar a
tropa com a tralha de cozinha, Jorjão e eu a tralha do acampamento, Sergio os
mantimentos, e cada um sua tralha de espera, era três léguas de viajem até a
serra levando tudo ao lombo das mulas, Claudio ficaria a cargo de trazer a
tropa de volta e depois ir nos buscar, seria uma baita aventura seguir de
cavalo puxando a tropa de mulas com as cangalhas carregada, com todo o
necessário, Sr. Tião ia nos acompanhar mais uma vez, o combinado era passar
quatro dias, independente do resultado da lida, garantindo a mistura da família
para a época das águas.
Era mais uma grande aventura que a vida nos reservou, seria a
segunda vez que estaríamos acampados na serra, uma empreitada que começava a
arrepiar a espinha da gente ainda na cidade quando nos reuníamos para acertar
cada passo da viagem, era assim que a ansiedade tomava conta do peito até a
hora de subir na montaria e pegar rumo.
Enquanto conversávamos ali regados pela brisa da sombra da
mangueira, meu olhar se perdia-se ao longe explorando a imponente serra, sua
vasta mata multicolorida abrigava o mateiro grande, de pelo longo, de topete e
tom avermelhado, lá também corria as grandes varas de queixada que perambulava
de um lado para o outro fugindo diuturnamente da onça pintada, a gata temida e
retratada nos causos populares esturrava nas noites de escuridão demarcando seu
território, o pequeno catingueiro atento pisava manso de orelha em pé sendo
curiado pelo olhar cor de mel da onça parda, nos córregos que cortam os baixios
da serra em rumo ao rio nadavam as pirapitingas e os piabões e em sua margem os
trieiro destacavam-se fundo, de tanto ser triados pelas cotias no amanhecer e
entardecer, outros encaminhavam-se para as fruteiras, vestígios deixados pela
gorda paca que durante a noite em seu trilhar manso e cauteloso corta a mata
para se alimentar.
Ali
ao longe estava guardado um paraíso, um lugar retirado, quieto, onde gente não
costumava pisar, onde poucos se aventuravam, já fazia dois anos que estivemos lá,
estávamos cientes de que teríamos que reabrir o caminho, muito trabalho com a
foice e o facão até chegar no ponto do acampamento a beira d´água, ali tínhamos
a tarde inteira de serviço para ajeitar toda a tralha, sairíamos antes do amanhecer
para viajar durante a madrugada, e chegar ao ponto com o nascer do sol, as
ferramentas teriam que estar todas bem amoladas, labuta para boa parte do dia.
O
bate papo foi cortado com o grito de que o almoço estava na mesa, Dona Jurema
abanava o pano de prato com a mão direita enquanto resmungava..
Vai
lavar as mãos...Simbora meu povo, que os trem esfria.
Da
roda d´água do lado da casa, chamava a atenção o som do chua chua e do rangido
do seu movimento ininterrupto embalado pela água que descia lá do córrego, que
encanada em bambus fazia um grande percurso para cair na frente da casa, era
algo fascinante.
A
mesa posta, mão lavada e muita vontade de comer, o cheiro do tempero goiano
tomava conta do mundo, após a reza cada um pegou seu prato e o tim tim do
batido dos talheres tomaram conto do lugar da conversa, bom demais, agora era
encher o bucho e descansar um pouco pois tínhamos serviço para a tarde inteira,
durante o almoço a conversa foi pouca a turma estava empenhada mesmo era em
matar a saudade da comida de Dona Jurema.
Logo
estávamos sentados no alpendre fazendo o quilo, mas o tempo sorrateiro que é,
saiu galopando feito cavalo brabo e logo passou, chegando a hora de iniciar a
organização das coisas, Paulão já tinha amarrado a tralha de cozinha na lona, e ajeitado o que mais lhe cabia, enquanto
Jorjão e Sergio preparavam as ferramentas, motosserra, facão, machado, serrote,
martelo e pregos, eu ali ajudei ambos a resolver tudo e fui cuidar dos meus
trens, na mochila rede, roupas, repelente, faca, lanterna, pilhas, um kit de
primeiro socorros, material para sutura, e todos os tipos de remédios
necessários para um atendimento de emergência, agora com tudo ajeitado na
varanda era descansar, pois sairíamos na madrugada do dia seguinte.
Logo
a noite veio com seu manto escuro recheado de diamantes e trouxe com ela uma
boa fogueira e muita moda de viola, estávamos sentados no terreiro ali a
prosear e a fazer mais planos para a empreita, logo danou a chegar os causos,
Paulão gostava de colocar desconfiança contando sempre causos de visagens e
assombração. De onças sorrateiras, e outras coisas mais...
E
assim dizia ele.....
Ortro
dia na esperada de um tamboril eu tava por quase que dormindo quando um trem
gritou na mata e me fez desatinar,
sentei na rede e garrei com força a veia vinte, o dedo de tiro tremeu, os oio
buscou ver movimento de vurto na escuridão, de repente uma luz cortou a grota,
fazendo um brilho de muitas cores, e um zumbido veio bem alto....Assobiado doido.
De
certo era o porqueira do Caipora, fazendo mardades, ele tumbem tem força de
magia, dai de repente o trem sumiu e bicho nenhum mais andou, inte as muriçoca quietaram,
trem que desatina a esperada igual o tar do Caipora eu nunca vi, nem o neguinho
pulador o Saci, num me fez passar tanto apuro, dispois disso era se cobrir e
dormir, esperada ali nunca mais prestou, os povo diz que o pé de tamburil, repugnou
e secou, morrendo feito trem amardiçoado.
Era
sempre bom ouvir essas histórias Paulão, ele era exagerado, tinha um sotaque
mateiro fascinante, era cheio de crendices que herdou do povo antigo, andar com
ele na mata era um grande aprendizado, não pulava cipó, não esperava pro
nascente, respeitava a quaresma e morria de medo das artimanhas do tinhoso,
sempre colocara um pouco de fumo no colo de uma grande arvore para o Caipora junto
com o mole de sal, e detestava quando desandava os trem, danava a resmungar
dizendo ser treita de Saci, ainda se benzia a beira dos aguapés e riachos, toda
aguada dizia ele, é trem sagrado, morada da Sereia, da Iara, dizia que espera
em bebida tinha que esperar o bicho beber pra depois atirar, se não era
covardia digna de castigo.
Se
Paulão estava certo ou erado eu não sei, só sei que era por demais boa pessoa,
dono de um coração gigante, um ser humano que supera todas as expectativas,
amigo e justo, hoje sinto por demais a sua falta, mas tenho plena certeza que
ele hoje espera nos capões do Céu, mas isso é uma outra história que um dia
conto pra voceis.
As
labaredas iam alto, e a pinga descia macia pela garganta acompanhada de uma boa
corne de Anta passada no sol, é natural na vida do sertanejo os recursos da
mata, a dificuldade para sobreviver faz dele um guerreiro, Sr. Tião era homem
trabalhador, judiado pelo sol no serviço pesado, homem que foi lapidado até o
cerne, pela batalha injusta da lida no campo.
Jorjão já estava alto, depois de contar muitos causos correu
pra rede buscando abrigo, logo o ronco trovejante chegou no nossos ouvidos,
nessa altura do campeonato aos poucos cada um estava procurando seu canto para
a dormida, a noite seria curta, sairíamos as 4:00 da manhã, era acordar com o
galo, então corri para a rede e contemplando o manto negro repleto de estrelas
adormeci.
Foi
meio que um piscar de olhos Jorjão já estava me chamando, da cozinha o cheiro
do café era convidativo, Paulão era o homem que se preocupava com a barriga da
gente, em nossas andanças ele nunca deixava ninguém trilhar com bucho seco, Sr.
Tião já tinha buscado a tropa no curral e junto com Sergio e Claudio amarravam
a tralha nas cangalhas, franzino mas de uma força descomunal Sergio falava
pouco, era homem de ação, sempre com o pito na boca somente dizia o necessário, mas o olhos
atentos lhe fazia um exímio observador da natureza, conhecedor extremo das
plantas e rastros de bicho, sua palavra era a sentença certa de que aquela
fruteira era merecedora de se armar mutá.
O
café foi rápido sem muita prosa, inté porque o resto do povo ainda dormia no
interior da casa, macaxeira cozida regada de manteiga de garrafa e café preto,
trem gostoso por demais, parecem que nasceram um para o outro, as vezes eu me
pergunto se tem trem que foi planejado por Deus pra completar um o outro, assim
como o homem e a mulher, assim como o dedo indicador e o gatilho da Itajubá, kkkk,
como dizia Jorjão...Aperta com carinho nego....Lá longe o caburé piou
desconfiado levantando voo ao ouvir o trotar da tropa pegando o rumo do trecho,
estávamos finalmente a caminho, saindo para a serra dos queixadas, iluminados
pelas estrelas o manto abençoado do Pai Eterno.
No
caminhar manso do meu cavalo e das mulas eu ia como que encantado pelo som do
toc toc dos cascos no cascalho do trieiro que beirava o pasto, volta e meia uma
coruja buraqueira voava gritando agoniada como quem reclama da invasão do seu
território, e assim seguimos por mais de
hora até cruzar o córrego e o ultimo colchete de pasto chegando ao cerradão, já
batia pra mais de duas horas de viagem, ao longe o sol começava a pintar o
horizonte com tons púrpuros, as estrelas se foram se apagando e os passarinhos
começaram a fazer a festa, um casal de seriemas duetavam no topo de um cupinzeiro, pareciam dar as boas-vindas, a
um grupo de mateiros que chegava na porta do paraíso.
Logo
o cerrado pegou corpo e foi virando mata, mudou-se então a toada, e a foice com o
companheiro facão começaram a trabalhar, Sr. Tião mostrava o rumo do córrego,
onde pousamos da última vez que estivemos aqui, Paulão resmungava torcendo pra
ter pouco serviço, em dois anos eu já não acreditava que sobrou muito, os
cupins e o tempo não ia deixar de comer a estrutura do velho acampamento.
Passamos
mais de uma hora cortando a mata e subindo a serra até o primeiro platô, depois
de muita luta chegamos ao ponto desejado Sr. Tião era realmente um grande
mateiro, seu senso de direção era extremamente aguçado, digno de todo o
respeito, para minha surpresa o local estava por demais preservado, mas mesmo
assim tínhamos serviço para boa parte do dia, Sergio calado catou a enxada e
começou a limpar, eu com o facão fui dando uma aparada no que era preciso,
Jorjão e Paulão foram descarregar as
mulas para pegar o restante das ferramentas, enquanto Sr. Tião foi fazer um reconhecimento do local, acima uns 200 metros tinha uma área aberta de
campina coisa linda de se ver, moradia de campeiros com galhada banca.
Claudio
nos acompanhou com a missão de retornar para a fazenda com animais, criado ali
naquelas brenhas conhecia os caminhos e trilhas vincados na terra pelos
antepassados da família Vieira, deixar a tropa de mulas e cavalos ali na serra,
mesmo tendo local de pasto era certo da onça fazer um verdadeiro regaço, o trem
desatinado pra gostar de mula e cavalo é onça, inda mais se for veia e de dente
roliço, acho que a carne forte e o cheiro do equino fazia atinar o paladar da
pintada treiteira, os animais estavam cansados da triada e ficariam durante a
quentura do dia descansando a sombra da mata para se reestabelecer, lá para as
quatro da tarde com o esfriar do sol pegariam a toada de volta pra fazenda, o
trato era Claudio retornar para nos buscar no amanhecer do quaro dia.
O
som da motosserra logo cantou, era preciso refazer a mesa e o defumador, na
beira do córrego plainar com a enxada e colocar uns tronco bom para facilitar a
lida de lavar os pratos, e um giral para enxugador, mais abaixo ajeitar o lugar
do banho, sempre atento com cobra ficar de olho aberto para evitar acidente,
outro trem é as abelhas e marimbondos que costumam fazer morada nos ranchos
abandonados, estávamos longe de recurso então nada de inventar modas.
Porem
cada um fazendo sua parte a coisa foi tomando forma, logo a cozinha estava
ajeitada com um horror de panelas, colheres e tranqueiras penduradas, em
arames, o defumador já pronto pra lida e o fogão de lenha restaurado já
estralava gravetos enchendo o acampamento de fumaça para preparar um café,
Sergio sentado em um banco feito de toras, ajeitava o palheiro e eu suado feito
tampa de chaleira, sorria calado, agradecendo a Deus por estar ali.
Logo
Sr. Tião voltou, já com notícia de duas fruteiras batidas, enquanto a proza
tomava corpo o cheiro da Maria Izabel, arroz com carne de sol, calabresa e
bacon já tomava todo acampamento, Paulão era realmente um grande mão cheia na
culinária, aquele momento ali era magico, eu sentia no peito uma felicidade
imensa, o cheiro da comida se misturando ao cheiro da mata, o sorriso, a voz
dos amigos, o canto dos pássaros, todo aquele universo contagiante ao meu redor
me fazia o homem mais feliz do mundo naquele momento.
As
redes bem posicionadas nos aconchegava na cesta do almoço, Jorjão logo largou o
ronco, o calor não estava dando trégua, mas o vento varia a serra com uma brisa
gostosa, era esperar o sol esfriar um pouco para sair a procura de espera, isso
não era preocupação nossa pois Sr. Tião conhecia bem aquelas matas, ali por
longo tempo fez excursões ao lado do seu finado pai, ao longo dos seus 68 anos
viveu e reviveu aventuras naquelas brenhas.
Os
mosquitos e o calor não me deixaram cochilar, e o tempo sorrateiro logo passou,
era duas da tarde quando levantamos para cuidar das coisas, ajeitar a mochila,
preparar o lanche, e deixar tudo pronto para sairmos antes das quatro, de lá
cada um já ficaria na sua espera, se encontrando no acampamento após a saída da
lua que ia dar o ar da graça as nove e meia mais ou menos.
A
primeira noite é sempre a decisiva, e nela que garantimos a carne para
alimentação durante a estadia na empreita, as demais noites seriam de escolhas,
subimos juntos vistoriando algumas fruteiras, o foco era a mirindiba , ou como
dizia Sergio a piúna, que no ano retrasado foi promissora e como falha um ano e
dá boa no outro prometia ser generosa
para esse ano, logo demos em um ponto bom, longe d´água mas bem trilhado de
paca, de mateiro e outros bichos.
Ali
eu fui chegando e ao ver o batidão dos bichos eu já olhei para cima me
imaginando empoleirado, e antes que eu falasse algo, Sr. Tião já me escalou
como proprietário do lugar, e assim
todos continuaram a caminhada me deixando para trás e desejando boa sorte, tirei
a corda do bornal, vi o melhor lugar para ficar, jóquei o gancho prendeu e as duas pontas ficaram para
baixo, em uma ponta amarei a mochila e na outra a velha Itajubá, com a rede em uma bornal a parte
comecei a subida, Piúna tem essa vantagem, fácim de trepar, com algum esforço
logo estava no ponto desejado, uma boa forquilha dava apoio para os pés,
amarrei a rede, conferi os nós e sentei, devagar puxei a mochila, dela tirei os
ganchos, ajeitei tudo pendurado e puxei a Itajubá.
O
suor corria por meu rosto e a camisa molhada colava no peito, esperei o coração
acalmar, tirei da mochila uma camisa seca e troquei, engatilhei a arma, era
hora de se ajeitar, se acomodar e iniciar o aguardo, logo um bando de jacus
resmungou mata adentro como que se encaminhando pro meu rumo, o coração besta
logo acelerou novamente quando lá pra cinco e meia um mateiro danou a bater pé
bem perto da fruteira, talvez desconfiado com o meu cheiro, pois eu tinha
acabado de subir.
La
embaixo logo se iniciou um vai e vem danado das cotias, os jacus estavam
beirando também, pulando de galho em galho olhavam desconfiados, tentando
decifrar quem era o estranho apoiado na rede, mas meu interesse era outro, ou o
mateiro ou as pacas, então me encostei e tratei de relaxar, a noite vinha
chegando devagar, o sol em tons multicores se deitava no horizonte se
escondendo do mundo e me desejando...
Boa
esperada.
Logo
o tom mudou, o céu se mostrava ainda no lusco fusco da divisória do dia e da
noite, o Inhambu ainda cantarolavam ao se aconchegar no seu ninho, e as Jaós
faziam couro mata adentro com o seu ¨eu não vou ¨, mais aos poucos o breu da
noite foi se acentuando, os mosquitos chegaram cantarolando no ouvido doido por
sangue novo, mas logo quietaram, assim como os grilos, quando escureceu de vez
o silencio passou a reinar na mata, por
uma brecha da folhagem algumas estrelas começaram a brilhar, um Caburé
Acanelado com seu canto manso veio me fazer companhia, talvez na intenção de
pegar alguns ratos que desconfiados começaram a mexer nas folhas em busca das
mirindibas maduras e cheirosas, seu canto suava tique, tique, tique, tique, me
chamou a atenção, fazia tempo que não tinha uma companhia tão ilustre nas
noites de aguardo.
O
noite finalmente firmou e a mata começou a mexer, de longe se escutava o chut
chut da anta subindo a serra, os fuas frenéticos dos tatus e a pisada mansa de
leitoa vindo no meu rumo , de repente. Tibummmm, escutei ao longe o primeiro
tiro, pelo estrondo era a vinte do Paulão, isso beirava as 7:30, era certo, o
almoço já estava garantido, o silencio reinou novamente, e por um bom período
se fez presente, mas logo as folhas voltaram a estralar, um pisado mais forte
veio por traz, andava e parava, o coração danou a bater forte e a respiração
danou a falhar.
Firmei
o pensamento em outro trem, respirei fundo e fiquei imóvel, senti que o
movimento a frente era de duas pacas, que logo danou em bagunça, com a chegada
de mais duas, de certo por ser dois machos, pois começaram a rosnar feito
cachorro, e reclamando o território danaram em briga, logo senti que o mateiro
desconfiado se afastou, então achei melhor intervir na balbucia dos
encrenqueiros, me posicionei, girei a cabeça e procurei dar ouvido localizando
o ponto de tiro, acendi a lanterna e tibummm....O macho encrenqueiro tombou
mostrando o branco da barriga.
Depois
do tiro foi paca pra todo lado, e o silencio logo retornou, e assim foi até as
9:00 quando escutei a toada do mateiro saindo manso, no rumo do córrego, eita
bicho veiaco e o tal do veado mateiro, o fantasma da floresta sabe negacear,
ficou ali perto quietinho por mais de duas horas, saindo devagar inte sentir
segurança para aumentar a toada, mas amanhã é outro dia quem sabe a gente se
encontra, demorou um pouco e a lua foi clareando a mata devagar, de longe vi a lanterna do Pulão, descendo
pela picada, então comecei a ajeitar a
tralha, desci tudo, retirei a rede e desempoleirei.
Amanhã
iria andar um pouco mais para ver se encontrava um ponto melhor, ou talvez
voltaria para acertar as contas com esse mateiro veiaco, pensativo fui pegar a
prenda, era um baita pacuçu, beirava pros onze quilos ou mais, pra espécie trem
erado por demais, jóquei no saco e desci, fui devagar conferindo a marcação da
picada até bater na picada central que
ia dar no pouso, depois de andar uns 20 minutos ao longe pude ver o clarão do
lampião Paulão já tinha chegado por lá.
Ele
era mesmo certeiro, Paulão não apertava
gatilho pra perder, no varão do lavador de louça uma baita mateira já estava
pendurada pronta para ser tratada, lugar reservado o bicho trilha cedo, não tem
toada de cachorro, nem barulho de nada, volta e meia a gente escuta um avião
cruzando o céu em rumo desconhecido, aqui é natureza pura, trem gostoso de se
ver, mata preservada sem andança de gente, somente a família de Sr. Tião tem
trilhado essa serra e isso por um longo tempo, que eu não sei dizer quantos
anos, mas com certeza mais de quatro gerações.
A
água já estava perto da fervura pra tratar do fígado, e a garrafa de pinga já
se destacava na mesa de madeira, coloquei a tralha no seu devido lugar e fui
ver a prenda do Paulão, logo começou a rezenha...
Num
falei que no primeiro mutá eu buscava uma boda..kkkk... Ao lado coloquei o
pacuçu e disse... Tá ai o leitão pintado, é meio miúdo, num dá nem 12 quilos,
oia ele ai se quiser pode raspar...kkk
Voltei
para colocar mais água pra ferver, tinha que raspar o pacuçu, o corpo cobrava o
preço do dia corrido de serviço, e um banho agora era tudo o que eu queria,
logo as lanternas de Jorjão, Sergio e do Sr. Tião clarearam o pouso, agora era
resenha pra mais de hora.
Jorjão
já chegou raiando, maldizendo e excomungando uma onça que colocou sua espera a
perder, de certo o casal pois negacearam de dois pontos, fazendo uma vara de
queixadas mudar o rumo e pela batida de queixo uns dois ficou no beiço das
pintada.
Tem
problema não amanhã era um outro dia, agora o cheiro do fígado acebolado já rebuliçava
as lombrigas e a pinga brejeira já rodava de mão em mão, paca rapada e mateira
limpa era cada um sentar o dedo no tira gosto e contar os causos da noite.
Jorjão
correu pra ajeitar o braseiro, e com um rodopio botou a cantar uma moda,
fazendo um trocadilho de que teríamos mateira na brasa pra variar, ai foi um
pega de risadas e cantorias, logo a pinga já ia pela metade, e o pernil
recheado com bacon e bastante tempero estralava sob o vermelhão do braseiro, de
longe o caburé cantou novamente como que fazendo parte da festa de cinco
mateiros na serra dos queixadas.
A
noite pareceu curta para tanta animação, de forro no velho toca fitas ligado na
bateria, até a cantoria anônima do caburé a distância tudo se juntava e ia
longe mata adentro rompendo todo o silencio que a pouco reinava naquele lugar
magico...
Foi
com o cantar da Jaó que acordei às seis da manhã, jogado na rede de botas e
tudo, na boca um gosto de papelão e uma baita dor de cabeça digna da farra
vivida, Paulão assobiando um xote já coava o café, criado na roça trouxe
consigo o costume de levantar junto com o sol, não importado a travessura da
noite anterior, levantei sonolento e com a bolsa de higiene fui até o córrego,
tomei um bom banho e escovei os dentes umas duas vezes, voltei outro homem,
agora um café forte com pão caseiro e ovo caipira era o que eu precisava para
pegar tutano de força.
Sr.Tião
já estava de pé rondando um bando de jacus de estralava perto do pouso, Jorjão
ainda deitado forçava a barra para mais uma pestana, Sergio parecia morto na
rede, todo embolado me lembrou um guacho no ninho em dia chuvoso.
Mas
em pouco tempo estávamos todos prontos para uma nova excursão pela mata, íamos
atrás de espera nova, num lugar daqueles não tem motivo de repetir trepeiro, eu
e Paulão subimos ao platô mais próximo onde a mata virava cerrado para rever
alguns pequizeiros que na última vez foram promissores, enquanto Jorjão, Sergio
e Sr. Tião subiram a direita beirando o córrego até um brejado para ver os
lameiros, da outra vez que viemos o pequi estava florido e bom de espera, vamos
ver se dessa vez damos a mesma sorte.
Chegando
lá quase foi viajem perdida, com muito custo encontramos dois pequi ainda
caindo flor, estava por demais pisado mas o prazo bom já tinha passado, era
melhor voltar para a mata e tentar outro ponto de piuna, demos a volta e
começamos a voltar pro pouso, resolvemos ir até um bebedor que também deu uma
boa esperada na outra viajem, lá uma fruteira grande fazia-se frondosa, e dava
duas esperas, um mais acima pegaria quem viesse beber e ainda pegava uma beira
da fruteira, e outro ficaria na outra ponta, cobriríamos assim uma área maior e
o resultado com certeza seria bom...A nossa manha estava perdida, mas deu para
ajeitar um ponto bom para essa noite, agora era voltar pro pouso e cuidar do
almoço.
A
turma se encontrou no meio do caminho Jorjão arrumou ponto bom perto do lameiro
e cada um já tinha sua espera determinada, era almoçar dormir um pouco fazendo
o quilo e depois pegar caminho, essa noite iriamos até as 10:00 um pouco a mais
de escuro, quem sabe não teríamos melhor resultado.
Para
o almoço paca na panela com batata, arroz e feijão tropeiro, comemos feito
gente grande, em meio a prosa e brincadeiras, depois cada um correu para sua
rede em busca daquela pestana para o quilo, o que pegava era o calor, setembro
é o auge da seca, o sol a pino maltratava aquele que desavisado fugia da mata
fechada.
Cai
no sono com direito a sonho e tudo mais, a barriga beirando estufar de tanto
que comi danei em uma suadeira e acordei agoniado, os insetos sem dúvida alguma
são os demônios da mata, muitas vezes o desavisado se preocupa com as cobras,
onças e coisas que na mata pouco se vê, agora os insetos não, estão por todas
as partes, formigas, abelhas, vespas, moscas, mosquitos, aranhas e muito mais,
e foi as moscas que me atentaram por demais e me fizeram acordar, eita trem
complicado, a falta de um mosqueteiro
nessas horas se faz grande, porem nesse calor não tem cidadão que aguenta o
abafadão de mosqueteiro, então dá na mesma.
Já
era hora de levantar, ajeitar a mochila e preparar o lanche, beirava as três da
tarde até ajeitar tudo e chegar no ponto estaria beirando as cinco, logo cada
um passou a cuidar dos seus afazeres, eu fiz o lanche para toda a turma,
ajeitei as coisas em seus lugares, tudo para evitar os insetos, formiga acaba
com qualquer pouso, o tempo ágil logo tratou de passar, até que cada um pegou
seu rumo.
Eu
e Paulão precisávamos andar rápido, ainda tínhamos que ajeitar os varão para a
subida, escolher a melhor posição antes das cinco da tarde, o calor estava
castigando, e o suor corria pelo rosto, Paulão ágil que era, logo no caminho já arrancou seis varões, e chegamos
para amarar o mutá, rapidamente um ponto
já estava pronto, o outro era somente um apoio para os pés, coisa rápida, e
graças a Deus antes das cinco estávamos empoleirados, prontos para o que der e
vier.
Não
demorou muito e a mata estremeceu, o choc choc da batida de dente ia longe
misturado ao reboliço de pisada nas folhas, e o mato tomou vida e foi-se
empretecendo tudo, finalmente pude ver a maior vara de porco queixada da minha
vida, o número não tenho nem base, acredito que passava dos duzentos, a serra
finalmente com a sua magia fez jus ao nome...A Serra dos Queixadas.
Eita
momento bom, queria que aquilo ali nunca acabasse, essa é a essência do que
realmente é a felicidade, felicidade é algo que não queremos que acabe, queremos que dure eternamente, e então aquele
momento se estendeu de forma espetacular, uns corriam retrucando com o outro, a aguada foi tomada num frenesi contagiante,
embaixo da fruteira era um vai e vem frenético, o barulho era ensurdecedor, ali
eu me deliciei e fiquei a contemplar, nem a Itajuba me dei o luxo de pegar,
pendurada estava, pendurada ficou, até que todo aquele enredo foi quebrado pelo
disparo da vinte do Paulão...Tibummmmm....E logo em seguida outro
disparo...Tibummm...dois estavam garantidos.
Os
bichos deram um arranque, mas logo voltaram pouco se importando com o acontecido,
ai eu calmamente decidi, tá bom demais Paulão pegou dois, quero carregar peso
grande não, e assim o chefe logo resmungou como dando sinal de seguir caminho e
a porcada pouco a pouco foi-se sumindo na mata, o sol tímido já lambia o beiço
da noitinha, e como já tínhamos nos garantido, arrumamos a traia, descemos, e
tratamos de cuidar dos porcos, puxamos eles pra mais de duzentos metros e
penduramos, a faca amolada de Paulão logo fez o serviço, era melhor assim, pois
estávamos longe do pouso, depois da carne devidamente ensacada, socamos a traia
nas costas e pegamos o rumo.
Já
estávamos beirando a véspera de ir embora, os momentos bons são assim, rápidos,
astutos, mas marcantes, o rosto calejado pelo tempo do companheiro Paulão
sentado a minha frente preparando seu pito no lusco fusco do fim do dia marcou
aquele momento, até quando andará por nossas terras mateiros como esse, uma
raça que beira a extinção, mas que graças ao bom Deus eu tive o prazer de
conhecer e conviver.
Chegamos
no pouso e os dois queixadas foram para o defumador, em mantas bem talhadas
regada de alho e sal, a banda de paca que estava lá por mais de 48 horas
cheirava tanto como a beleza da sua cor dourada, ia ser feita com um feijão
tropeiro, e regada a manteiga de garrafa, o restante ia tudo para a dispensa do
Sr. Tião para alimentar sua família na época das aguas, o que não estava feito
de carne de sol, já adormecia na lata frito e envolto na banha de porco.
Enquanto
preparávamos a janta, caímos ao som de Tião Carreiro, a boa pinga nos fazia
companhia ao lado do pito de palha, tudo misturado ao tempero do tira gosto das
tiras da barriga da paca defumada frita na manteiga, algo que o paladar de
muitos jamais vão sentir, a noite estrelada guardava o silencio quebrado pela
nossa presença no meio da mata que o tempo reservou como morada e berçário da
bicharada.
A lua botou a cara pra fora e clareou o mundo,
logo a turma estaria no pouso, eu já ia longe com os pensamentos embalados pela
pinga, e na rede olhando o céu e ouvindo Paulão cantar garrei no sono............
O
dia chegou com o cantar dos pássaros, o trinca ferro cantarolava demarcando seu
território, a cabeça estava pesada e o que restava era o córrego com sua água
fria e aconchegante e depois um bom café, ainda tinha um pouco de queijo de coalho,
e pão caseiro, a ideia era depois do banho prepara um bom pão com queijo
torrado na brasa pra o café, pela toada todos tiveram bons resultado na noite
passada e como de costume se fechou a cota, então essa noite seria de pouso,
causo, pinga e muita carne assada.
O
dia foi de ajeitação, regado de prosa mas com muito serviço, lenha nenhuma
parecia ser suficiente para fritar as carnes e enlatar, o que era de sol tinha
que ser ajeitado com toda atenção para não ter perda, no fim como eu imaginava,
essa última noite seria de pouso mesmo, estávamos todos bem cansados, e no dia
seguinte teríamos que arrumar toda a tralha e levantar o acampamento.
No
próximo amanhecer Claudio estaria chegando com a tropa para nos buscar, era
preciso deixar tudo no jeito, tínhamos ainda o último dia para o descansar da
tropa e sair no beiço do fim da tarde evitando a caminhada no pino de sol
quente, umas duas mulas traziam capim para alimentar a tropa durante o dia, era
almoçar lavar a tralha ajeitar tudo nas cangalhas e pegar a trilha, o dia passou rasteiro e
logo chegou a noite, o braseiro avermelhado era regado pelo pernil de queixada
enxuto de sol rodando no espeto, o som um velho toca fitas entoava a moda
sertaneja raiz, baixinho somente para fazer presença, pois era a hora de contar
os causos da empreitada.
Foram
três noites de esperada, regada de mateiro, queixadas e pacas, mas teve visita
de onça, de antas, de cotias, tatus folheiros e muitos viventes reviraram a
mata, os macacos ao longe quebrando coco no fim do dia, o poc poc da pedra
batucando pareciam fazer ritmo com a musica, foram quatro dias de contos e
risos e de muita mas muita felicidade...
E
assim se foi a noite e logo o dia brotou com o cantar dos canários da mata,
Claudio como combinado chegou com o raiar do dia, a tropa arrumada ficou
aguardando a carga enquanto descansava a sombra, a turma toda danou a
trabalhar, o almoço pegou corpo, era uma boa farra, era hora de almoçar, lavar
a tralha de cozinha e ajeitar tudo, preparar a tropa pra sair as quatro da
tarde.
O
sol tinha mudado a cor, a brisa ainda quente vinha rodopiando por entre as
nuvens que formavam distantes, logo as águas chegariam, outubro estava por vir,
tudo se renovaria para daqui a dois anos podermos voltar, os amigos brincando e
cantarolando na toada da tropa fazia a viagem mais gostosa, Jorjão com seu
chapéu de aba larga, Sr. Tião preparando o pito, Sergio como sempre caladão só
sabia rir, Paulão bruto sempre com seus contos reclamando das lendas da mata,
Claudio ia organizando as mulas, parei e olhei para traz, bons momentos vivemos
ali, a serra ao longe lembrava um porco deitado, por isso seu nome ficou
apelidado pelos antigos...A Serra dos Queixadas...
Na
minha mente o som da música de Pena Branca e Xavantinho...
Poeira
entra em meus olhos. Não fico zangado não. Pois sei que quando eu morrer, meu
corpo irá para o chão. Se transformar em poeira, poeira vermelha, poeira do meu
sertão....
Eu
amo de paixão eterna esse meu Goiás...
Bello
01-10-15
TIÃO
MUDERNO ( Por Seu Firmino )
Tião era menino sem medida, desregrado e sem sentido, quando
num tava malinando tava calculando malinação, criado pela Dona Etelvira era o
derradeiro FIO DE VÓ, aquele menino que faz tudo que quer e mesmo sendo
porqueira o povo acha bonito, para ele tudo era safadeza, mentirada e mardade,
era o dia que Deus dava todinho a perseguir e chutar o pobre do cachorro da
casa, sem falar no gato que só de ouvir sua voz corria em desatino desesperado
por dias sem parar, desde pequeno já se via o rumo que o cabra ia dar, um
verdadeiro Nó Cego.
Logo
que tomou porte de gente já começou a importunar todo vivente que cruzava seu
caminho, empunhando um estilingue colocou fim em todos os calango do terreiro,
passarinho não se via mais, os bando de canarinho foram exterminado por ele, e
o que sobrou sumiu no mundo, as rolinha nem beirava mais a cidade e assim o
tempo foi passando e ele foi pegando porte, o menino franzino de voz fanhosa e
pisado agitado logo virou um rapazote, Tião era pra frente de tudo queria ser
professor inté do que nunca tinha visto, tudo conhecia e era mestre mesmo sem
conhecer, dai veio o apelido dado pelo povo que num perde motivo , Tião
Muderno,.o sabe tudo.
E
assim o cabra cresceu sempre embrenhado na lida da caça, acho que o mio que ele
gastou cevando paca dava pra mó de encher todos os paior das roças da região,
mas veiaco e sorrateiro sempre pelajava um jeito de tirar vantagem do trem,
vorta e meia dando uma de besta coisa que ele nunca foi estava sempre a custa de alguém, afinal tinha que
aliviar o bolso pra mó de manter o vício.
Cabra
veiaco sempre de pano passado, óculos no rosto e voz mansa Tião Muderno era
cheio de artimanha e no meio dessa mania de ser esperto mais que os outros o
home se enveredou numas treita que num era muito católica não, além de viver da
venda da caça tumbem num perdia tempo pra mó de explorar um desavisado que passava
por aqueles rumo, as vezes um povo
procurando naquelas bandas de meu Deus uma beirada de rio pra pescar uns piau,
ai ele chegava junto se dizendo amigo, pronto pra ajudar e arrancava o couro do
desavisado.
Sua
fama era grande, por todo rumo a conversa surgia, de certo que falava-se mais
mal do que bem do estrupício, e a fama foi crescendo, o que se ouvia era que o
home era um veneno, predadozim de primeira, uma máquina de fura couro, onde
chegava acabava com tudo, chegava a vender cinco a oito tatus por semana pro
povo da cidade, fora as paca e carne de mateiro seca.
Treiteiro
e veiaco demais, dum tanto que quando me falaram que o tar do homem pisou na
lua eu logo pensei, deve de ter sido o Tião Muderno, afinar ele era entendido
de tudo, e vivia a cutuar os trem do estrangeiro, de vez por outra aparecia com
umas revista que tinha uma fotaiada de uns treco que nois ser normal nem sabia pra
qual serventia tinha , ortordia ele chegou por aqui com uma conversa que uns
tar mericano tinham inventado um apareio de ver se tem peixe no rio, um tal de
somari, tem base.
Zé
de Bartira dizia que pra quem vivia no mato na perseguição descabida igual ele
era pra matar muita caça mermo, Tião inté colocou um farolete na bicicreta pra
mó de cortas as estradas na madrugada, só quetava na vila quando a lua tava por
clarear o mundo e nesse intervalo matutava as empreitadas, inte em ceva alheia
ele armava trabuco, lembro da brabeza do Zezão que quando tava esperando foi
surpreendido com uma labareda de fogo que formou com o estouro do trabuco na
passagem da paca, foi um susto de matar, e se o veio anda pelo trieiro e o tiro
pega nele, esse é mais um mal feito atribuído ao Tião Muderno.
Mas
essa ganacieira não foi muito longe, um belo dia o home sumiu, como ele
escondia do povo os ponto de espera, ninguém sabia por onde procurar e o tempo
passou, inte que um belo dia chega a notícia, encontraram a ossada do Tião
Muderno.
Como
sabiam que era ele¿
Conheceram
a arma, a veia Flobé rabo de cutia, com a coronha remendada, Tião caiu da
espera, um Jatobazeiro erado nas brenha da fazenda Cabo Fundo, onde o
proprietário proibia veemente a caça, e ali mesmo ficou inté um outro esperador
que não respeita cerca encontrou a ossada, de certo ele era um grande traste,
mas também era uma figura lendária do povoado, mas da história do treiteiro me
ensinou algo, me ensinou que um homem pode ser o que for, mas se ele segue o
que ama ele consegue ser feliz, porém é preciso dosagem no que se faz, tudo
demais traz problema.
Talvez
Tião Muderno foi afobado demais no desatino de suas lidas, talvez tenha errado
muito na vida, mas de uma coisa eu tenho certeza com ele eu aprendi tudo que eu
não devo fazer.....
Bello
06-09-2012
A SAUDADE
O
tempo sente saudade da batuteza daqueles tempo, no pairar do ar se aprumava o
cheiro da queima do querosene que clareava a mesa em forma de lamparina,
utensílio que corria de cômodo em cômodo, tirando do escuro o poder de fechar a
vista da gente, trem de simpleza comum mas pra gente na época era tratado de utensílio
de luxo, lá fora o cantar do grilo e o coachar dos sapos diziam que a noite seria
longa e repleta de treitas de Raposa, Guarás, Gambas e mais um monte de bicho
treiteiro, e que o Trovão nosso cachorro teria por demais trabalho em cuidar do
galinheiro.
Lá
embaixo na vazante do córrego onde o papai fazia roça na madrugada o mateiro ia
bulir no broto do feijão, era todo o movimento da mata, a casa mais próxima dava
para mais de cinco léguas no rumo do poente, visita era trem tão bom que quando
chegava trazia também o mundo, foi como a vinda de Bastião que chegou com o
lamber do sol e pousou aqui trazendo motivo do que vinha a caminho.
Por
dias já rondava a prosa de que a comitiva com o gado chegaria pra essa semana,
recado deixado pelo mascate Juvenal que a três luas passou e levou boa parte
das galinhas em troca de uma muda de chita pra mãe fazer um vestido novo pra
festa do arraial e uma bota nova pro papai.
Tudo
era tão simples e ao mesmo prazo tão complicado, as novidades vinham em conta
gotas, como dizia Bertolo que andou por longe em cidade grande, um tar de
caminhão em breve ia tirar o trabalho das comitivas e que o gado não mais ia
vir de pé próprio, ia ser na rodagem, eu particularmente nunca tinha visto esse
tal de caminhão. Uma vez veio um carro no arraial e foi motivo de correria o
povo num acreditou muito nisso não.
A
comitiva trazia não só o gado, trazia histórias, contos e coisas que a agente
aprumava o pensamento em uma mistureba doida, que a imaginação parecia dar nó,
feito piaba em bolo de farinha na beira do córrego, era noite de cantoria, de
viola afinada, de moda que inté a lua fazia menção de dançar no céu.
Na
cozinha aquentando bucho no fogão de lenha, mamãe fazia o jantar cantarolando
umas modas que arrepiava o espinhaço, trem aprendido com a vovó, enquanto isso
o pai embrenhado na mata botava intuito de atenção na espera para enriquecer a
mistura, uma anta erada que cortava a serra rumo a nossa roça por mais de mês
já vinha dando prejuízo, papai sentado no alpendre enfumaçando o mundo com seu
pito ajeitou um cartucho bem carregado, ela estava com os dias contados.
Tudo
aquilo era meu mundo, o quintal, as galinhas, os patos, o Garnizé valente
enfrentando o galo indio, as Cocar com o seu cantar incessante, tô fraco, tô
fraco, sem falar em um casal de Mutum que todo ano tomava o lugar como lar, a
velha estrada de terra batida era tão estreita que mal passava nosso carro de
boi, era triada de bicho, da onça matadeira de carneiro que rondava as madrugadas inté a pequena inhambu
que ia em vai e vem no romper do dia.
Era
de tudo uma fartura, no pomar uma frutaiada retada, tinha cajá, pinha, fruta
pão, laranja docê e jaca dura, o paiol sempre cheio de milho, fazia jus as mão
calejadas de papai que ao longo de toda sua vida nunca lamentou por suas
dificuldades, bem ao contrário vivia a cantar, sempre animado e sempre levou no
rosto um sorriso que contagiava a todos, tudo era divino e maravilhoso.
A
anta veia comedeira de roça agora virou paçoca nas pancadas do pilão regrada de
farinha nova, os lombo virou carne de sol que no arroz a Maria Izabel só perde
pro mateiro seco e desfiado, papai num faia na espera, mesmo de noite inteira no giral, cansativa, ou
mesmo sem luz de candeeiro ele faz viagem perdida, tem causo para mais hora,
sempre com uma nova que faz os olhos da gente esbugalhar e a garganta secar.
Lembro
que um dia o mascate chegou com uma caixa falante, era um tal de rádio, que papai
com todo carinho colocou em lugar de destaque na sala, ali a gente sentava a
ouvir as notícia do mundo, a prosa boa não faltava e a cozinha sempre foi o
canto preferido da casa, ali ao calor da fogueira do fogão de lenha a gente se
reunia para contar causo, muitas vezes ao
som do socar do pilão que mãe preparava o cuscuz e o pisado do arroz, ali no
amontoado de lenha eu e meus irmão nos sentávamos para no clariar das labaredas
e imaginar os causos de visagem, que rondavam as prosas daqueles sertões.
Eram
os causos de onça treiteira, de lobisomem, de visagem zombando a espera do
caçador, do Currupira que pisava de pé torcido, da Mãe Iara que morava no fundo
do rio e cantava os viajantes nas noites de lua grande, do Saci que marrava o
rabo das montarias e fazia um monte de traquinagem, eu lembro como hoje meu pé
descalço sentindo o frio do piso batido de terra e toda a energia do mundo
subindo por minha cabeça em uma imaginação sem fim.
A
caçada de tatu no início das aguas era certeza de panelada farta de verdadeiro,
Trovão não podia ver o papai ajeitar a espingarda e o enxadão que logo entrava
em algazarra, saia a saltitar rodopiando num choramingo sem fim, eu já rapazote
ajeitando o bornal com a traia para acompanhar o papai na minha primeira lida
de caçada, foi dois verdadeiros de mais de oito quilos naquela noite de
empreitada, eu jamais vou tirar da cachola a acoação do trovão no capão do pé
da serra e a nossa correria para acudir ele na boca do buraco.
Dai
pra frente a lida mateira passou a fazer parte da minha vida, a roça vistosa
regada ao suor da família era motivo de treita de todo vivente, que na hora da
lida nunca apareciam pra ajudar, mas que para comer não faziam de rogado, era veado
mateiro no feijão, era paca, cotia, os porco queixada então nem se fala, se furassem
o cercado o mandiocal tava perdido, lembro que o papai ganhou uns cachorro
americano, que tinha urrado grosso e latido repetido, eles nos ajudavam por
demais, a mistura tava no entorno da casa, e lida ajudou muito a alimentar toda
família.
O
tempo foi passando e meus irmãos sem ter alternativas caíram no mundo em busca de
uma vida melhor, e eu fui ficando, devagar o pai foi envelhecendo e a mamãe
logo adoeceu, ficou acamada e não demorou muito Deus numa noite chuvosa levou
ela embora pra junto dele, eu sofri muito por esses tempo, e o papai então nem
se fala, ficou mais pensativo, seu sorriso se amarelou e pouco falava.
O
tal do progresso vinha chegando devagar, e as caça cada vez ia para mais longe,
o número de casa aumentava e logo o vizinho vendeu suas terras, pra uns povo do
sul que chegou com umas máquina derrubadeira de arvore, e a mata mais bonita do
pé da serra virou carvão, cerca de arame espinhoso começou a marcar tudo que
era propriedade, as coisas estavam por demais diferentes.
Naquele
verão o pai anoiteceu e não amanheceu, eu estava sozinho nesse mundo, do lado
da mamãe a sombra da grande gameleira ele foi sepultado, naquele dia o sol não
saiu e a chuva fina foi por sete dias como chorando sua morte, a casa ficou
fria e sem vida, não tinha mais os causos, os sorrisos, as palavras, e eu rezei
uma oração de família com o rosário da mamãe em minhas mãos de junto da imagem
de nossa senhora que ficou na capelinha, mas o Deus do céu não faia, com pouco
prazo ele mandou Rosinha, que trouxe com ela a luz, e um monte de filhos, para encher
nosso lar.
A
foto do Pai ao lado da mãe dependurada na sala por riba do velho rádio se
juntava muitas lembranças que deles
ficaram, os causos de onça que ele me contava eu agora conto para aos meus
filhos, os netos imaginavam o avôs que não puderam conhecer, a roça ainda era a
mesma, no mesmo lugar na vazante do córrego, e devagar a bicharada ia se
chegando, tudo está em perfeita harmonia, nada mais lindo do que que da estrada de terra
meus olhos poder avistar a velha casa, cheia de vida novamente, a fumaça saindo
pela chaminé do telhado empretecido pelo tempo, ver Rosinha e meus filhos a me
esperar no alpendre, ver a história se repetir, de outra forma, em outro tempo, mas com uma magia que somente
as mãos de Deus conseguem criar..
Como
Bertolo dizia as comitiva acabaram, não tem mais não, agora o boi vem de
caminhão pela estrada que foi coberta por um tal de asfalto, agora o rádio tem
imagem, e o arraial virou cidade, tudo mudou, meus irmão eu não tenho notícia...
Mas
eu estou aqui, o fogão ainda é de lenha, o pilão que mamãe usava ainda tem
serventia, a roda d’água joga água na cozinha por um cano de plástico, a gente
já não usa mais o bambu, na fogueira a beira da casa eu agora sento nas noites
de lua breve e contos os causos pros meus filhos, Zezinho o mais velho já fala
em me acompanha na caçada de tatu no início da próxima aguada, e as minhas mão
calejadas como as de meu Pai fazem jus ao paiol carregado de milho, os porcos
agora andam por detrás da serra e a roça já não recebe mais com tanta frequência
a visita do veado mateiro.
Mas
isso aqui ainda continua sendo meu mundo, meu paraíso, o quintal, as galinhas,
os patos, o Garnizé, as Cocar, sem falar em um casal de Mutum que aparecia por
ali trazendo a impressão de que o tempo voltou, a velha estrada de terra batida
já não é tão estreita como antes , nem é tão triada de bicho, mas todo dia eu agradeço ao Pai do Céu por ter
ficado aqui ao lado de papai, de minha sagrada mãe, por ter preservado a mata
que me cerca e me faz respirar, por ter encontrado a Rosinha, por ter meus seis
fiinhos, e acima de tudo por ser da roça, por ser Mateiro....
A
MAIOR HERANÇA QUE MEU VELHO PAI ME DEIXOU....
Bello
07-07-2015
LEMBRANÇAS
DE MENINO
Sentado na varanda ajeitando meu palheiro pude ver a lua
cheia brotar no céu, meu pensamento ia distante, e aos poucos me encontrei matutando
no meu tempo de menino, e assim fui levado por lembranças extremamente maravilhosas
que habitam minha lembrança, e caçoando em comparações com os dias de hoje,
vejo o tanto que foi feliz a minha infância.
Naquele
tempo, tudo era reflexo de liberdade, as casas da rua não tinham muros, poucos
eram os carros que circulavam pela rua, a meninada era os donos do pedaço,
tinha muita grama e arvores para todo lado onde brincávamos, passávamos o dia
todo subindo e descendo, treinando inconscientemente para as noites de espera
que o futuro ia trazer, roubar manga na casa de Dona Aurora era um desafio
assustador, pense numa veia braba, mais agora pense numa manga gostosa de doce.
Aparecer
em meio a turma com uma manga tirada do seu quintal era um troféu, e isso
trazia não só o respeito da molecada como também enchia o ego, por vencer a vigília
apurada da aposentada que viva por conta da velha mangueira.
As brincadeiras de rua eram constantes, e no cerrado logo do
lado de casa a gente caçava tatu com um vira latas que nada entendia do
assunto, mas que fazia festa por qualquer motivo besta, seu Zé era o sapateiro
da feira, e você não imagina o tanto que era preciso aturar e adular o veio
para ganhar um pedaço de couro para fazer um estilingue, na goiabeira da casa
da Dona Maria era possível na hora que ela fosse a missa arrancar uma boa
forquilha sem correr o risco de tomar uma boa vassourada, agora o mais difícil era
a liga, liga de soro daquela amarelinha era trem de alto luxo, mas Seu Manuel
da farmácia que era o senhor da liga, mais ainda chegava a fazer um monte de
exigências para vender o artefato a peso de ouro, e a gente tinha que pedir
para um adulto ir comprar pra gente.
Depois de tanta luta para preparar o estilingue perfeito
para lida da passarinhada, ainda tinha um grande caminho a percorrer, afinal um
estilingue de liga de soro, couro de verdade, forquilha de goiabeira era algo
de outro mundo, mais a gente ainda tinha que fazer um monte de frete na feira
para comprar um quilo de cimento na loja do Português para fazer as pelotas e
encher a capanga com munições padronizadas, capanga geralmente feita da perna
de calca velha, que era outro trem difícil de arranjar.
Cada passarinho abatido rendia um talho na forquilha, sem
falar no sangue que a gente passava na certeza de dar sorte, até hoje não sei
de onde veio essa crença, mas parecia funcionar bem, passávamos o dia
perambulando pelos jardins, abatendo os pobres desavisados e isso era tão comum
que ninguém falava nada, no fim do dia era um baita frito com farinha para a
janta, uma mistura doida que ia do pobre tisíl a cobiçada rolinha.
No riacho que passava logo ali atrás da rua passávamos os
dias de sol a tomar banho balançando no cipó da gameleira e caindo a agua em
uma felicidade que não tinha fim, sem falar na tão disputada pescaria de piaba
no amanhecer do dia, era tudo tão magico que parecia irreal, não tínhamos
brinquedos, as mudas de roupa eram poucas e o sapato na maioria das vezes era
herança dos amigos ou do irmão mais velho, mais no rosto um sorriso verdadeiro
brilhava de forma irradiante.
Televisão era trem de luxo que tinha em pouca casa, então
para brincar nos valíamos da criatividade e do que tínhamos ao alcance, fazíamos
nossos brinquedos, carrinho de lata e outras treitas mais, pena não ter uma
máquina fotográfica para registrar tais momentos, o certo é que nem passava
pela nossa cabeça que o mundo de transformaria de tal forma nos próximos 40
anos.
O instinto de caçador era algo natural, nascia de forma pura
e sem sentido, afinal acho que isso é da gente, enquanto todos queriam ganhar
brinquedos, eu queria um coelho, uma galinha, enquanto todos sonhavam com a
Disney eu sonhava com a África, enquanto todos queriam ir ao cinema eu queria
ir a fazenda, e bem melhor que o brinquedo do momento era o sonho inatingível de
uma espingarda de pressão.
Lembro-me
que as férias de escola era esperada com tanta ansiedade que um mês antes a
gente já não dormia mais direito, era a melhor época do ano, passar as férias
na fazenda, lembro-me das estradas afuniladas, marcado feito trieiro fino que
cortava o cerrado, lembro-me da mata fechada onde andávamos por mais de meia
hora sem ver o azul do céu, era certo que toparíamos com um bando de jacus, ou
mesmo estouraria na frente do carro um ou dois veado catingueiro, ou mesmo uma
maloca de cateto.
Aquilo
era tão fantástico que o coração parecia sair pela boca, nos quarenta e cinco
quilômetros de estrada de terra que cortavam a serra até a entrada da fazenda
ficávamos de olhos esbugalhados, na ânsia de topar com tudo quanto é bicho, nas
campinas sempre avistávamos os bandos de ema, ou o solitário veado campeiro,
lembro-me do seu Júlio que os chamava de galheiros, era um composto de cerrado,
vastas campinas, cerradão e matas ciliares que fechavam a estrada na beira dos
córregos e riachos, com suas pontes de madeira que rangiam com o passar lento
da velha Rural.
Lembro-me
que a cidade tinha pouco movimento e que logo no entorno era possível sentir a
presença da natureza, viajar a noite era muito mais excitante, pois de longe os
olhos brilhantes dos animais os denunciavam na travessia do asfalto, e
mesclava-se uma variedade enorme de vivente, o grande e desengonçado lobo
guará, e a praguenta e pequenina raposa,
tamanduás, tatuse ainda volta e meia na beira da serra ainda chegamos a nos
deparar por muitas vezes com a temida e linda onça parda, a suçuarana.
Era
uma fartura de bicho que fazia da viagem um verdadeiro safari aos meus olhos de
menino, mas com o tempo trouxe com ele o progresso então eu vi as matas caírem,
e novas cidades surgiram, o cerrado foi virando carvão, de longe a gente sentia
o cheiro das carvoeiras que trabalhavam diuturnamente, o som do trator de
esteira ecoava no Centro Oeste do Brasil em uma sinfonia de dor e morte, ao
lado do som agoniante dos motosserras.
Os
pobres empregados que trabalhavam nas carvoarias em regime quase de escravidão
e com poucos recursos logo dizimaram os animais ao seu redor, pois tinham que
sustentar suas famílias e melhorar a mistura.
Logo
parte do caminho tinha virado cidade, a campina do cerrado aberto, outrora
usada para criação de gado ostensiva, estavam sendo plainadas para virar pasto,
os capões de cerrado repleto de fruteiras sumiram e o horizonte foi virando
lavoura, o asfalto chegou, muito dos pequenos riachos secaram, e toda aquela
vida que circundava a tudo isso foi desaparecendo.
O
pobre tatu verdadeiro perdeu sua casa pois o grande capão de cerrado coberto de
folhas secas e touceiras de macambira que era sua casa alagou transformando-se
em lavoura de arroz, tudo foi remoído e transformado em lenha que virou carvão
para as grandes siderúrgicas, o arado cortou o solo e a lavoura trouxe o
veneno, e assim ficou desabrigado o veado catingueiro, o campeiro, e muitos
outros viventes.
Os
que sobreviveram logo sem alimento começaram a invadir as lavouras trazendo
prejuízos e muitos agricultores resolveram esse problema matando os animais ao
envenenar a comida deixada para eles.
Ai
chegaram os sem terra e invadiram as poucas fazendas que ainda tinham áreas
preservadas, porque eram taxadas de improdutivas, e o INCRA passou a dividir a
terra para um povo que nunca viveu dela, e sem ter meios também dizimaram os
animais que estavam reclusos aqueles pontos.
Então
a promessa da vez foi chamada de agronegócio, e esse novo segmento cresceu
assustadoramente em grandes lavouras que somem a vista, é claro e evidente que
o país precisa crescer e seria inevitável tal crescimento, porem em um país sem
regras claras e dominados pela corrupção os resultados foram complexos, e tudo
isso em um curto prazo, mais ou menos de 30 anos, hoje tudo se transformou.
Hoje
as vezes passo e paro a olhar toda essa transformação, e meus olhos se enchem d’água
e muitas vezes sentando com o pensamento perdido no horizonte pergunto ao meu
Deus.
Onde
chegaremos?
Mas
olhando ao longe uma pequena bola de mato e vendo o casal de arara Canindé cruzar
o céu azul turquesa do meu Goiás, uma semente de esperança floresce na certeza
de que a Mãe Natureza trabalha em seus artifícios de manter a vida nessa imensidão
chamado Brasil.
Bello
07-10-14
A LUZ ENCANTADA
(Causo baseado na história
contada pelo amigo Zé Preto )
Sentados
no alpendre da velha tapera, éramos iluminados pelo clarão da fogueira que
estralava soltando faíscas no ar, no tamborete, Zé preto com seu cachimbo na
mão ajeitava o fumo com capricho, um pernil de mateiro assava espetado em um
grande varão, recheado com toucinho, tempero caseiro a base de folhas de
manjericão, o cheiro ia longe, no copo feito de lata, tão areado que parecia um
espelho que chega refletia o clarão do fogo, uma boa pinga brejeira, a noite
escura e o céu estrelado fazia o momento ficar mais agradável do que já era, o
vento soprava o cheiro da mata e os grilos e anfíbios cantarolavam suas vozes
brejo a dentro.....
A
proza tava boa,, e o tira gosto estava sendo servido em finas tiras, que
derretiam na boca, no prato esmaltado de cor branca, acompanhava macaxeira
cozida e um bom punhado de farinha grossa feita ali mesmo, aquele lugar estava
além do mundo, como se perdido no tempo, um retiro natural da mãe natureza, no céu
uma estrela cadente clareou a escuridão
do breu da noite e chamou a atenção de todos.
Foi
quando Zé Preto perguntou..
_
Ocêis já ouviram falar numa luz que aparece na serra?
_
Vou contar uma história procês....E acendendo o cachimbo , entre uma pitada e
outra olhou para serra, tirou o chapéu da cabeça e tornou a coloca, e apontando
o dedo para o céu começou a falar...
Nas
noites sem lua, noite que o breu toma conta do mundo, assim fio, é naquela que
é a mais escura do mês, ela aparece lá na serra, uma luz, as vezes de cor, as
vezes branca e vai andando devagar inté
sumir, muita gente vê, outros num acredita, as vez aparece nos curral, pois
busca criação também, as vez no alpendre da casa e busca de bicho domesticado, nas
estradas ou .nos pastos, assim clarinha vai iluminando o capim, em tudo que é
brecha da mata, dentro dos taquaral dominado de saci ou dentro dos carvual da
Anta Branca............
Dizia
Zé Preto,a todo momento coçava a barba branca e gesticulava de todas as formas
como que estivesse contando o causo a um bando de surdos, ora levantava da
cadeira dando voltas e fazendo o barulho de cada detalhe com a
boca...Vup..Vup..Vup.....Isso fazia a história criar vida na voz daquele homem
de mais de 90 anos, um autentico preto velho, ao vivo, com seu cachimbo a
soltar caracóis de fumaça.
E
assim ele continuou a falar apontando novamente para o céu.
É na
primeira noite sem lua do mês, que o tinhoso abre os portões do inferno
disfarçado em grota, furna, buraco em toco veio, racha nos barranco e tudo que
é motivo de morada de bicho, o Coisa Ruim é velhaco, dessa forma a alma dos
bichos pensando que ainda é vivente, procura abrigo e acaba caindo nas garra
dele.
Quanto
mais alma ele pegar mais força ele vai ter pra domina as floresta, porque na
floresta num existe maldade, aqui repousa tranquila as barba do Pai Maior, é
por isso, que a gente se sente tão bem em contato com a mata, com as agua do
ribeirão, com os passarinhos, com a bicharada, uma paz grande toma conta da
gente.
Mas
quando a gente vai pra cidade, um peso grande incomoda a gente, o povo da
cidade quase num sente, mas esse veio aqui que nasceu e cresceu na natureza,
sabe entender direitinho o tanto que essa força preta, escura e malvada toma conta
da cidade, os soldados do tinhoso tão tudo por lá, que tem mais gente, mais
motivo de erro, e mais apetrecho pra ele trabaia, lá na cidade ele pega firme
na foice, carregando os desavisados, porque tem muita alma de gente perdida na
ganancia, amante do mal feito, da safadeza, muita alma sem honra nem palavra,
sem respeito pela obra e pelo ensinamento do Deus do mundo.
Parou
um pouco levantou, e deu uma pausa, como quem queria escutar a mata, enquanto
isso a gente ali na sua frente esperávamos ansiosos o continuar da história,
então ele olhou no nosso olhos e continuou.
É
assim fio, na hora que o sol se esconde e a barra da noite começa a pintar o
vermelho do céu de preto e tudo escurece, o menino arrebanhador da mata aparece,
coberto de pelo e com os olhos de fogo, ele se desencanta, uns falam que é em
forma de redemoinho, outros que um enxame de vespa se junta e forma ele, outros
que simplesmente ele sai do oco de uma arvore grande.
Ele
sempre começa o serviço na parte mais baixa da mata, com seu assovio alto e fino, ele chama o maior
e mais forte porco queixada de todos os bando que povoa aqueles rincão, porcão
bruto de dente afiado e peito largo, bicho de força pra mó de abrir caminho na
mata a grande galope, e o porcão assim que escuta o chamado num perde tempo,
porque sabe que o serviço é puxado e que o prazo é curto, então logo ele
encosta nos pés do seu mestre e amigo pronto pra a realizar a tarefa para qual
foi escolhido e que é grande honra no mundo dos bicho...
E o
menino peludo, faz sua treita de mandinga e logo aparece uma luz bem acima do queixada, com sua magia
transforma tudo de forma que gente num consegue ver, o bicho fica parecendo vulto
aos olhos do povo, alguns ainda por mais sensibilidade e desejo do Pai, tem o
dom da visagem, tanto do menino amontado
com da luz.
Então
ele apruma no lombo do porco e pega risco, porque sabe que tem pouco prazo, o
tempo corre feito lagarto na pedreira, e ele tem que
ajuntar todas as alma até antes da meia noite, porque na hora grande vai
ser o guiador, vai guiar todos os rebanhados
inté o topo da serra pra poderem entrar na porta do céu...Os que ficar pra trás
vão perambular pela mata inté a próxima chamada, nesse tempo vão assombrar as
casas, currais e esperas, é por isso que muitas vezes o esperador escuta
barulho na mata e num consegue ver o bicho, é porque é bicho sem corpo, só
espirito vagador que durante esse período do mês ainda pensa ser vivente e
continua a frequentar as espera e os ponto de trieiro que batia ainda quando andava
encarnado.
Sem olhar
pra trás ele sai a galope cortando mata, capão, campina e cerradão, usando da
sua mandinga forte, e vai batendo tudo que é canto, catando as alma dos bicho,
passa pelas espera, pelas fruteiras, rodopia os capão, as campinas,
o cerrado ralo, o cerradão, os pastos, inté nas tapera veia abandonada
ele passa, passa pelos barreiros e saleiros também, diz os antigos que as vezes
transfigura feito raio de fogo.
E o
galope num para, ele arrebanha um bicho aqui outro acolá, e o bando vai crescendo,
de tudo quanto é trem, ai ele ajunta todos num canto escolhido da mata, os
maior ajuda os menor, e assim segue a labuta, depois de tudo recolhido quando o
ponteiro da noite bate a hora grande, bem a meia noite em ponto, ele começa a
subir a serra.
É
nessa momento que as vezes o povo vê a luz cortando a serra, hora na cor
vermelha, ou amarela, ou verde, ou branca, e assim o arrebanhador vai carreando
as almas dos queixadas, mateiros, pacas, cotias, jaós, jacus e de tudo que
bicho que morreu na mata naquele mês, seja bicho morto na caça, por doença, por
velhice, por briga ou por predador, dizem que até os insetos, cobra arranha e
tudo que é trem ele carrega também e leva tudo pra porta do céu.
E
ele segue a frente, guiando com a luz a bicharada que vai atrás acompanhando as ordens do menino
coberto de pelo grosso, diz o povo que é ele que assobia alto no ouvido do
caçador de espera que desavisado num oferta fumo ou sal quando embrenha na
mata.
É
por isso meu fio, que muita gente fala que viu uma luz, bola de fogo vagando na
noite escura, cortando a serra, e as brenhas do sertão, mas num sabe que se trata desse assunto,
fica imaginando coisa, mas eu te falo
que um dia que tava aprumado em um pé de tamburil esperando mateiro e vi com
esses oio que a terra vai comer a mata toda clarear, e logo depois passou o porcão com o menino no lombo e seguindo ele um monte de
bicho, de tudo quanto é tipo, tudo envolto de luz e todos subiram a serra para
se encontrar com o criador.
Tem
gente que fala que bicho num tem alma, mas eu te falo fio...Tem sim...Se tem
vida tem que alma, e outros ainda fala, que bicho num tem sentimento, nem
saber, mas bicho sente tudo que um homem sente, e tem saber que o próprio homem
num sabe.
Por
isso tem que ter respeito, a mata tem dono, num pode tirar a vida dum bicho só
pelo prazer de destruir, matar por matar e pecado grande, se vai caçar ajeito o
que é de comer, de forma certeira, trate do bicho sem ter perda, tem que
respeitar o corpo, num fazer desperdício, nem maldade de dor, porque tudo o Pai
Maior tem sabencia.
Tem
que respeitar os dias santos, as procria, a época de retiro do mato, se fez
ponto de mira, só espalha chumbo se for tiro certeiro, pra mó de num deixar ir
embora baleado e se perder na mata, as vezes o bicho sofre por muitos dias inté
virá janta pros carniceiros, e quando ocê tiver na rede e escutar o pisado do
trem seja de dia ou de noite e num enxergar nada, faça uma prece, peça ao Pai
Maior que proteja aquela alma, de num cair nas garras do Tinhoso, e quando ocê
entrar na mata, leva um punhado de sal,
ou um pouco de fumo e deixe lá pro menino peludo, o arrebanhador, uns o chamam
de saci de perna, outros de currupira, mas ele tem muitos nomes.
Meu
pai contava isso pra gente, e meu avô contava pro meu pai, e meu bisavô contava
para meu avô, e passou muitos e muitos anos o menino é o mermo, e é sempre
menino sem crescer, porque diz que pra entrar no Céu, tem que voltar a ser
menino, ou é porque é trem de visagem mesmo, ou trem de outro mundo que o homem
não conhece, mas de uma coisa eu tenho certeza é mistério a serviço do Pai
Maior.
Porque
é ele que cuida da mata e de seus viventes, tudo tem um motivo na empreita do
Divino, por isso a mata tem muito segredo, e se transforma cada estação, e mesmo esse veio que lhe proseia esse causo,
nos seus mais de noventa anos não conseguiu aprender todos os segredos da mata,
porque assim como a gente, os bicho e as folhas também tem treita....
E
treita de folha e de bicho ...Vou lhe contar, é coisa que mateiro fica veio,
doido e nunca vai entender direito, porque vem de trato antigo........E isso é
uma longa história que meus antepassados trouxeram da Africa mãe quando vieram
feitos escravos para esse Brasil......
Bello
21/12/13
TRATO COM A ARMA
( Causo contado pelo meu
amigo Zé )
Vou
conta procêis um causo pra mais de sombroso, causo difirci de credita, eu sou
cabra da roça e toda minha vivencia foi no sertão, quando era mirado, garoto de
tudo já era dedicado a caçada, vivia a perambular pela mata me busca de vivente
pra melhorar a mistura, armava minhas arapuca e hora outra pegava uma inhambu,
as veiz uma juriti, garoto ainda num bulia com porvora, nesse prazo eu atinava
de bodoque, o tar do stilingue, no mundéu e na mardilha de laço.
Mar
fui ficando erado e rumei serviço numa lavoura, que logo danei a guardar o
cobre, e na primeira oportunidade de quantia, comprei do
Zé Mario uma arma veia que segundo ele era muito boa de tiro, finarmente
pude adquirir uma espingarda, mas a bicha era treiteira, mas atirava, e isso
era o que eu queria, bem, mas arguma coisa tinha nela, eu num acertava
nada, toda vez eu pregava o dedo no gartilho a porvora explodia e cubria tudo
de fumaça e nada de bicho cair.
Então
desatinado com esse trem, ressorvi fazer trato com o Cramulho, o Bode Preto, pra
mó de ressorve meu probrema, então fui chamar ele numa encruziada, como o povo dizia que ele sempre aparecia naquele
lugar, então esperei dar meia noite numa sexta feita 13 e chamei o Bode Preto,
que demoro pra fazer presença, mas que de repente veio feito cachorro preto
correndo em minha direção, parou em minha frente e virou um home.
Home
alto, pra mais de dois metro, de barba grande e oreia pontuda, voz rouca e pé
de bode, eita que medo me deu, mas já tinha feito a bestagem e num tinha como
arredar, agora era seguir em frente, e ajeitar treita de sair daquele enrosco
que eu mesmo entranhei pra me prender.
Ele
fedendo a fumaça de trem podre queimado, andou prum lado e pra outro me oiando
e foi logo perguntando:
_Me
chamou aqui porque ?
_Uai
proque quero trato uai.
_E
que trato você quer, meu pobre caipira?
_Uai,
quero ser o maior atirador da região, todo tiro meu o bicho escapa.
_Isso
é fácil meu querido. Mas o que você tem para me oferecer?
_Uai
te dou em troca minha arma.
_Bom
demais meu caipira, negocio feito...Você vai ser o maior atirados dessas bandas
, mas daqui a cinquenta anos eu venho te buscar...KKKKKKK....
E
feito redimuinho o Bode Preto rancou fora levantando foia e poeira pra todo
lado, apartir daquele dia eu podia atirar de oio fechado que num erava mais
nada, cortava bituca de pito na boca de vivente sem tocar nos beiços, fiquei
famoso em toda região.
Tinha
virado motivo de causo, mas ninguém sabia do meu trato, mas muita gente já
andava na fofoca de que eu tinha trato com o Bode, pra mó de fazer o que eu
fazia.
Vinha
gente de longe pra ver minhas tramoias, e todo mundo ficava besta de ver
tamanha destreza de tiro, fazia gracinha e o povo levou a noticia longe, sem
saber que tudo isso era obra do Bode Preto, do Cramulho.
E
fui tocando a vida, nas caçadas nas lidas e no dia a dia dos fazeres, inte que
sem eu perceber os anos se passaram, o que eu não sabia é que o Cramulho
contava o dia e a noite, cada um como um dia, então fechava em dois dias ,portanto
com vinte e cinco anos completados
certinho ele apareceu.
Era uma
noite esquisita, de tempo parado e sem grilo cantar, a lamparina pagou e tudo
virou breu, um vento fedido entrou na
chopana, e quando pensei que não era ele, virado de gente, dessa veiz mais baixo,
de cavanhaque e bengala, as oreias normal e rindo sem parar, tava alegre afinar
veio buscar minha arma.
Ele
oiou pra mim e disse...
_É
hoje seu caipira, vim buscar sua alma...
_Uai
pera ai, Alma, ta errado esse trem, o trato num foi esse não, eu nunca te
prometi minha alma, pera ai um bucado vou pegar o combinado.
E
entrei no quarto e de dentro do velho
bau tirei minha arma e vortei pro alpendre...
_Oia
ta aqui o motivo do nosso trato, te prometi minha arma, não minha alma.
Então
o tinhoso tirou do bolso o contrato e lendo viu que tinha sido enganado, e
realmente o matuto assinara que o pagamento seria sua ARMA, e como trato era trato, brabo soltando fogo
pelas ventas ele pegou a arma do caipira jogou no lombo, e saiu sem dar
palavra..
O matuto
ficou aliviado e feliz, deitou na rede pitando um palheiro e foi dormir....Mas
o Bode Preto tava por muito chateado e com raiva, e pra num deixar perdido
chegou numa encruzilhada e atinou a pensar, logo veio na sua cabeça de maldade
uma treita pra num voltar pros cafundé de mão vazia.
Então
pegou a espingarda e transformou ela num revolver novinho, carregado de bala, e
a bandoleira transformou ela em um monte de dinheiro, e colocou no chão...
Logo
beirando a meia noite veio três bêbados pela estrada cantarolando e contando causo, quando viram o dinheiro
pararam assustados.
_Compadre
oia o tanto de dinheiro, inda tem um trinta novinho de groja, e foi-se uma
baita confusão, inte que chegaram num acordo, dois iria voltar ao povoado a fim
de comprar mais pinga pra comemora e um ficaria olhando o dinheiro.
Então
os dois voltaram compraram mais pinga, tomaram mais um bocado, e tramaram um
jeito de ficar com o dinheiro só pra eles, e pra se livrar do amigo resolveram
levar uma pinga preparada com veneno, assim o amigo bebia, cia morto e os dois
ficavam com o dinheiro.
E
assim fizeram, mas o amigo que ficou
tomando conta do dinheiro também danou a matutar, uma forma de ficar com todo
aquele dinheiro só pra ele, e decidiu
assim que os outros chegassem ele mataria os dois com o revorve e ficaria com
todo dinheiro.
Então
quando, os dois chegaram cantarolando com a garrafa de pinga na mão, logo de
longe atinaram o amigo para beber uma dose da pinga envenenada, mas o homem já
decidido, mas sem saber da treita dos dois, pregou fogo, um tiro em cada um que
caíram mortos rolando no cascalho da estrada.
Ele
foi conferir pra ver se os dois estavam realmente mortos, cutucou um e nada de
gemido, o sangue corria na terra, mexeu com o outro e mesma coisa, estavam
mortim da silva e feliz porque ia ficar com todo o dinheiro, pegou a garrafa de
pinga no chão e tomou para comemorar, logo o veneno agiu e lhe faltou o folego,
e ele caiu repugnando, numa tremedeira sem fim
e morreu.
Lá
do mato o tinhoso observava tudo, e veio todo risonho, catou as três alma jogou
no bornal e saiu cantarolando, ele tinha
perdido uma alma, mas não voltaria de mão abanando para o inferno, levaria três
almas que por ganancia se renderam a trama do bode preto.
Moral
da historia, trem fácil é sempre complicado e quem quer tudo nada tem, o
caipira aprendeu a lição, veiaco deu rasteira no Capeta, e o Tinhoso aprendeu a
ler melhor seus contratos, portanto não tente essa treita, porque ele nunca
mais vai cair nesse conto...kkkkkk...
Bello
15/01/14
kkkkkkkkkkkkkkkkkk
ResponderEliminarMais um lindo causo companheiro Bello.
ResponderEliminarParabéns!
Valeu companheiro, falta de tempo era pra ter revisado mais, mas ficou bom gostei muito do resultado..
EliminarSinceramente mesmo com tempo, não da pra ler mais de uma dessas por vez ...de folego cortado, me encho da emoção que traz este e todos os outros textos seus. Um muito obrigado por descrever com suas palavras as vivências de muitos mateiros espalhados por esse nosso Brasil.
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