APRENDIZ DE
CAÇADOR
Genaro era homem rude, nascido no
sertão da Bahia, em uma pequena cidade a beira do Rio Itareru chamada
queimadas, saiu ainda menino com o pai para tentar a vida no Centro Oeste,
naquele tempo boiada viajava com boiadeiro e a lida levava de quatro a seis
meses, nas andanças pelo cerrado, acompanhava o pai montado a cavalo cuidando
do rancho da comitiva, era o cozinheiro, seu Osvaldo negro alto e treiteiro das
trilhas do mato era o caçador, homem responsável em caçar para garantir a carne
que alimentava a turma de homens que cuidavam
do rebanho.
Em todo momento de folga Genaro
grudava em seu Osvaldo arrumando um jeito de lhe acompanhar em uma caçada,
dizia sempre, quero ser igual o senhor, caçador de comitiva, ando cansado de
fazer comida e lavar carote, adoro ouvir seus causos, bate uma tremedeira de
emoção quando o senhor chega da empreita com a caça, ora era um queixada, ora um mateiro, ora um cateto, ora uma melancia marrom a tal da
paca, as vezes um peba, mas quando o trem tava feio apelava inté pra anta.
Osvaldo pegando carinho pelo menino
passou a lhe ensinar o que sabia, até porque não tinha filho e via em Genaro
uma dedicação que muito não via, com
isso em suas prosas ia sempre passando ensinamento sobre as caçadas e sempre
deixava bem claro. Mun pode atirar em qualquer trem, inté porque tem bicho que
não é caça, tamanduá num é caça, raposa tumbém não, macaco nem pensar, bicho de pena só de cor marrom, pra escuro, perdiz, jaó,
jacu...Mutum não, tenho dó, mutum é casado pra vida inteira, ou mata o casal ou
não mata nenhum, melhor evitar, inhuma é trem azarento, enfeitiça
espingarda, cobra eu num como, mas teiú
acho melhor que frango caipira, agora o
mais importante é tiro certo, bicho baleado perdido é dor no coração do
caçador, melhor deixar ir embora que morrer longe e perder no mato.
Campeando cedo as veis ocê
arranja alguma coisa, no intervalo vai procurar fruteira, se achar tem
espera pra boca da noite, se não campeia
no fim do dia, pode esperar no trieiro tumbém, mas num é certo não, caça grande
só em ultimo caso, é trabaio pra levar e tratar, no fim tem que salgar e secar
tumbém, agora tem que ter pisada mansa, oio firme, porque tem peçonhenta nesse
Goiás pra dar de pau, sem falar da dona da mata, tem onça criada, de dente
afiando e unha de navaia, todo cuidado é pouco, isso sem falar nos vespeiros,
abeia, mirimbondo e outros trem mais, ixiiiiiiii esqueci das aranha, das
formigas e carrapatos...Homi vou parar aqui se não ocê desiste da profisão.
Tem ponto de fruteira o ano todo, em
meados de agosto pra setembro tem mirindiba, frutinha cheirosa que tem mais
nome que meretriz, ai vai de tudo, é fartura inte as hora, tem tumbém a flor do
pequi, paca come, mas é mais certo pra veado, mas só pode matar macho porque nessa época, fêmea
ta prenha, se matar uma ta matando dois, é de achar fiote na certa no bucho,
pode não, inté porque Deus castiga, e a vista deixa de ser fina, ocê para de
ver bicho e passa a errar tiro, nem dianta envenenar espingarda, só se deve
matar o que vai comer, inté porque ocê é caçador e não açougueiro...Hemmm
Onça eu num mato, só se for por
defesa, bicho bunito danado, couro caro, mas pesa na mente, eu num como gato, vou
comer onça, tendo paca, mateiro e queixada, como não, no mais a bicha tem parte
com o coisa ruin, meu avô dizia que ela some virando fantasma e anda sem pisar
no chão e é por isso pega a presa com
surpresa, mato nem...onça num mato não, mas se buli comigo vira tapete.
Se ocê quer abandonar a cozinha tem
que ser treiteiro, aprender o oiar o que os outros não conseguem ver, conhecer
rastro, identificar trieiro, sabe as épocas e conhecer as arvore de fruta, tem
que respirar miúdo, andar manso, e ter oio afiado, como lhe falei, e tem que
ajeitar uma boa companheira, arma fiel e certeira, tem que levar no benzedor,
pra mó de enfeitiçar a danada, e dispois envenenar a bruta, coisa de gente
antiga, ai ocê num perde um tiro e a caça
cai mermo pegando de caspão, presta
atenção porque ocê leva jeito, o principal
oce tem, amor pelas matas e respeito pela caça...
Respeitar a mata e a caça é
principio de caçador temente a Deus, num maltrata, num desperdiçar, respeitar
as cria, a época de amojamento, e nunca exagerar na quantidade, porque o mundo
ta crescendo e cada dia que passa o trem ta ficando escasso, quando era menino
via maloca grande de campeiro pra mais de doze bode, já bati em bando de 300
queixadas, já vi 13 pacas comendo junto na mesma espera, tudo concha, butela de
gurdura larga, hoje o trem ta findando, por causa de açougueiro que se acha
caçador, e de gente que não respeita a caça e a mata, aqui na comitiva as veis
peco na demasia, acabo matando muito bicho, mais tem muito homem pra comer, mas
tando na lida por amor, dois bicho é minha cota, mais de forma alguma.
Genaro
adorava ajudar a tratar os bicho e curtir o couro, que naquele tempo couro era
ouro, tinha valor, tanto que o negão tinha vencimento baixo, ganhava metade que
um boiadeiro e mais um pouco que o cozinheiro, trabaiava mais pensando na
courada do que no mirrado vencimento de caçador de comitiva, mas a bolsa andava
sempre recheada de contos de reis, resultado da courada.
A papo amarelo calibre 44 era seu
xodó, mas não deixava de amar a Sarasqueta cano paralelo calibre 36, passava
mais tempo cuidando delas do que fazendo outras coisas, e assim se passaram os
anos, de viajem em viajem essa turma tocou muito gado pelo Goiás afora, era turma de 20 homens, de
pele queimada, braço forte e muita saudade, Santiago um caboclo fino era
tocador de viola e nas noites de frio adentro, sob a luz da lua dedilhava a
moda sertaneja fazendo o povo apertar o coração, suas modas falavam do campo,
da lida, das comitivas, e em certa ocasião fez uma moda chamada “prosa de
caçador” em homenagem ao Osvaldo, que devido aos trem que acontece no mato que
é difícil de acreditar era tido como resenhista e mentiroso, nada melhor que
escutar a voz macia do Santiago cantando e tocando a beira da fogueira, regado
pela pinga de alambique e carne de queixada assada.
Em certa época entrou um cozinheiro novo e
Osvaldo passou a levar Genaro em suas empreitas, logo o menino franzino, de pé
largo, aprendeu a lida, inté apilidaram ele de feiticeiro da mata, era bruto,
mas sabia olhar um rastro e dizer a hora que o bicho passou, e aos poucos foi
aprimorando na arte da caça e sem ele mesmo perceber os anos passaram, o nego
Osvaldo já não tinha mais idade pra labuta diária da caça por profissão, andava
cansado e adoeceu numa viagem que faziam rumo a Taguatinga do Goiás, caiu na
rede, de febre alta, num aquentava andar e a comitiva não podia parar, tava
perto da região de Cavalcante, ponto do antigo quilombo dos calungas, sabendo
que o prazo da sua vida tava findando, fez o ultimo pedido ao aprendiz...
Quero ser sepultado na mata, na
sombra de arvore alta, prá mó do meu espírito poder sair pra caçar de noite,
promete isso pra mim Genaro, eu quero ser enterrado na terra dos Calunga, ocê
sabe, sou sozinho, num tive prazer de procriar menino no mundo, ocê foi o fio
que Deus me deu, ocê foi o herdeiro de tudo que a vida me ensinou, agora eu to
indo e sinto isso, só quero te pedir duas coisas, me enterre como lhe pedi, e
cuide bem dos meus trem, quero que seja tudo seu, a 44, a 36 e toda a minha
traia, vai ser a forma pela qual ainda estarei pelas matas, sentindo o vento,
cortando o cerrado e espreitando a
bicharada..
Por pouco a voz do homem foi findando
e ele fechou os olhos com o escorrer de uma lagrima que caiu sobre a palma da
mão do Genaro que acariciava olhando perdido o companheiro,que aos poucos ia
indo embora para o outro mundo. A comitiva já ajeitava pra partir, ele selou os
cavalos, ajeitou a traia, embrulhou o companheiro na rede e o amarrou sobre a
sela, e partiu para terra dos calungas....
Seguindo rumo a Cavalcante, foram
dois dias de viajem, e lá chegando procurou uma mata fechada, de arvore alta e
a sombra de um grande jatobazeiro fez o funeral, e ali ficou por mais um dia
velando o mestre, pensando e refletindo em tudo que o companheiro lhe ensinou,
a noite chegou fria e ele ajeitou uma fogueira para passar a noite, antes do
sol nascer tinha que seguir em frente e reencontrar a comitiva que por essas
horas já beirava a entrega do gado, deitou ao calor do fogo se acomodou sobre o
cobertor e esperou o sono chegar.....
No meio da noite, quando a lua já
estava alta escutou um disparo rompendo o silencio do mata, era um estrondo de
44, levantou assustado e olhando deu-se com um vulto, um megro alto, de
carabina 44 no lombo e chapéu amassado, era o veio Osvaldo, estava rodeado de
luz, ele olhou pra traz, dizendo: Oia ai caçador, minha ultima empreitada, sua
matula ta pronta e andando desapareceu, Genaro ainda sem acreditar no que tinha
visto ficou parado recobrando o juiso, logo depois percebeu que do seu lado direito tinha uma paca caída, com um
tiro de 44 na nuca...
Uns falam que isso foi sonho dele,
outros que é a pura verdade, durante muitos anos ele foi o caçador da comitiva,
somente tenho certeza de que as
comitivas acabaram, a estrada virou asfalto, e nele colocaram caminhões
boiadeiros, o Genaro também já se foi dessa para melhor, mas seu filho ainda é
vivo, também chama-se Genaro e hoje vive
em uma fazenda pros rumos de São João da aliança, do velho pai herdou os causos
e a velha e amada papo amarelo 44, a 36 sumiu-se no tempo, mas o melhor de seu
pai ainda vive nele, todo o conhecimento
e respeito pela mata, meu amigo Genaro companheiro das empreitas, homem de
fibra que faz parte do rol de mestres que me mostraram a fina arte da lida das
caçadas.
Bello 07/06/12.
grande bello causista e mestre de mato de todos nós que sugamos seus conhecimento dia após dia, pra quem teve um mestre mateiro que nem eu ler um causo desse emociona mesmo.Lindo de mais parabéns Bello nosso mestre do mato.
ResponderEliminarQue isso, cumpadi Bello?! Que causo bom demais da conta, uai! Bebi o causo e ainda fiquei querendo mais! Eita!
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