CAUSOS E CONTOS

SINA DE MATEIRO - A TREITISSE DAS GATAS - DE FLORES, FRUTOS E TEMPO - OS OPORTUNISTAS - A VISAGEM


SINA DE MATEIRO

Fazer o que?
Se é assim que meu coração sacoleja na caixa do meu peito, se é na lida que ele me faz feliz, se é no cheiro do mato que me sinto vivo, se é no som da corredeira do rio que eu respiro, se é no pio cansado e saudoso da Jaó que aperto minha magoa, se é na voo retilíneo do casal de Canindé que corta o azul do céu que eu viajo.......
Fazer o que? Se essa é minha sina....Ser mateiro...

         Não existe nada melhor nesse mundão de meu Deus do que estar na companhia da bicharada, na lida diária da fazenda a natureza me fascinava e me surpreendia do nascer ao pôr do sol, sempre algo novo acontecia, ora era uma jiboia lidando no galinheiro, ora um tucano fazendo a festa na goiabeira, ou um Mucura cortando o terreiro fugindo do meu cachorro americano com o lombo repleto de fiote agrudado. O arrebol avermelhado pincelava todo o céu nos confins da serra, cada dia tinha uma pintura diferente que o Pai Maior fazia para demonstrar que estava ali, cuidando da gente.
Tudo era contagiante, desde que me entendo por gente já carregava o estilingue pendurado no pescoço e a capanga com pedras escolhidas uma a uma na beira do ribeirão pendurada no ombro, negacear as Rolinhas era quase minha vida, ai o trem foi tomando outra toada, as Inhambu foram meu próximo passo, ai vieram as Codorniz, as Perdizes, as Jaó. O trem se aprumava aos poucos, a cada dia eu aprendia mais, e a fome de estar na mata era tão constante que parecia não ter fim.
Lá no céu a dona lua vinha prateando tudo, fazia o contorno dos buritis se tornarem reconhecível mesmo na madrugada, o brilho refletido na lagoa, o cantar do sapo, o cri cri do grilo, o piado agudo da coruja, a noite viva me fazia perder o sono imaginando o que estaria dando vida aos trieiro da mata, o que andaria nos campos, Dona Onça onde estaria essa hora, e assim eu sonhava com minhas caçadas, com a mata e com tudo que vivia ali.
         O mais difícil era ter que me engomar todinho depois do almoço para ir ao Grupo, isso mesmo, Grupo era como a gente chamava escola naquela época, papai levava a gente de carro de boi inté a estrada principal, onde o carro passava catando a molecada, Dona Conceição era a professora e o maior trabalho que ela tinha era passar o dia raiando comigo para prestar atenção na aula e largar de olhar para o lado de fora pela janela.
Lá fora um casal de construtor da floresta, o João de Barro e sua esposa, faziam a labutada empreita de construir seu ninho, casinha de barro que mais parece um forno de roça, era um vai e vem sem fim da biqueira da torneira trabalhando o barro com o biquinho até o pé de Ipê onde se instalava a nova moradia, cada dia eu via que a natureza falava.
         No pasto ao longe um bando de Curicacas trabalhavam juntas caminhando em linha catando tudo que é inseto que desse bobeira, eita que a natureza é uma baita professora, basta olhar e aprender, tudo isso me chamava a atenção, mas dona Conceição teimava em me lavar para a sala de aula a todo instante, com um monte de números no quadro parecia falar Grego, o que menos eu gostava era essa tal da matemática, o trem complicado.
         A vida é um trem desaprumado e difícil de se entender, talvez por esse trem não ter entendimento mesmo, no fim eu acho que a vida acabou sendo feita foi para ser vivida, cada um fazendo o que gosta mas de forma a respeitar o mundo e o próximo, dessa forma todos seriamos felizes e nada mais, tentar entender a vida seria arrogância demais para um matuto feito eu que nunca tive muito interesse na lida da letra, no mais eu sou um cabra por demais modesto e deixo essa labuta pro povo mais letrado.
E o tempo ia rompendo a estrada da vida, devagar as coisas iam tomando destino, papai e mamãe labutavam sem parar, lida de roça é pra quem tem tutano, gente mole logo afina, eram dois grandes guerreiros de fibra e coragem, ambos estavam preocupados com nosso futuro, queriam uma vida melhor pra gente e faziam planos, logo tínhamos que ir para cidade para continuar os estudos, o sonho de mamãe sempre foi nos ver letrados, para que assim pudéssemos ter uma lida menos labutenta, fio Doutor era seu sonho.
         Eu tinha meus afazeres que me tomava toda a manhã, acordava sempre cedo com o raiar do sol, quando o galo cantava eu já estava de rosto lavado na beira do fogão esperando o café, cuidava de tudo que é criação pequena, porcos, patos, galinhas, coelhos, codornas, o gado e a lida leiteira era de papai, eu ainda juntava os ovos, molhava a horta e cuidava dos capim e ervas que teimavam e nascer em meio aos legumes dos canteiros, juntava a lenha e não deixava fazer falta na beira do fogão de mamãe. ainda apartava os galos briguentos e essa trenheirada ia até as 11:00 quando mamãe gritava do alpendre..
         _Vem almoçar..O comer tá pronto...
         Era a melhor hora do dia, a cheirinho da fumaça misturado com o tempero maravilhoso de mamãe nunca vão sair da minha mente, e era assim o meu dia, correndo de um lado para o outro ao som do cantar dos Pássaro Preto, que traquinava no pomar, com o estilingue na mão ia pajeando as Gralhas que estavam sempre em busca de ovos para furar, mas o que eu mais queria naquele momento era furar a escola e ir andar na mata com a porveira do papai na mão, pegar a trilha da porcada e voltar com um queixo branco nas costas no tardar do dia.
         Na minha imaginação o gavião também não escaparia da minha mira, o galho seco da gameleira que ele costumava sentar curiando os pintinhos ia ficar órfão de suas garras malvadas desinteradeira de família, colocaria ele no saco dando paz ao terreiro por um certo tempo inté aparecer outro tirano para continuar a eterna luta, tudo aquilo ali era meu mundo, meu reino, minha vida, ali eu me sentia o garoto mais feliz do mundo, e queria a todo custo que nunca fosse diferente, tinha o ribeirão e a cachoeira com sua água cristalina e geladinha, tinha a palhada onde trilhava as inhambu com seu andar rápido balançando a cabeça, tinha a Medalha a nossa vaca malhada que era o xodó de papai, a Buzina que berrava sem parar e outras coisas mais que faziam da fazenda o melhor e mais bonito lugar desse universo.
         Logo depois do almoço tudo isso se desfazia quando mamãe começava a apressar a gente com o horário da escola, meu irmão caçula o Lucas, era mais desprendido, não ligava muito pros trem da roça, vivia sempre lendo, evitava a lida, e sempre vinha com uma história esquisita de uns povo que iam mudar o mundo, uns tal de idealista.
Mas nada mais me importava, no fim de semana minha preocupação era cuidar da minha obrigação e correr para a lida mateira, cada fruteira estava mapiada na minha mente, a época de caída de fruta eram acompanhada todo ano, os bebedores qual secava primeiro e qual ia até o fim da seca, os saleiros, trieiros e passadores e ainda tinha as cevas que eu fazia todo ano, sempre buscando um canto diferente pra dar prazo pros bicho, o pouco de dinheiro que eu ganhava era para semente de milho, pólvora, chumbo e espoleta, e no mais era uma enorme felicidade aguardar a saída da lua cheia sentindo o cheiro da pólvora e colocando da leitoa no saco.
As noites de espera sempre foi o que eu mais amei, seguindo da caminhada de curso na época das águas ou a do esbaro com o catingueiro desatento no fim do dia, mas eu não desprezava de forma alguma um fim de tarde na ceva de Jaó e Inhambu com o pio na mão, mas lá no fundo do meu coração eu sabia que tudo isso estava por um fio, o destino logo tomaria meu mundo me levando para outros horizontes.
         Eu não queria ir para a cidade, mais papai já tinha batido o martelo de dado o veredito final, e como ele era o juiz e o júri não tinha nada o que fazer além de obedecer, como dizia vovô em menino, mulher, empregado e cachorro quem manda é homem. Então esse era o meu último ano no grupo, e no fim das águas estaríamos eu e Lucas seguindo rumo da cidade, meu coração se apertava a cada dia, e a partir daquele momento tudo passou a ter um sabor extremamente melancólico, como dizia Zé Candido, o trem quando é pra lascar a gente, logo chega.
Quando pisquei o olho estava na casa da Tia Jurema lá na cidade, a roça agora ficou para trás, era um sonho distante que somente nas férias eu voltaria a viver.
         Meus olhos agora não tinham mais o brilho do garoto negaceador de rolinhas, o sorriso se tornou amarelo, tudo ficou sem graça, aqui na cidade não se ouve o cantar dos passarinhos, o barulho dos motores subindo e descendo a rua tomavam conta do mundo, ao longe uma folha verde de um coqueiro plantado por um morador tremulava com o vento, como que dando adeus a toda natureza, o cheiro de relva não existia mais, agora o Grupo se chamava Centro de Ensino de Segundo Grau, ali estava cheio de gente esquisita, com roupas coloridas e cabelo parecido com os dos artistas que de vez em quando eu via nas revistas, eles só sabiam falar da tal da televisão e de uns assunto tão besta que me dava azia, então na hora do recreio eu me retirava para a praça depois do pátio, onde alguns pássaros perdidos nessa selva de pedra ainda teimavam em viver, ali eu ficava lembrando dos meus dias na fazenda.
         Era muito difícil estar ali, mas era o sonho de mamãe e o suor de papai, então eu tinha que fazer o melhor possível para que valesse a pena o tamanho sacrifício, então garrei nos estudos como quem garra um catingueiro no arado e só assim o tempo passou mais rápido, e no tempo de folga me entocava na biblioteca onde me embrenhei nos livros que contava tudo relativo a vida dos bicho.
         Assim o ano passou depressa era o início das férias de fim de ano, em julho infelizmente não podemos ir, então agora em dezembro era o nosso primeiro retorno, as águas cobriam o mundo e eu com minha mochila surrada pegava o ônibus na rodoviária rumo a fazenda, na bagagem uma saudade medonha e sem fim de mamãe, papai e de toda lida mateira.
         Logo encostou um ônibus colorido, e o motorista, um cara gordo e simpático abriu a porta, dei minha passagem e fui para minha cadeira, sentei agoniado para que ele ligasse logo o motor e pegasse a estrada, um casal idoso criou um caso danado por conta de umas sacolas, mas sanado o problema enfim tomamos o rumo, o brummmmm do motor titelava na minha mente em um vai e vem de pensamentos que pareciam um furacão.
         Pela janela meus olhos buscavam as recordações, a cada quilometro que distanciávamos da cidade a paisagem ia mudando, o cinza sem vida dava lugar ao verde dos capões, dos pastos pintados de melhore branco e gado mestiço, meu coração se rebatia no peito e minha mente retrucava com meu galo de briga, meu cavalo malhado, meu cachorro perdigueiro caçador de perdiz, com o cheiro inesquecível da fumaça do fogão de lenha misturado com o cheiro da deliciosa comida da mamãe.
         Depois de 6 horas de viajem o ônibus finalmente parou no acostamento, era minha parada, agradeci ao motorista e desci, fiquei parado olhando a serra lá distante, logo à frente dos meus olhos estava a velha estrada de terra que tanto cortamos ao lombo do cavalo e que carregava em cada grão de terra a história da nossa família.
Ainda tinha uns 30 quilômetros de chão para cortar na botina, para alguns podia ser uma tortura, mas para mim, seria um grande prazer, a cada passo eu respirava o ar puro que invadia meus pulmões, o som dos pássaros em algazarra, o pio da perdiz fiuuuu fua fua,  tudo aquilo me fascinava, ia sonhando até que voltei a realidade ao ouvir uma buzina soar, era seu Juca com sua caminhonete veia que me reconhecendo parou oferecendo carona, cumprimentei o velho vizinho de roça, subi e sentei na caçamba, ali o vento lambia meus cabelos e todo sertão voltava para a minha alma, logo na curva beirando o pé de pequi ele me deixou, abri a porteira e desci a estrada cantarolando, de longe pude ver a casa e as flores vermelhas do Flamboyant, os cachorros iniciaram uma baita latição e logo papai apareceu com seu sorriso largo grintando...
         _ Meu filho voltou....Meu filho voltou...
         Foi um abraço demorado, algumas palavras sussurradas e um grande silencio chamado saudade que nos envolveu naquele instante, mamãe veio correndo com o pano de prato na mão, e em soluços se juntou ao nosso abraço, foi um momento único, um ano se fazia da última vez que meus pés tocaram esse chão. O cheiro do café passado na hora se entrelaçava com o do requeijão que era batido na panela grossa, enquanto no meio disso tudo estralava no forno em tons amarelo com bege um tabuleiro entulhado de pão de queijo, sentado a mesa eu queria comer, matar a saudade, conversar com papai e mamãe, saber das novas, descansar um pouco e depois andar por toda fazenda.
         Lucas meu irmão não veio, ficou para um tal de curso de verão, papai no fundo sabia que as raízes dele estava na cidade, e que aqui talvez poucas vezes ele voltaria, mas como dizia ele. Faz parte da vida, afinal os filhos são para o mundo o importante é ter a certeza de ter orientado corretamente ao ponto de colocar honra e ética na mente deles.
A manhã passou feito um raio na noite escura de tempestade, logo o almoço estava sendo servido, o que eu queria era comer aquela galinha caipira que somente mamãe sabia fazer, arroz com pequi, e curau de milho, comida de mamãe é a melhor comida do universo e isso é sem dúvida nenhuma, foi um momento fantástico que saudade boa, em cada garfada eu me sentia voltando para o passado, depois do almoço eu fiquei ajudando mamãe na cozinha, lavei os carote, ajeitei as colheres de pau no varal, sobre a parede um arame prendia as tampa das panelas que variavam de tamanho e forma, se existia um paraíso, o paraíso era aquele lugar, a cozinha da fazenda.
Papai veiaco que é, já tinha amarrado as redes a sombra da mangueira, depois de encher o bucho, difícil foi se arrastar até lá e deitar, enquanto ele afogava um pito, colocamos a conversa em dia, logo veio a cobrança, queria dados sobre meu andamento na cidade e na escola, comportamento, notas e tudo mais, papai labutava firme na lida e mandava ajuda pra gente todo mês, mais do que devido e justo era eu e meu irmão honrar sua luta sendo bons alunos, bons filhos e não dá trabalho para Tia Jurema que nos recebeu e cuidava da gente.
Eu estava com meus 16 anos nessa ocasião, mas na roça um menino vira homem cedo, pois a luta impõe disciplina e responsabilidade, diferente não poderia ser, pois desde que me entendo por gente fazia papel de adulto, a conversa estava boa mais meu pensamente estava na mata. Por ande andava os bandos de caititu, as pacas, as cotias e os outros moradores da floresta.
Lá no horizonte ao pé da serra onde o sol se escondia todo fim de tarde uma nuvem preta forrava o mundo de água, a chuva marcava o céu como um véu que cobri a mata levando vida, o vento forte logo ia trazer ela até nossa rede então resolvemos se retirar para dentro de casa, logo o tintelar dos pingos cantaram no telhado, as galinhas correram arrumando poleiro, e eu procurei o conforto da velha cama, pela janela eu contemplava meu reino e a chuva linda que caia sobre a terra, e nesse momento me senti como se nunca tivesse saído desse lugar, e meu coração mais uma vez me disse, essa é minha vida.
Quando a gente ama e é feliz, ai é que o tempo voa, foram os trinta dias mais rápido da história, mal fiz o que eu havia planejado, a espera de paca, a caçada de perdiz, a farofa de tatu, o arroz com Jaó, os dias se passaram e quando percebi já estava na caçamba da caminhonete do seu Juca de corona com destino a cidade novamente.
E assim foram-se os anos, eu estudava com afinco e todas a férias eu corria para a fazenda, mas o tempo sem tato logo passou e quando eu fui perceber já tinha passado no vestibular para veterinária e estava com a mala pronta e passagem comprada para a capital.
La na capital a coisa era mais complicada, uma cidade maior ainda, cheia de carros e prédios, com pessoas que corriam feito formiga carregadeira, ninguém falava com ninguém, era a luta desenfreada da ganancia de se vencer na vida, ali morava a angustia e a ansiedade.
Foram cinco anos no curso de veterinária, no qual só pude voltar a fazenda por duas vezes, cada dia a coisa apertava mais, livros e livros, teses, e experiências, minha cabeça estava a mil com milhares de informações, alguns amigos tinham metas e falavam em muitas opções mas o que eu queria era voltar para a roça.
Enfim chegou a formatura, e pela primeira vez na vida papai veio a capital para ver o resultado do seu esforço, o filho roceiro agora era um doutor, medico de bicho como ele dizia, seu olhar cheio de lagrimejante mostrava o orgulho que ele sentia naquele momento, tanto dele mesmo como de mim, mamãe era a felicidade em pessoa, brilhava feito o sol do meio dia, acho que aquele dia era o dia mais feliz da vida dela.
Sentados ali na primeira fila, vestidos com roupa de festa e chapéu de feltro, fitei seu olhar e pude ver seu cabelo branco, seu rosto enrugado demonstrava a luta travada com a terra por todos esses anos, meu irmão Lucas era bem mais estudioso, e logo partiu em um tal de intercambio para os Estados Unidos, fazia medicina, ia demorar uns dois anos a mais para se formar, meus pensamentos iam distantes e ali olhando seus olhos do meu pai vi um guerreiro gigante que no cabo de uma enxada fez de seus filhos dois Doutores.
Logo aquele momento acabou e tudo voltou para seu lugar porem o destino parecia não estar de brincadeira, foi o prazo de Lucas se formar que papai adoeceu, Lucas estava na residência quando papai faleceu deitado em sua cama na casa da fazenda, mamãe franzina não podeira ficar sozinha, então a ideia de Lucas era levar ela para a cidade, mas eu sabia, era uma sentença de morte, não poderia deixar isso acontecer, ela já havia falado...
Pra cidade eu não vou, quero morrer na nossa terra, e me encontrar com seu pai,  sabia que tinha que tomar uma decisão rápida, então não pensei duas vezes, ajeitei as malas e voltei pra fazenda, no caminho fui pensando em tudo que essa vida nos faz, o custo de cada decisão, e que o mais importante de tudo devemos buscar sempre a felicidade, devemos viver da forma que amamos viver,, seguir nossa sina.
Logo estava na porteira da fazenda, com minha mochila nas costas, tudo que eu amo e amei estava aqui, a minha frente o meu mundo, meu universo, abri a porteira em entrei com toda a certeza do mundo, de longe os cachorros danaram a latir, meu coração disparou e senti no meu intimo que ali sempre foi o meu lugar.
Cheguei a porta da casa onde mamãe me esperava, abracei ela com todo meu amor, chamei o Valdir e pedi para selar meu cavalo, com a velha espingarda no lombo segui o trieiro da serra, simplesmente seguindo meu destino...

Fazer o que?
Se é assim que meu coração sacoleja na caixa do meu peito, se é na lida que ele me faz feliz, se é no cheiro do mato que me sinto vivo, se é no som da corredeira do rio que eu respiro, se é no pio cansado e saudoso da Jaó que aperto minha magoa, se é na voo retilíneo do casal de Canindé que corta o azul do céu que eu viajo.......
Fazer o que? Se essa é minha sina....Ser mateiro...


Bello 10-12-15







A TREITISSE DAS GATAS

         Estávamos, reunidos a sombra do velho abacateiro esperando Seu Juca chegou, a proza era sobre a onça, dizia todo o povo na região que o velho mateiro é o maior entendedor do comportamento da onça desses Goiás, filho de um velho gateiro vindo do Para, trazia no seu olhar cansado pelos 80 anos de vida todo o conhecimento daquelas matas, a brisa trazia de longe o cheiro do cerrado, logo a figura lendária pontou no terreiro, com seu andar firme e com uma garrafa de café na mão e um moi de copo na outra, puxou o tamborete e sentou ....Logo sacou do bolso um pedaço de fumo e ajeitando o preparo de um pito cumprimentou os presentes...
         Dia..... Oia o café...
Os copos rapidamente tomaram cor e o cheiro do cafezinho da roça apareceu....E em meio a comprimentos e sorrisos se iniciou a prosa....
         Onça é bicho treiteiro, dizia Sr. Juca, e é os dois tipo, a Pintada e a Parda, mas por ignorância do povo as bicha leva fama do que num faz, nos causos contados por esse sertão afora o exagero do povo faz dela a maior vilã da floresta, dando uma carga lendária de um mito tão fabuloso que atiça a mente daqueles que na boca da noite cortam as brenhas desses matos e capões, muitas vezes a imaginação acaba por falar mais forte que a razão, alarmando a ira do povo na crendice de que onça.... É matadora de gente.
As gatas carregam no lombo um montueiro de histórias, lendas e causos, trem que vem dos antigos, lembro de meu Pai que gostava da lida de gateiro e desonçava fazenda bolida por elas, quando o prejuízo chega na criação o fazendeiro se sente no prejuízo e pede socorro, ai a pobre paga com a vida, e é nos escondidos desse sertão que por mais de vez o dia amanheceu triste, pois mais uma Gata morreu na tocaia, na armadilha ou no veneno.
Muitas vezes a história ganha perna e vai pro rumo que o povo leva, lembro do causo do veio Sebastião, que todo mundo garante que foi comido de onça,  ele sumiu e ninguém nunca arranjou nada dele, nem o sapato, também pro rumo da serra tem o causo do Juvêncio um veio caçador que indo atrás de fruteira para marcar espera, passou por uma boca de grota e ali ele deu fé de um gemido, besta veio sem experiência foi aprumar o que era, e ao  chegar na boca da grota veio o estouro, ai foi só o grito, a gata pulou da escuridão virada num zetelo em riba dele, os dois rolaram ladeira a baixo e ela num matou ele por sorte, que no rebuliço caiu em um breu do ribeirão deixando a gata para trás, mas mesmo assim chegou com muito sangue perdido, diz o povo que depois dessa nem esperada ele quis fazer mais, o apuro foi tão grande que ele danou inté a falar sozinho.
Um trem que pouca gente da cidade sabe, é que se a Parda tiver por perto ela corre com a pintada, a bicha é mais brava, e com mais agilidade, e usa isso contra a parente que mesmo sendo mais forte perde movimento pela truculência, então na maioria dos confrontos ela bate bem na Pintada, porque ela tem mais feitio de gato e isso a faz mais lisa, difícil de acertar.
Depois de colocar a Pintada pra correr, ela vem proteger a gente, ai nos acompanha campo afora,  o cabra desavisado ainda fica com medo e tenta o mal contra a bicha, eu que lidei com elas por esses anos todos digo com experiência de mateiro veio, onça pegar gente, hum hum, é coisa que num é bem verdade, onça pode inté correr com gente, pro mó da defesa do território ou por estar com as cria, pra proteger os fiote inte passo preto vem em riba da gente, imagina ai uma gata parida com gatinho pra zelar.
A gata pintada é bicha cabeçuda, de porte baixo e de caixa forte, suas pintas são sua identidade, num tem onça de pinta igual por esse mundo, é engraçado que o pé da frente tem cinco dedos mas um não deixa rastro pois num beira o chão, diferente do de trás que só tem quatro dedos, veiaca que é num anda bestando em campina não, gosta das bocaina mais fechada, onde anda mansa caçando sorrateira a beira da noite, vive por essas brenhas atrás da porcada, mas num perdoa uma mateira, ou um tatu, ou mesmo um bandeira, a bicha é mermo treiteira, come o que aparece, inte peixe em lagoa secando ela pega.
         No rastro a gente logo consegue num rápido olhar saber quem passou marcando a trilha, a almofada da Pintada é grande e redonda, os dedos são arredondados também, já a Parda tem a almofada mais triangular, dedos mais longo e fino, é bem mais afunilada, então não tem errada.
Uns povo diz que ela pesca usando o rabo, se é verdade eu não sei pois nunca vi, mas que muitas vezes ouvi o caso, há isso eu posso afirmar, é causo contado em toda prosa onçeira, esse causo da onça pescadora é antigo, as gata é bicha andadeira trilha longe pra mais de dez léguas, o território é grande de amuar, principalmente o do macho que é mais andador, as fêmeas tem território menor e tem mais tolerância, mas as vezes dana a dar briga, basta de ter motivo de andar onde não se deve.
         Ortro trem que o povo fala é que onça num pega anta, pega e pega das grande, onça pintada tem força para bicho de mais de trinta arroba, diferente da parenta parda que só pega porqueira, a pintada morde firme por riba do pescoço da nuca pra cabeça, se mordeu por baixo na goela foi parda, é igual essa história de cobrir a carniça de paia, foia ou graveto é pura conversa, quem faz isso é a onça parda também, o que a gata pintada faz e carregar pra comer longe, sempre dando motivo de começar a janta pela barra do peito ou pescoço.
As onça pretas são da merma pintada, tem um tal de melanismo, tem as maia encoberta que no mover do pelo a gente enxerga as manchas e a preta pura que é mais rara, as duas nascem inte na mesma barrigada, uma vez topei com uma cruzando o rio com dois fiote, um preto e um pintado, mas tem uns povo besta que fica maldizendo a onça preta, uai, só porque a bicha é preta feito eu, é perseguida, o povo diz que ela é mais brava, mais perigosa e que inté tem poder de bruxaria por ter trato com o tinhoso, o bestagem, é tudo onça, tudo onça.
         Ela pode inté parir de quatro gatinho, mais o normal pra se ter serventia é de dois, a prenhisse dura de três a quatro meses, a bicha sempre ajeita toca para parir, com duas semanas já tão de zoinho aberto, e fica no leite inté uns 4 meses assim que pegam tutano já começam a acompanhar na lida da caça, mas rumo mesmo só tomam quanto passam de dois anos, afinal tem que aprender com a mãe a se virar nessa vida, lida de bicho no mato não é fácil, bicho passa fome e sede se não for astuto.
Todas essa diferençada dizia meu veio Pai veio de uma Treitisse das Gatas, uma história que é mais ou menos assim.....
Diz a lenda que a Pintada e a Parda já foram grandes amigas,  isso no tempo em que os bichos falavam, sempre andavam pareadas, uma completando a outra em uma baita parceria na lida da caça, cortavam essas matas de um lado para o outro, sempre juntas negaceando a porcada, campeiros, antas, tamanduás, tatus, mateiros e inté mesmo a criação alheia, uma ajudava a outra, na hora do ataque no baque do pulo a Pintada mordia no cangote beirando a nuca e a Parda mordia por baixo na anca do pescoço, ai num tinha boquinha, o trem sentava mesmo, dessa forma eram infalíveis e não faltava o de comer.
Se fosse pra guardar o restante as duas carregavam para um lugar seguro e juntas cobriam a carcaça com folhas ou gravetos, pra mó de preservar a carne por mais uns dias, em caso de falta do de comer, se as coisas apertassem podiam voltar que tinha reserva e assim juntas tocavam a vida por essas sertanias de mata que formam esse mundão de meu Deus.
Para demarcar o território as duas, urinavam, defecavam e zunhavam as arvores por todo lado, esturravam juntas avisando os invasores que estavam ali, em uma eterna amizade tudo que faziam procuravam a ajuda uma da outra, em algumas tarefas a Parda se destacava por sua estrutura menor, era mais veloz e por natureza de sobrevivência mais astuta que a pintada, porem como a companheira era mais forte, valia-se a lei da selva, o mais forte manda, afinal a Pintada como o maior gato das Américas era a chefe suprema da dupla, isso porque a Parda por nunca ter enfrentado a oponente companheira não tinha noção do seu potencial.
Valendo-se disso a Pintada começou a se aproveitar da companheira, que trabalhava arduamente na lida de rastrear e buscar pontos de caça, enquanto isso ela dormia em meio a mata fechada, no frescor da beira dos rios e córregos, preferia andar depois do escurecer, e só caminhava bem no serviço uma parte da noite, enquanto todo o batido pesado ficava a cargo a franzina companheira.
Diz o povo antigo que por pouco as duas danaram a se estranhar, e num breve prazo a amizade se estreitou, aquelas brincadeira e bajulações foram acabando Inté que um dia a Parda se zangou, chegava o fim uma vida de paciência , afinal sempre o melhor da caça ficava pra pintada que se deliciava com o quarto traseira e os miúdos deixando o pior da carne de ossada para a companheira, sem falar que tinha que esperar a grandona se alimentar primeiro e por último sempre se contentar com os restos deixados pela amiga, isso era só uma parte entre outras humilhações que ela passava.
Com o passar do tempo isso foi criando ranço, inte que um dia a parda enfrentou a companheira mesmo sendo menor e mais fraca, mas pelo fato da Pintada ser mais pesada e mais lenta, a Parda lhe deu uma boa surra, aproveitando da velocidade e agilidade, com o corpo que é mais leve e mais esquio, saiu na frente, isso lhe rendeu um balaio de vantagem e desse dia em diante as duas nunca mais caçaram juntas e passaram a se evitar, virando eternas inimigas.
INICIAVA AI UMA GUERRA QUE DURARIA PARA SEMPRE.
A crise da brigaiada rompeu mata a dentro no ouvido de toda bicharada, que fincou rumores de uma crise em toda floresta, pois a guerra se acentuava em todo canto, até que chegou ao tribunal da floresta o pedido de acordo das Gatas, o Macaco Prego veiaco e sem juízo foi nomeado o Juiz, afinal de cima da arvore a onça não podia pegar ele se não concordasse com a sentença, logo reuniram os animais mais sábios, Dona Coruja foi quem ficou junto com essa turma ficou a cargo de fincar um acordo entre as duas primas, de forma a amenizar a guerra.
Foi feito então uma grande equipe, onde o tamanduá ficou responsável por redigir o fato junto com o Tatu Canastra, pois a tempos atrás também passaram por problemas semelhantes, como testemunha entraram também a Jaó e a Perdiz que também passaram por conflitos no passado, mas isso é uma outra história que um dia contarei procêis.
Nos galhos pássaros de toda sorte, nas redondezas vinha bicho de todo lado inté que lotou todo capão, já não tinha espaço nem pra formiga quando chegaram sem conversar as duas primas e se apresentaram ao juiz...
Depois de muito debater o júri chegaram a um veredito, foi ai que o Macaco Prego ditou   a sentença, nasciam ali novas regras, de agora por diante por ordem desse Tribunal da Mata,  ficou determinado o seguinte acordo.
Para demarcação do território a pintada teria direito ao esturro, a parda somente ao miado, mas caberia o direito de livre transito entre os territórios das duas espécies, ficando claro que evitariam confronto.
Na parte da caça, a pintada ficaria com os animais maiores porem sempre abatendo com a mordida na nuca e deixaria os menores a cargo da Parda que somente abateria pegando pela garganta, deixando assim claro o feito de cada uma.
Do reservado da carcaça, a pintada poderia carregar para onde fosse, mas não poderia cobrir, para que não houvesse roubo de comida entre ambas somente a parda cobriria a carcaça com folhas, ramos ou gravetos, ficando assim claro a dona da comida, e em caso de pegar uma comendo a caça da outra teria briga na certa.
E ainda mais, a Parda passaria a proteger o homem da astucia e perseguição da Pintada, tendo o direito de lhe dar uma surra sempre que ela bulir com gente, ficando a Pintada expressamente proibida de se alimentar de gente, atacar humanos somente em caso de defesa dos filhotes ou da vida.
E como não se davam mais como parceiras, seriam solitárias, cada uma cuidando da sua lida, não podendo mais se dar com os viventes da floresta.
E por causa desse acordo as coisas hoje são como são, e pra evitar desatino a Pintada nunca mais boliu com gente, tirando algumas treiteiras que não cumpre trato, mais trem sem tino nem respeito...kkkk... Isso tem em toda raça de vivente...kkkkk...

Bello 12-10-15

Em várias entrevista a sertanejos a onça-pintada foi considerada como uma ameaça ao ser humano, em mais da metade das entrevistas foi apontada como perigosa apenas em determinadas situações (particularmente quando está com filhote ou se alimentando, em defesa do território ou quando acuada).
Em junho de 2008, um pescador foi atacado e parcialmente devorado por uma onça-pintada em Cáceres (MT), enquanto acampava na beira do Rio São Lourenço. Este foi o primeiro caso registrado oficialmente no Brasil pelo CENAP (ICM-Bio) de um ataque de onça-pintada a um ser humano envolvendo predação. O acontecimento foi tema de matérias de jornal e televisão na época, e sua repercussão envolveu uma série de questionamentos sobre os limites das relações entre humanos e onças.
Ficando claro que em registros oficiais casos de ataques de onça pintada ou parda a seres humanos são raríssimos, e que registrados no Brasil conta-se no dedos de uma única mão os ocorridos, sabe-se que o mosquito mata muito mais que as onças, então ao ir para a mata procure orientação de pessoas da região, evite locais demarcados por fezes, urina e arvores unhadas que caracterizam um ponto preferido do felino.
Grande abraço.





DE FLORES, FRUTOS E TEMPO

         A todo tempo a natureza matuta que é, encontra meios de levar amparo a sobrevivência dos viventes da mata, outrora o tempo trabalha em suas estações, trazendo assim uma variação no clima de forma a fazer brotar o alimento no momento certo, ou cai flores ou cai frutos, e assim se faz em todo o mundo e aqui no centro oeste a maior savana de cerrado do Brasil não é diferente, e assim também sucede no meu Goiás.
         Cada estação do ano em cada região tem suas peculiaridades, aqui o tempo anda meio variado com a bulinancia do homem na natureza, mas seque mais ou menos no seu prazo, é certo que a cada ano a coisa sofre uma variação, para mais ou para menos, de certo que tem ano que a fruteira vem mais cedo, em alguns caso falha, ou vem mais tarde, mas a mãe natureza é caprichosa e não deixar faltar o comer.
         E o ano vai passando e nos seus doze meses de duração a natureza vai trabalhando de forma justa e harmoniosa, dentro de uma variação que mais parece calculada do que apenas um mero capricho do acaso do clima.
Janeiro é o ápice das aguas, a chuva lava as matas, tudo está mais verde e vistoso, a campina com seu capim bem alto com folhas largas e carnudas esconde o filhote do Veado Campeiro, os passarinhos se ajeitam para a choca, uns já estão é tirando a filharada, outros já treinam o bater de asas à beira do ninho, é o mês dos filhotes.
Fevereiro ainda cai muita chuva, mas agora o sol começa a se fazer mais presente, é o mês mais curto do ano, e passa que a bicharada ainda na fartura mal perceb e o correr da carruagem, o capim verde se faz farto, e as pintas do filhote de anta começam a sumir, assim como as do veado mateiro.
Março, é o início do outono e já começa a diminuir a incidência das chuvas, aos poucos se inicia a estiagem, os rios param de subir até o dia de São José, que é no dia 19, e inicia um novo ciclo, é o início da seca, a chuva vai se tornando mais escarça, e muitas flores e fruteiras já entram em produção no cerrado e nas matas.
Abril a mata ainda está linda, verde, entranhada de ramos novos, a filhotada na sua maioria já tomaram seu rumo, muitos vão começar a se acasalar novamente, o ciclo da vida se reinicia aos poucos, se fazendo real a frase. Tudo acaba onde começou.
Junho é o início do inverno o tempo avermelha, o frio vem chegando devagar, a mata já mudou de cor, o verde vivo vai aos poucos cedendo espaço para o marrom claro, as folhas começam a cair e forrar o chão da mata com um tapete de matéria orgânica proposital para que se transforme em adubo no início das águas.
Julho o frio se apruma e chega mais firme, as grotas gelam e os bichos pouco andam, em alguns pontos os pequizeiro se enchem com suas flores brancas, vistosas, carnudas e de cheiro bom, o capim maltratado pela seca se pinta de branco, onde os veados, pacas, cotias, antas, catetos, queixadas e muitos outros viventes fazem a festa, na buchada é só flor, mas a florada pode variar entre junho até setembro, a natureza sabendo da necessidade ajeita muitos recursos para a estação da seca, flora também o Canudeiro, que muitos chamam bonequeira e outros nomes mais, as vezes vem temporã a Mirindiba que também sofre muita variação de lugar para lugar, muitos viventes começam o acasalamento, pois a filhotada tem que nascer no meio para o fim da estação das aguas onde a fartura é certa. O veado Campeiro macho pega cheiro forte astucia natural para encantar sua fêmea.
Agosto é o mês dos ventos, o vento bruto enverga o capinzal e balança as arvores do cerrado e da mata com a função primaria de espalhar as sementes, para quando a chuva chegar germinar vida para todo canto, inicia-se também as queimadas, mas a Mãe natureza preparou o cerrado para suportar o fogo, suas arvores retorcidas, de casca grossa foram projetadas para tal desagravo. Enquanto o fogo varre as campinas, do ponto mais alto o gavião e o carcará esperam o fogo quetar para fazer o limpa nas pequenas vítimas que não conseguiram escapar das grandes labaredas que lamberam a vegetação seca.
Setembro é o início da primavera e o ápice da seca no centro oeste, os rios aprofundam-se nas calhas, as lagoas e bebedouros se tornam escassos, os animais e plantas almejam a chuva e para acalentar um pouco o céu se enche de nuvens e aos poucos se carrega derramando a chuva do caju, o caju do campo precisa florir assim como outros frutos, pois é mais um recurso de alimento esperado pela bicharada, dona Anta circula cada pé colhendo o que pode, o Lobo Guará também não perdoa, sem falar nos trem de pena e nos pequenos marsupiais, que rondam a orla da mata fechada em busca da iguaria, muitas arvores estão sem folhas e toda mata começa a pedir socorro, essa pequena águada também faz brotar o capim na queimada onde os Campeiros fazem a sua festa.
É a época do Jatobá, do Tamburil a orelha de macaco, da Caraíba com suas flores amarelas, dos Ipês e as aleluias logo após a chuva do caju (formigas aladas), tomam conta do cerrado em grandes quantidades, onde vão formar novas colônias, é a festa da passarinhada, da perdiz, das codornas a tesourinha aparece, tiranídeo que é devora o maior número possível de aleluias,
Outubro o céu começa a se pintar  com nuances escuras anunciando a mudança do clima e em meados de outubro se inicia a época das águas,  com pouco tempo a paisagem se transforma agora o verde toma conta de tudo, a Perdiz canta no campo buscando se acasalar, os pássaros fazem algazarra, e uma felicidade imensa toma conta de tudo, nada mais bonito que ver do os Veados campeiros saltarem de felicidade ao cair uma garoa, as varas de porco transitam mais, e as estradas de terra batida passam a ser a prova viva do movimento da vida no Goiás, é rastro para todo lado, alguns Jatobazeiros ainda despejam frutos no chão da floresta, e o Tamboril  também já chega no fim da sua produção, agora molhado e amargo somente a Anta mesmo para aprecia-lo.
Novembro o verde retorna a campina e as matas se renovam, os trieiros começam a se fechar e num toque magico da mão do criador tudo se transforma, os rios ganham força, os peixes sobem na piracema, e os rios, córregos, riachos e lagoas ganham corpo, agora tem água para todo lado reservatórios naturais para resguardo da próxima seca.
Dezembro é o início do verão e tudo já se transformou a cortina de chuva é constante, o céu está sempre carregado, a Copaíba o Pau d´óleo em alguns pontos começam a florir, a mata fica multicor, e a vida se torna fértil e prospera para mais um ano de lida nos rincões do meu Goiás.
         As fruteiras são as meninas dos olhos dos bichos e dando ela aguardo ou não, cada uma tem sua importância na vida que pulsa no Centro Oeste, cada uma com sua força, sua vantagem e desvantagem, seu sabor, sua cor, seu cheiro.
         De certo eu digo uma coisa, a natureza surpreende mesmo pois a maioria da frutas e flores chegam no cerrado justamente na época que os animais mais necessitam de alimento, e isso é a mão de Deus.
Gabiroba é fruta suculenta, variando de cor do amarelo ao avermelhado, com seu sabor amargo frutifica geralmente em setembro, da mesma família da goiaba é iguaria para a paca, a cutia, jacus e outros vivente, paca chega a fazer barrigada somente da pequena fruta, mas muitos pássaros e animais se alimentam dela.
Mirindiba é árvore vistosa, bonita de se ver quando se cacheia de frutos, e isso tanto acontece ela tendo 3 metros ou até com 25 metros de altura, suas folhas aveludadas de tom verde escuro se concentram mais na pontas dos galhos. Seu fruto cheiroso e de cor amarela para o laranja é chamariz para todos os viventes, existe dois tipos da fruteira, a mirindiba-da-mata (Buchenavia tomentosa) tem a fruta maior e folhas menores e mais lisa. A mirindiba-do-cerrado (Buchenavia capitata) tem a fruta menor e folhas maiores mais ásperas, quando dá num ano falha no outro, é sem dúvida alguma a preferida da bicharada. A época da florada varia por demais do clima e do lugar, algumas começam a florir em janeiro, e o fruto amadurece entre agosto até meados de outubro, mas na maioria do Goiás está boa de aguardo entre meados de julho e agosto para meados de setembro.
Umbaúba é arvore de beira d’água, mas também frutifica no cerrado, arvore de tronco leve e bom para boiar, quando menino adorava fazer jangadas com tronco de umbaúba, seu fruto de cor marrom lembra uma banana, é de bom sabor. Normalmente é em julho mas varia até fevereiro dependendo do clima e da região, lembro-me o tanto que dava trabalho derrubar o fruto da umbaúba que eu tanto gostava de comer quando fazia minhas caçadas de estilingue a beira dos rios do centro oeste. Muitos bichos apreciam seu fruto, paca, macacos e um bando de trem de couro frequenta a fruteira, mas os pássaros é que fazem a festa, principalmente o corrupião com sua cor laranja e preto se destacando com o azul do céu do Goiás.
Pau d´óleo ou a Copaíba, é arvore vistosa de bonita, e logo se destaca no meio da mata com suas folhas miúdas e de tom avermelhado, os antigos esperadores tinham e passaram a crença de que bicho que come do Pau d´óleo é difícil de morrer, se isso é verdade eu não sei, mas que parece ser verdade parece, pois eu já ouvi esse relato da boca de muito mateiro que garante de pé junto ser fato real,  outro fator certo é que o gosto forte da fruta impregna na carne do animal que ali se alimenta , dá aguardo tanto na florada como na queda do fruto , a florada  varia de dezembro a março, mas logo se  cacheia de frutos que começam a pintar o chão da mata variando de junho a outubro.
Baru floresce em meados de outubro, mas os frutos amadurecem e caem em agosto, sua castanha é alimento de muito vivente também, mesmo muita gente não dando atenção ao baru, ele tem sua importância no ciclo do cerrado.
Murici tem uma grande variação dessa frutinha cheirosa, tem o  murici-rosa que é típico das várzeas, o murici-do-brejo é típico dos murunduns, muricizão e outros muricis no campo, cerrado e cerradão, porem ambos estão recheados de frutos em meados de dezembro, alguns frutificam de maio a setembro, e isso vai variar muito do tipo, do clima e da região, trem bom é uma boa cachaça com a fruta em fusão, o fruto cheira longe e a paca e cutia chega a sair da mata para se banquetear com a queda dos pequenos frutos, que também alimentam a muitos animais.
Canudeiro  também é conhecido como bonequeira, e outros nomes mais, é uma arvore típica da área mais aberta do cerrado e iguaria para o veado campeiro, mas é apreciada por muitos outros bichos como a anta, o cateto, sua flor branca e carnuda aparenta realmente algo saboroso,  muitas vezes se destacando no ermo do cerradão, ou mesmo a beira das campinas com suas flores grandes e brancas, florescem em meados de junho a julho podendo variar até o mês de agosto.
Cagaita tem da amarela e da vermelha, e é trem para se comer pouco, pois o nome faz justiça a fruta que solta o intestino que é uma beleza, inda mais se tiver quente de sol, ambas florescem nos mês de agosto até setembro e os frutos amadurecem entre setembro até outubro quando inicia as primeiras chuvas, a porcada não perdoa e sai limpando o chão, o Catingueiro também come, o lobo Guará, a raposinha e outros mais, alimenta uma infinidade de pequenos animais e pássaros.
Mangaba é trem bom demais, lembra o gosto do abacate, e é manjar dos Deuses para dona Anta, mas depois que amadurece acaba rápido, geralmente floresce de julho a setembro e os frutos amadurecem entre setembro e dezembro, é típica do cerradão, a passarinhada também faz festa, mas como falei é banquete rápido.
Pequi é sem dúvida alguma o fruto mais conhecido do cerrado, típico na culinária goiana e mineira, ninguém resiste a um bom arroz com pequi, ou uma galinha caipira, o fruto sempre foi admirado pelos índios brasileiros, mas é a esperada mais injusta que existe, principalmente se tratando dos veados, que estão na época da reprodução, suas folhas mudam antes da florada e logo o pequizeiro fica todo vistoso se destacando na cor opaca do cerrado, suas flores brancas com pontas amareladas, são carnudas cheirosas, e é a salvação de alimento para época da seca, é o ponto forte da espera mas no fruto também dá bons resultados, muitos viventes adoram se fartar com a flor que cobre o chão no amanhecer e no fim do dia, mas com a primeira chuva azeda e o rendimento cai bastante,  geralmente floresce entre julho e setembro e os frutos a amadurecem entre outubro e dezembro, podendo falhar ou variar de acordo com o clima e o local.
Bacupari tem o rasteiro de chão e tem o de pé, nas campinas não cresce muito mas na mata vira arvore grande, típico do cerrado, sua casca amarela aveludada, guardam no interior um caroço com uma polpa saborosa.  Muitos animais e aves se alimentam dele, o bando de queixadas quando passa faz o limpa, frutificam geralmente entre dezembro e abril podendo variar, gostoso por demais para se comer cedinho ainda geladinho do orvalho da noite.
Marmelada florescem de agosto a fevereiro. As frutas amadurecem de julho a setembro, indo do verde ao roxo. Os outros marmelos frutificam de novembro a fevereiro. Há marmelos macho e fêmea, que se diferenciam pelas flores: as flores masculinas são pequenas e aglomeradas; as femininas são grandes e solitárias. É necessário ter machos para que as fêmeas produzam frutas, lobo guará, anta, raposa e muitos viventes gostam do fruto.
Jatobá  é arvore grande que se destaca na mata, com folhas arredondadas de tronco grosso, floresce entre novembro e janeiro e os frutos amadurecem entre julho e setembro, lembra um grande amendoim, com um pó amarelado sem seu interior, as cutias e pacas roem sua casca grossa e marrom, dona anta também adora o jatobá, assim como os queixadas, catetos e muitos viventes da mata como os quatis, o guaxinim o mão pelada e outros viventes mais.
Ipê é arvore bonita que embeleza as matas e o cerrado do centro oeste, os ipês do cerrado florescem de julho a agosto e os frutos liberam as sementes entre setembro e novembro. Os ipês da mata florescem e frutificam de agosto a dezembro. O ipê-branco-do-brejo (T. dura) frutifica duas vezes ao ano, entre março e maio e entre setembro e novembro, o veado anão, o catingueiro e o mateiro apreciam a flor do ipê, assim como muitos outros animais, mas dependendo da região tendo outra fonte de alimentação é florada de pouco trieiro.
Ingá é o fruto da ingazeira, vargem com caroços de popa carnuda, geralmente florescem entre março e abril. O ingá-de-metro e o ingá-mirim frutificam em julho e agosto, mas podem frutificar mais vezes por ano, se houver disponibilidade de água. O ingá-mirim e o ingá-facão frutificam entre setembro e outubro, muitos viventes se alimentam de seu fruto principalmente os macacos, tucanos e aves em geral.
Tamboril também chamado de orelha de macaco, tamburil, e outros nomes mais, floresce e frutifica de julho a setembro, é festa para os queixadas, veado mateiro, e outros cervídeos, dona anta adora, comum em grande parte dos Goiás é aguardo de boa qualidade, é arvore alta de copa encorpada que de longe chama a atenção até dos que nada tem de mateiro.
Caju também chamado de cajuí, típico dos campos e campinas do cerrado o caju rasteiro flora em julho e frutificam em setembro, é alimento perseguido pelo lobo guará, pela anta, pelos catetos e muitos andantes do cerrado, até a ema come dele, pequeno e com pouco doce, ainda é apreciado para doces e sucos.
Lobeira é sem dúvida uma das frutas mais mal interpretada do cerrado, suas  folhas espinhosas e seu aspecto rustico, chama atenção quando floresce, suas flores pequenas e roxa realmente é uma das mais bonitas no meu ponto de vista, existem dois tipos de  lobeira, a da mata  que frutifica entre agosto e outubro e a  lobeira do cerrado floresce e dá frutos entre março e julho, seu nome vem do apreço que o lobo guará tem pelos seus frutos, que também é apreciado pelas raposas e outros viventes prevalecendo os canídeos.
Buriti também chamada de Palmeira do brejo Floresce quase o ano inteiro, com maior intensidade de janeiro a abril os frutos amadurecem principalmente de novembro a janeiro, seu fruto é muito apreciado para doces e licor, paca, catetos, queixadas, anta e muitos outros bichos apreciam seu sabor, vistoso se sobressai nos brejos e é sinal de presença de água para.
Caraíba sua flor amarela é muito confundida com a do ipê, floresce de julho a agosto levando coloração ao cerrado castigado pela seca, catingueiro faz trieiro para se alimentar de suas folhas que cobrem o chão da mata, chega a defecar amarelo.
Araticum também conhecido como cabeça de nego floresce em agosto e setembro e os frutos amadurecem de março a maio, seu cheiro vai longe, e quem come dele arrota seu sabor por longo tempo, chama a bicharada de longe, muito apreciado pelos canídeos, porcos e pela anta.
Falar dos frutos e flores do cerrado é uma tarefa árdua e ingrata, pois a variedade é tão grande que se eu falasse de todos daria um grande livro, dei prioridade aos mais conhecidos, mas por ai já se tem uma ideia da riqueza e variedade do clima, flores e frutos do cerrado, espero ser útil a muitos amigos que gostam desse tema e também amam esse bioma maravilhoso e incompreendido por muitos que prevalece no centro oeste do Brasil, principalmente no meu tão amado Goiás.

Bello 18-09-14
         






OS OPORTUNISTAS

         Tião era cabra franzino, só foi pegar corpo depois dos 30, desde a infância foi incutido de lida com bicho, passava o tempo de recesso da escola na fazenda do seu avô perambulando pela mata e matando o que conseguia colocar na mira da sua bate bucha, caçada e pescada era basicamente seu meio de vida, e dessa forma se fez grande conhecedor dos mistérios da ciência desse povo treiteiro que persegue a caça feito onça parida e o peixe feito ariranha de bucho vazio.
         Mas Tião era home difícil, de temperamento opinioso e resmungação sem sentido,  sem o menor conceito de consideração ou mesmo amizade, se lhe tivesse serventia estava junto, se não, apartava, e para rancar o couro não tinha dó, assim como fazia com os bicho, fazia com aqueles que lhe admiravam, era uma questão de tempo, bastava dar bobeira.
         Na pequena vila em que tinha moradia, era famoso caçador e como os tempo tinham mudando, o jeito do povo ver as coisas também mudou, essa fama além de ser pesada, por ser visto como destruidor da natureza, lhe trazia o olho gordo da lei, que agora tratava morte de bicho feito assassinato de gente.
         Mas isso num assustava o veio Tião, ele se sentia inatingível, e quando os mais novos vinha pedir um ensinamento de caçada ele além de humilhar inda caçoava deles, e isso o fez muito mal visto nas redondezas, conhecido como oportunista e tirador de vantagens.
         Amigo fiel dos que lhe podiam trazer benefícios e inimigo mortal daqueles que nada tinha a oferecer, o trem bom mesmo era o que estava sob sua posse, o do alheio, nada valia, e esse jeito complicado de lidar com as pessoas lhe trouxe muitas picuinhas de calunia desmedida.
         Na vila em que Tião tinha morada, também viva um homem por nome de Manoel que era seu aprendiz de caçada, e seu capacho. Tudo Manoel fazia para agradar o desagradável e ganancioso Tião, que pisava nele o humilhando de todas as formas possíveis, mas o tal Manuel não ficava pra traz, em matéria de ser parecido com seu mestre, afinal nada mais justo do que lobo andar com lobo, os dois se faziam por merecer.
         E nessa Tião pisava em Manoel e vice versa de forma que era um tentando passar a perna no outro, na falta da moral, o que manda é o oportunismo.
Inté que um certo dia, Tião descobrindo uma macega de mata repleta de caça escondeu do velho amigo o rumo que estava indo, tinha que garantir o cobre do bolso pois sempre tinha uma paca, ou um queixada, ou um mateiro para vender, sem falar nos tatu, e outros trem mais, fazia isso as escondidas, sempre a sete chaves, mas muitos comentavam e sabiam dessa sua treita de vender caça.
         E assim se foi por um bom tempo, sem saber Manoel também descobriu o mesmo local, e a ganância o fez ficar calado, queria tudo só pra ele, mas nunca imaginou ser o mesmo ponto do amigo, e como Tião a muito tempo vinha negando empreitada, resolveu também comer calado, e com o olho grande de querer ter mais peças para vender, resolveu preparar uns dez trabucos de calibre pesado, daqueles que ficam armados e quando o bicho passa no trieiro e esbarra na linha ele desarma atirando e matando o desavisado.
Então Manuel em um fim de tarde andando pela mata para armar as armadilhas encontrou um trieiro batido e imaginou ser caminho de mateiro ou queixada, com pouca experiência e  sem pensar muito pois o sol já ia lambendo os montes procurando a noite, armou ali três trabucos, para garantir a morte do mateiro, o que ele não sabia, era que ali era o trieiro do velho Tião no rumo de uma ceva bem escondida, que ele logo a frente sempre mudava o rumo pra não ficar marca de andança de gente, para que ninguém achasse a ceva.
Naquele mesmo dia Tião atrasado com seus afazeres chegou tarde na mata, já quase escurecendo ele rompeu rápido pelo trieiro com a traia num saco de linho, e a cartucheira 28 nas costas, foi quando se esbarrou no primeiro fio da armadilha fazendo disparar o canhão, o tiro de calibre pesado e muita pólvora, fez um estrondo gigantesco na mata, apesar de ter sido carregado com chumbo médio estourou sua perna e ele caiu gritando, o saco foi para um lado e a 28 para o outro, sangue escorria  feito boca de nascente para todo lado, ele tentou levantar, e caiu de novo, foi se arrastando e deu com o segundo fio que acionado, fez disparar a outra armadilha acertando seu pescoço e parte do rosto, tentou se arrastar mais ai não teve mais força, o tempo escureceu e findou ali sua trajetória de caçador afamado.
No outro dia cedo Manoel chegou para conferir o que tinha pegado os canhões, desapeou da mula, juntou dois sacos no lombo e foi confiante de que teria no mínimo uma feira para levar para casa, com mateiro, tatu, paca, cotia, seria como fazer compras na bodega, porem ser ter que passar na presença do velho Caixeiro para deixar o cobre.
Passou na primeira armadilha e tinha um verdadeiro pra mais de 5 quilos, sorriu confiante do bom resultado, passou na segunda e nada, inté que pontou no suposto trieiro do mateiro, ai o desespero tomou conta da sua alma, viu no chão banhado em sangue o companheiro Tião, na agonia largou tudo e correu para acudir o amigo achando que ainda estava vivo, mas quando tocou no companheiro e sentiu o corpo já resfriado pela morte entrou em completo desespero,  e no vai pra lá, vem pra cá, acabou se esbarrando no terceiro canhão que disparou acertando suas duas pernas, sendo que a direita ficou mais ferida e rompeu veia grossa de forma que o sangue esguichava longe.
Ai foi que Manuel ficou doido mesmo, danou a chorar e a gritar por socorro, a chamar por Deus e por tudo que é santo, e como estava longe demais da mula, sentiu a morte tocar seu rosto, tentou levantar mais não conseguiu, o desespero lhe tirou o pensamento, junto com isso veio o remorso de ter matado o melhor amigo, e foi se arrastando até onde suas forças conseguiram lhe levar.
Quatro dias depois Seo Policarpo, o vaqueiro da fazenda viu de longe a rodia de urubus acima do capão e pensando se tratar de treita de onça em criação foi assuntar do que se tratava, passando pela vereda encontrou a bicicleta de Tião escondida numa moita, e logo estranhou. Do outro lado já beirando a mata deu com a imagem da mula amarrada e já deitada sem forças, entrando no trieiro logo topou com o corpo de Manuel que faleceu a uns 20 metros da mula, rancando capim com a mão tentando chegar no socorro, entrando mais na mata acompanhando o movimento dos urubus, deu na batida de Tião e logo abaixo encontrou seu corpo já repleto de formigas e bicado pelos carniceiros.
Ai foi um furdunço de disse e me disse, para chamar as autoridade e levar os corpos para o vilarejo, o velório foi simples e com pouca gente, mas o que me marcou mesmo foi o sermão do vigário que dizia assim.
A arrogância aniquila toda sabedoria.... A ganância aniquila toda sabedoria.... O desprezo aniquila toda sabedoria.... A soberba aniquila toda sabedoria...Porque  sábio é aquele que  entende que somente a humildade e o bom senso são capazes de sustentar o peso do conhecimento.
Na hora eu não entendi o porquê disso, mas depois de um bom tempo fui entender o porque do vigário ter falado daquela forma, fiquei sabendo que ele por ser um amante das caçadas e das pescadas, tinha sido uma vitima da dupla de oportunista que além de tirar vantagem dele ainda o humilharam por muitas vezes, se aproveitando da sua paixão pela caça.
Muitas vezes o fizeram pagar toda a despesa, e depois o colocavam na pior espera, usavam e abusavam das suas posses, vendiam apetrechos a preço de ouro e  por se acharem os donos da razão sempre o tratava com total desprezo.
Moral da história...Ser humilde é a maior demonstração de sabedoria pois quem muito quer...Nada tem...
Bello 30/05/2014.















A VISAGEM

Era uma manhã de sábado quando decidi passar a noite em uma área isolada da fazenda, uma velha chacará abandonada, onde tinham algumas mangueiras antigas cercada por uma cadeia de serras de mata fechada e cortada pelo rio Tocantinzinho, após o almoço, uma bela leitoa assada no fogão de lenha, tirei um bom cochilo, uma pestana pra carregar as baterias como dizem por ai, mas lá pras duas da tarde já estava ajeitando a mochila para pegar o trecho...
O sol forte se contrastava com o horizonte nublado que anunciava chuva, mas como as nuvens estavam meio bandoleiras e o vento agoniando as formações no céu, penseii que era apenas barulho do tempo, apesar da lavoura pedir água, chuva boa mesmo já tinha uns 10 dias que não caia naqueles sertões do Goiás.
Dona Ana já tinha coado o café e ajeitado a marmita com uma boa farofa de carne de sol, dois sanduíches com carne ao molho e umas frutas, a idéia era passar a noite, então era melhor estar prevenido, capa de chuva e uma lona impermeável para armar acima da rede, melhor prevenir do que remediar, lanterna, pilha reserva, repelente e uma roupa de frio, ao lado da mochila a velha companheira CZ .22LR, com dez castanhas CCÏ, e perna pra quem te quero.....rumo ao destino...
O velho companheiro Genaro ainda pegou uma carona ate a divisa da lavoura onde ia passar o fim de tarde na espera de cotia, num capão a beira da lavoura, no caminho ainda tentei convencê-lo de passar a noite lá nas mangueiras comigo, mas ele num redou o pé...
_Vamo Home, vai ser aventura....
_Não muito obrigado fico com minhas cotias, ocê vai, num tem erro não, dispois do colchete é só beirar a lavoura dois quilômetros depois vai dar no colchete que tem uma tira branca que entra pro cerrado, dipois a estrada acaba a 100 metros da beira do rio, vai bater uns 20 quilômetros da casa até lá...
E fechou a cara ajeitando o cigarro de paia, pra quebrar o clima pedi que fizesse um palheiro pra mim, e ele oiou serrado, esticando a mão com o cigarro enrolado a ponto de só passar a saliva e prender a palha...Pega esse..... Chegando a beira do primeiro colchete já dava pra avistar a lavoura de milho que brotava confundindo a cor vermelha da terra com o verde da vida, parei o carro, desliguei o motor e desci, Genaro abriu a porta calado, e desceu do carro separando sua traia e acomodando a beira da estrada.
Pitando seu cigarro de palha apenas acenou e me desejou boa sorte..
Segui a estrada, o sol se fazia forte no céu, a lavoura verde circulava a estrada junto ao velho curral onde um casal de seriemas fazia a farra, não tive dificuldades, logo chequei no primeiro colchete e seguindo a estrada no segundo com a tira branca, entrada do cerradão, seguindo a estrada esburacada de  pouco uso, avistei a serra lá embaixo, já podia ver a mata fechada cobrindo os montes, e no meio de tanto verde o velho rio Tocantinzinho galopando as pedras em busca do seu caminho.
Logo a estrada acabava em uma mata fechada que o sol fazia força para entrar, porem era impedido pela copa frondosa e cheia das grandes arvores, parei desci a traia, abri o porta malas e  procurei na bolsa térmica um refrigerante gelado para aliviar o calor, joguei a mochila nas costas e por um trieiro raso marcado pela andança das antas segui até a beira do rio, lá uma velha ponte caída tinha a muito tempo virado comida de cupim, então tive que entrar na água e atravessar, tirei a roupa coloquei em saco plástico e fui molhar o corpo, ao chegar do outro lado aproveitei para tomar um bom banho e me refrescar do escaldante calor da mata, já vestido e pronto, segui trieiro a fora, e continuei a caminhada passei por uma velha tapera desabada, no chão algumas ferramentas e panelas, tudo velh e amassado, e tomado pela ferrugem, vestígio de um antigo morador, cortei o capinzal e logo chequei a velha mangueira, o chão repleto de sementes roídas de paca e cotia, trieiro vinha de todo lado da mata , abaixo o rio corria forte enchendo a mata com o ronco da correnteza, o que me atrapalharia demais escutar o romper da bicharada durante a madrugada.
Tirei a mochila pesada das costas, apoiei a arma na mangueira, retirei o boné  com a ponta do facão juntei tudo que era manga em dois pontos que estavam ao alcance do tiro, conferi as entradas, tinha  trieiro vindo de todo lado, chega tava fundo do vai e vem da bicharada, caroço roído sem castanha amontoado pelos cantos denunciava a festança das pacas no romper da noite, outros espalhados pelas cotias se faziam bandoleiros um cá outro lá, pendurado pelo talo muitas mangas comidas pelos periquitos e pássaros, então sorrindo pensei....A noite vai se movimentada...
Subi ajeitei a rede, pendurei tudo, já sentado a rede, armei a velha CZ, estava molhado de suor, tratei de tirar a camisa me enxugar e vestir uma outra seca, fiz uma boca de pito com um cafezinho que Dona Ana passou pra mim e acendi um palheiro, fiquei ali contemplando a mata fechada que subia a serra, embalada pela cantoria dos passáros, de longe um mutum piava fino como que avisando...Esse território é meu.
O sol já ia longe e nada das cotias chegarem, o relógio batia 18:15, e até o momento nem periquito passou para beliscar as apetitosas mangas que pintavam de amarelo avermelhado o verde da mangueira, fiquei meio cismado, e aos poucos a noite veio chegando, ainda era 20:30 e ainda não tinha escurecido, resolvi tirar uma pestana e me preparar para longa noite que estava por vir, o céu estava limpo, algumas nuvens negras fitavam longe no horizonte, mas eu tinha certeza que vinha chuva na madrugada.
Quando despertei já estava escuro, me ajeitei na rede e fiquei atento, buscando de longe os pequenos ruídos da mata, o silencio somente era quebrado pelo roncar da corredeira que ecoava mata a dentro, e assim se fez até a meia noite, já desconsolado na certeza de que nada ia vir, fiquei matutando o que poderia estar acontecendo, de certo alguma onça deve ter beirado a mangueira espantando os outros animais.
De repente ao longe avistei uma luz azulada, que parecia uma lanterna grande de led, mas ou menos no rumo dos escombros da velha tapera caída, beirando o pequeno trieiro, fiquei olhando, e essa luz veio em minha direção, lentamente como que uma pessoa caminhando com uma lanterna, imaginei ser o velho Genaro, então me ajeitei na rede e me coloquei a observar, e a luz veio clareando o capinzal até beirar a mangueira, nesse momento já clareava ate minha mochila pendurada nos galhos.
Sem entender direito e meio atônico, chamei pelo nome do companheiro...
Genaro, é você....E nada de resposta...
De repente a luz se apagou, cismado empunhei minha lanterna e iluminei tudo ao redor..Nada... Não tinha ninguém, nesse momento uma enorme ventania entrou na mata fazendo regaço e balançando tudo, chacoalhava as arvores cantando feito assovio por entre as folhas, o céu escureceu escondendo as estrelas, e de longe escutei o romper da chuva ecoando na copa das arvores.
De repente ....
Pooooooooooooooooooooooooooooooooooou...Um disparo, a velha CZ disparou sozinha, quase me matando de susto, coisa que ao longo de 18 anos na minha mão nunca tinha acontecido, fiquei sem entender, acendi a lanterna e conferi a arma, meu Deus...
Não tive muito tempo para pensar, pois a chuva vinha forte e mais que depressa tirei da mochila o telhadinho de lona de guarda chuva e estiquei em cima da rede, com um saco plástico grande protegi a mochila, e coloquei a velha CZ, embaixo da lona, foi só o prazo, e a chuva chegou, um temporal repleto de raios e relâmpagos, ainda deu prazo para um café e um pito, e o mundo desabou em água....Fiquei ali perdido em meus pensamentos, preocupado com a chuva, os raios e a luz azul que cortou o capinzal, e por ultimo a arma disparar sozinha, muito estranho.
 E nesse vendaval de pensamentos adormeci, quando despertei ainda chovia e o dia vinha desmanchando a barra da noite com pinceladas de cor amarela mesclando com o laranja e o vermelho, alguns pássaros ensaiavam o canto encorujados pelas penas molhadas esperando para se aquecer ao sol, nesse momento já comecei a arrumar a traia, tirei a lona, dobrei, ajeitei a mochila, desamarrei a rede ensaquei, e desci.
O pensamento ainda batia no acontecido da noite passada, e a cabeça buscava uma explicação, fui até o local que a luz parou, tentando achar uma pegada ou rastro de algo, ao remexer o capim uma velha cruz caída e já consumida pelo tempo anunciava uma velha sepultura, algumas letras que sobraram na velha cruz indicavam o nome do falecido, senti um enorme arrepio, mas uma sensação de paz...
Baixei a mochila no chão, e ali me ajoelhei e fiz uma prece, pedi a Deus que abençoasse aquela alma, que desse a ela descanso, e após uma longa oração ainda roguei um Pai Nosso e uma Ave Maria, me levantei e fiz trieiro rumo ao rio, as águas corriam claras acompanhada da neblina da manha, atravessei devagar com a traia no lombo e logo estava no carro de roupa trocada, subindo a serra..
Chegando na sede, pequei o café da manha quentinho na mesa e durante a comilança, contei o acontecido ao velho amigo que no meio de muita gargalhada me contou sobre o caso do velho morador daquele lugar, um homem simples e bom, que foi assassinado por seu melhor amigo por conta de uma divida banal e enterrado por lá mesmo pelas mãos do assassino, era um velhinho batuta, baixinho, bem branco de olhos azuis, e que detestava a presença de caçadores, chamava os bichos da mata de meus bichinhos.
Uma coisa eu tenho certeza, que explicação pro ocorrido pode até ter, a luz não sei o que dizer, mas a arma disparar pode ter sido obra de um camundongo desses que sobem na arvore que pisou no gatilho doce e a fez disparar, agora a luz parar justamente na sepultura do velho morador do lugar é realmente de encabular, se foi ilusão. ou, se foi real, eu não sei dizer, mas que Deus tenha a alma daquele velho homem que teve a vida ceifada por um falso amigo, e que se a alma dele cuida da bicharada daquelas matas, que seja assim, eu com certeza tão cedo não volto por lá, porque segundo meu amigo Genaro...
É lugar de visagemmmmmmmmmmmmm.....

                                                                                                               Bello 19/09/12

3 comentários:

  1. Belo causo, meu véio. Sabe, cumpadi, todo esperador, chega um dia acaba dando de frente com uma visagem dessas. Um amigo meu esperador, esperando na boca da mata, de frente uma roça de milho já derrubado e ajuntado no meio dela, uma vez viu uma luz alaranjada vir e pairar em cima dos milho ajuntado e subia e descia, subia e descia, até subir na maior velocidade do mundo. Num carece dizer que ele arrumou a traia e cascou de volta pra sede da fazenda....rsrsrsrsrs....

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  2. É Belo, ocê demora escrever, mas quando escreve... É um trem de encher o zóio de água!!!!
    Sina de Mateiro é simplesmente o causo perfeito!!!

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  3. Muito bom teus causos, é de encher os olho que tenha gente que preserva nossa cultura caipira e nosso costume de contar causo. Abracos!

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