CAUSOS E CONTOS

PATO COM CABAÇA



PATO COM CABAÇA....

                        Sebastião era negro treiteiro, e cheio de causo acomodado na cachola, inté que muita das vezes se misturava a contar nas rodas de prosa suas feitura a beira da fogueira, causos que era bom demais de se ouvir, lembro de um que me chamou a atenção e que agora trato a narrar procês..Pato com cabaça...
            Saindo a porta da velha casa, avistava-se ao longe a lagoa Inhuma, lagoa grande de água boa,  de traíra criada, curimatã de 5 kilos, jacaré tinga, capivaras e outros trem mais, mas o trem veiaco e difícil que atinava a paciência de Bastião era os pato, podia negacear de todo modo, o bicho tinha olho apurado e logo batia assas rumo a mata, ele já tinha tentado de tudo, ficar na chocha, embrenhar no capinzal, esperar antes de amanhecer e nada, resultado pouco e muito sofrimento...
            A velha 20, com cartucho carregado a marra, de pólvora fraca, e chumbo grosso, não era a arma ideal, e nem carrego próprio pra essa lida, era tiro comprido, carga perdida, e tiro perdido não podia, afinal tudo ali era difícil, e cada tiro tinha que render no mínimo dois a três dias de carne, afinal com sete filhos pra mó de comer, a lida era um tanto dura.
            Inté que um dia um homem aprumado da cidade apareceu por lá com um tal de binóculo, trem chique que oia longe, novidade nas mãos do sertanejo que vivia isolado do mundo a beira da mata, vivendo do plantio , da pesca e da caça...Ele achou bom demais o trem e danou a curiar a paisagem passando pela mata, vendo o velho jatobazeiro carregado, dava inté pra ver os bagos pendurados exalando seu marrom escuro, foi passando, inte beirar as águas da lagoa, ai bateu forte o coração...Oia o patão lá, oi o bruto....
            Olhando bem notou que o pato beliscava uma cabaça velha que boiava ao seu lado, ai bateu feito mão de pilão ao pisar farofa de anta a idéia de como pegar os bicho,....Cabaça, ele num tem cisma com cabaça...É isso....
            No dia seguinte acordou tão cedo que sapo ainda coaxava na lagoa , ajeitou a carroça, buscou a mula, arriou, e seguiu estrada afora, foi uma légua a frente e passou a manha nessa lida, quando beirou o meio dia, oia ele chegando, na carroça tinha umas mil cabaças, cabaça pra dar de pau,  inté os cachorros estranharam e danaram a latir, e a muié  lá do alpendre da cozinha, indagou o companheiro. Homi que diacho é isso, onde ocê vai com tanta cabaça, é pra vender é?
            Quenta não nega, é treita minha, respondeu sem parar o serviço, e no meio de tanta peça escolheu uma boa, grande e separou, guardou no paiol e subindo novamente na carroça e seguiu para lagoa, chegando lá foi jogando cabaça pra todo lado inté a lagoa ficar coalhada, cansado e suado, parou a sombra da gameleira, limpou o suor da testa satisfeito com o resultado....Agora é só esperar o resultado, pensou feliz na sua treita...
            No dia seguinte logo cedo foi se empoleirar em um pau ferro para ver a reação dos patos com as cabaças, os bichos passavam voando e cismados nem sequer desciam, o homem ficou tenso, imaginou tremendo  as mãos, vai ter jeito não, eita trem veiaco..
            Com alguns dias se passaram e os patos já estavam nadando na lagoa, mas ainda cismados com aquele horror de cabaça boiando, passavam de longe, curiando como quem pergunta..que diacho é isso? Mas o tempo agitado findou-se meses e por fim eles estavam lá na maior zorra, nadando pra lá e pra cá, bicando cabaça, como se nada mais representasse risco...
Chegou a hora, atinou Bastião, foi ao paiol pegou a cabaça que ele tinha separado, aprumou o serrote e cortou acima do gargalo duma forma que entrava na cabeça, procurou em meio a traia a furadeira de arco, companheira nas lidas de cerca e fez dois buracos no rumo do olho, colocando a cabaça na cabeça, tava pronto pro combate....agora era deixar ela uns dias na beira da lagoa pra pegar cor e perder o cheiro...
Dispois de uma semana lá foi ele, resgatar a cabaça e preparar os trem pra lida pro dia seguinte, ajeitou uma calça grossa, e um cinto forte, amarrou um arame a altura do joelho e puxou fazendo um pendurico até a cintura, bota, camisa de manga, colocou tudo beirando o alpendre, nessa noite dormiu pouco tava ansioso pra ver se a treita pensada iria funcionar...
O galo nem tinha tido mensão de cantar, e passarinho ainda dormia quando ele se levantou,  vestiu-se, pegou a cabaça preparada e rumou para lagoa, chegando a beira no local onde os patos mais apreciavam, colocou a cabaça na cabeça e entrou até dar água no pescoço, ficando somente a cabaça de fora, pelos furos via o que acontecia ao seu redor, o sol já colocava a cara pra fora dos montes quando de longe ele avistou a maloca de patos em sua direção, foram chegando, devagar e aos poucos tomaram conta de tudo.
Bastião sem torcer um músculo, respirando manso e quieto que nem menino arteiro, ficou a espreita, toda vez que um pato se aproximava ele com toda calma do mundo ia com a mão e garava nas patas do bicho e afundava ele, torcia o pescoço e amarava no pendurico, uns olhavam de longe, desconfiados, os mais próximos se afastavam, mas nessa brincadeira ajeitou seis butelos gordos pra encher as panelas de come pra fiarada, saiu da água as 9:00 rumo a casa contente, porque sua treita deu certo, e por um longo tempo naquela casa, saiu fumaça do fogão de lenha acompanhada do cheiro delicioso de pato cozido........
Diz ele que isso é pura verdade, e que pra quem duvidar do causo é só ir lá que ele ainda guarda a veia cabaça cortada e furada no empoeirado paiol, e pato nunca mais fartou na mesa..kkkkk


Bello 16/06/2012


Sem comentários:

Enviar um comentário