FIM DA SECA
Fim
de setembro, o auge da seca na região, o rio está bem abaixo da caixa, pouca
água disponível por entre as grotas coberta de folhas seca, as lagoas de
pequeno porte secaram, as arvores estão peladas e a campina exprime vários tons
de cinza amarronzado, nas macegas afastadas do rio a situação chega a ser
medonha, é um emaranhado de cipoal seco, por entre as macegas do capoeirão de
vegetação baixa e de difícil passagem, já não tem mais verde e ao longe no
horizonte o sol estrala tudo num calor que embaça a paisagem dando a impressão
que o mundo está tremendo.
O tempo quente faz tudo ficar quieto, o bicho poupa energia,
sabe que perambulando corre risco, a Mãe
Natureza acalenta a solidão, lá nos cafundó da mata a beira da serra tem um
olho d’água que não seca é o ponto certo de esperada, a bicharada tramita no
limite, todos estão na esperança da chuva chegar, fruteira se tornou escassa,
as roça também fraqueou e verde só a beira d’água.
A porcada agora remexe a lama, resquício do que sobrou de
algumas lagoas em busca de encher o bucho com qualquer coisa que arranje por ali,
os veados ainda tem uma ou outra beirada
de broto na beira das queimadas, trem comum no auge da seca as queimadas no
cerrado tem sua serventia, a natureza de certo em meio a tanta sabedoria deixa
sempre uma beira para manter a vida desses vivente que perambulam por esse
mundão amarelo, é o pico da seca que assola o meu Goiás.
No
capão com beira d’água mesmo das que correm por época, ainda reina uns grande,
outros pequeno, mas sempre carregado, Jatobazeiro, a ponto de sustentar inté a bruta da anta
sapateira, a andadeira que rompe pra
todo rumo pra mó de encher o bucho , pode variar de época e de região, mas em
muitos cantos é a salvação do comer no longínquo do mês de agosto, para gorda
paca que já vem perdendo gordura, agora que já beira novembro, o céu começa a
mudar a sonâncias da cor e anuncia aos poucos a chegada das águas, estação
abençoada que logo vai transformar a mata e consequentemente a vida.
O
vento está quente, vem rasteiro com pouco capim para deitar pelos campos, o
veado campeiro se confunde no meio do campina com seu pelo amarronzado claro da
cor do capinzal seco e amassado, os trieiros estão repleto de folhas crocantes,
a ponto de avisar o andante que ruma mundo afora em busca do comer.
Enfim
chega novembro e o céu preteja, o vento vare a serra espalhando caco de trem
para todo lado, e os pingos da chuva desaba no cerrado do Goiás, aroxiando a
paisagem com seu véu que desce no horizonte, escurecendo o dia na hibernada de
garoa que passa para mais de semana caindo sem parar.
As
emas dançam, os animais saltitam de alegria, a passarada dana a aninhar, numa
cantoria de cortejo que alegra o vivente, é a temporada dos fiote, dos namoro
briguento e variado, a campeira corta a
campina acompanhada da sua cria pintadinha e de andar vacilante, nas macegas o
bando de porco sobe para orla da mata, enfiotado de encher os olhos da pintada
que também transita com seu gatinho, fiote novo aprendendo a caçar..
É
a renovação da mata, onde tudo vai se recompondo, o trieiro aberto vai se
fechar, a arvore vai se cobrir de folhas, o capim vai subir, a mata cria forma
e meio de proteger as cria nova, dando aconchego e alimentação.
E
tudo se faz novo pois é o fim da seca no cerrado dos Goiás.
Eu
nasci aqui e amo minha terra, aprendi a olhar meu mundo com carinho, aprendi a
decifrar os seus segredos, aprendi com o meu povo, com o sertanejo a ser
singelo, a ser humilde a interpretar as ações da mata, as manhas e artimanhas dos
bichos, mas aprendi muito mais.
Aprendi
a respeitar a vida, as pessoas, a mata, o mundo, porque somos um só, um grande
ser vivo chamado terra, com uma célula especial................CHAMADO GOIÁS...
Bello29/05/2014
MEDO DE ONCA?
TENHO NÃO!!!
Chegamos a fazenda no raiar do sol,
estávamos em três eu, Auri e Chicão, o
carro, um Fiat 147, cheio de traia que mal dava pra respirar, era uma época de
vacas magras, tínhamos somente uma barraca de duas pessoas, então um teria que
dormir no confortável e grande Fiat 147 e outros dois na barraca, paramos no
casebre simples do sertanejo Seu Nena para a eventual conversa antes de descer
para o pesqueiro e levantar acampamento.
Aproveitando a parada dei uma volta
no quintal olhando as fruteiras, colhi umas laranjas e um saco de limão, a
idéia era temperar o peixe e dar gosto na pinga, o combinado era passar três
dias, de sexta até segunda, na ocasião os dois parceiros se dedicavam somente a
lida da pesca, mas eu fui preparado para arrumar umas esperas então levei uma
22 LR Rossi punheteira, daquelas que divide no meio com um parafuso carteado,
pense numa arma ordinária, tanto que algum tempo depois eu arrebentei ela
todinha rumando num tronco de pequizeiro que voou pedaço da coronha pra todo
lado e o cano virou um oito, mas isso já é outra historia, que contarei em
outra ocasião.
Chegando a beira do rio dos Macacos,
escolhemos um ponto já limpo de areia fina e branca, com sombra boa, lugar ideal, do lado um poço
bonito e com local de fácil acesso a água pra lavar as vasilhas, logo Chicão
foi cevar o poço com quirela e milho azedo e eu e Auri ajeitamos a cozinha para
preparar umas bolinhas de fubá, trigo, banana e queijo pra fazer de isca.
Depois de tudo arrumado, caixa de gelo
na sombra, barraca armada e cozinha pronta, seguimos com a traia loucos pra
sentar no barranco e cair na pesca de piau, o trem tava era bom, cada puxada, e
que briga boa, chaga a linha cantava, beirando as onze já tinha um bocado no samburá, decidimos voltar
ao acampamento e preparar a bóia.
Um arroz branco com bastante alho e
peixe frito temperado com sal, limão e passado no fubá, depois de encher o
bucho, cai na rede, queria descansar esperando o sol esfriar um pouco pra dar
uma volta atrás de uma boa espera, enquanto isso eles retornaram ao pesqueiro
com a idéia de ficar até a boca da noite e tentar um peixe de couro.
Andei um bocado e achei uma caraíba
que tava no jeito, catingueiro tava era morando em baixo, mas resolvi deixar
para o outro dia, pois o bicho é treiteiro e costuma entrar no sol quente, e
voltei antes de escurecer para fazer uma fogueira e preparar a janta, tinha
fisgado um tucunaré bom e queria assar na brasa para acompanhar com boas doses
de pinga.
Quando bateu sete hora Seu Nena
apareceu junto com seu filho Henrique
pra tomar uma e contar causo, a fogueira acessa e o tucunaré na brasa
era convidativos, e danamos a prosear e o rumo da prosa foi parar em causo de
onça.
Onça é bicho bruto, e não tem medo de
fogo não, anda de pé fofo, num quebra pau nem amassa folha, uns tempo atrás
aqui do lado pegou um pescador no sol quente, sumiu com o home, só ficou o
arrastador melado de sangue e um pé de sapato, dortra vez rebentou uma caixa de
gelo e rasgou a barraca de outro povo que tava acampado aqui.
Nessa Chicão olhava pra Auri com olhar
desconfiado e de medo, e a prosa seguiu..
Ë mesmo Seu Nena? E ainda tem onça por
essas bandas?
Uai, rastro nois vê é todo dia, inda
mais nas águas, ai é que aparece rastro mesmo, mas vê ela é trem difícil, a
bicha tem parte com o coisa ruim, presente gente de longe, tem olho fino e faro
apurado, ninguém vê ela fácil não, semana passada mermo uma pegou a porca
dentro do chiqueiro.
Homi o trem num brinca não, onça é
trem danado, a uma légua daqui ano passado uma pegou um menino que ia pra
escola e num acharam nada, só o rastro da bicha na estrada, e pelo rastro
segundo compadre Nanias é preta e com mais de 100 kilos, onça preta é trem do
Demo, do coisa ruim, dizem que engole a carne sem mastigar e quebra o osso só
com a força dos oio, a bicharona deu prejuízo esse ano aqui na
roça, foi dois potro, uma novinha e a
porca que falei, sem contar com os carneiros, inda tem uma, Paulo Bento falou
que dispois que sente gosto de carne de gente, dizem que entra no vicio, num esquece
mais e se der com gente passa no dente
mesmo.
Os dois ficaram assustados, de olhos
esbugaiadados e escutaram os causos sem
piscar, toda hora olhando pra traz a
mata escura como quem esperava uma onça romper da escuridão e pular no seu
pescoço, outra hora coçava a cabeça e balançava com tom de afirmação.
Prosa com peixe assado a brasa e pinga boa se
estende, inté que a hora foi apertando, e o povo danou num abre boca de sono,
garrafa seca e peixe só na espinha a prosa perdeu força ai o veio mais seu
filho subiram pra casa cambaleando no
escuro e tagarelando uns trem.
Começamos a ajeitar os trem pra
dormir e Auri logo deferiu o leriato.
Você que tá armado e sabe atirar,
dorme no carro, eu e Chicão na barraca, qualquer coisa a gente grita que do
carro você só abre o vidro tem visão de tudo, se onça aparecer por aqui, você
prega fogo nela.
Chicão do seu lado só apoiando
positivamente as palavras do amigo, não falou muito, mas demonstrava
preocupação, então como ficou decidido eu dormiria no Fiat 147, e os dois na
barraca, agora pense como é bom e confortável dormir dentro de um 147, abri a
porta pra entrar e falei.
Ei mas vocês não tão com medo de onça
não, né? Sabe que isso é conversa do veio Nena
pra assombrar ocês.
Medo....Temo medo de onça não home,
nois é macho....
Depois do boa noite cada um foi pro
seu canto dormir, eu que fui premiado, fiquei todo torto no banco do velho
Fiat, e pra variar com o freio de mão cutucando a costela, mas pinga tudo
tolera, quando deu umas duas da manha o frio juntou com o mal jeito e acordei
com uma baita dor nas costas e como remédio resolvi tomar uma pra rebater o
frio, e pequei um limão para temperar a brejeira que escondi pro mó de num
ficar sem pinga.
Foi ai que me veio a idéia.........
Fui de ponta de pé abri a barraca
devagarzinho e pequei a lanterna que estava posicionada da porta para uma
eventual emergência, tinha uma caixa de
palito de dente e com alguns palitos fui unindo um limão no outro até ficar no
formato de uma pata de onça, como os companheiros tinham pouca experiência com
certeza não notariam minha mirabolante obra de arte.
Com calma fui fazendo na areia os
rastros como se a bitela saísse do mato dado algumas voltas na barraca e
depois pegasse o rumo da estrada, logo
nesse momento eu já estava rindo sozinho e sabia que poderia me entregar se não
me precavesse de cair na risada. Para não estragar a resenha amarrei uma camisa
na boca para não dar mancada rindo.
Devagar comecei fazer barulho de
pisada e soltar uns ronco e rosnados, até que chicão acordou e assustado
cutucou o amigo....Auri......Auri....Que deu um solavanco de uma só vez de
susto e ficou em pé na barraca quase arrancando ela do chão, e foi um Deus nos
acuda até que quietou e começou o cochicho.
Chicão isso é onça e deve de ser da
preta oia co ronco, pega a lanterna ai home sai lá fora pra ver o que é...
Saio não, você ta doido, quero virar
janta de onça não, sai oce.
Ai fui me aproximando de quatro pé,
porque se desse sombra com a luz da lua, não desse desconfiança neles, devagar
fui chegando dei um tapa na barraca e o grito foi feio, os dois se amontoaram
na outra extremidade e começaram a gritar meu nome na esperança que eu do carro
acordasse e desse cabo na onça preta que rondava a barraca, ai a brincadeira
começou a tomar gosto, fui dando voltas e cutucando a barraca, eles lá dentro
entraram em desespero, no meio da gritaria rezaram até o Pai Nosso, eu com medo
de matar um do coração, pra não dar muito na telha fui saindo devagar, só
escutando o leriato .
Estava suado a pampas e com uma
vontade de rir que não estava dando conta de segurar, voltei entrei no carro
pela janela, quietinho desfiz todas as provas me embrulhei e fiquei só por
conta de ouvir.
Chicão do céu, acho que foi embora,
home pelo amor de Deus, puta que pariu que cara de sono pesado num acordou pra
meter chumbo na bicha, vai lá fora Chicão e chama ele...
Vou nem, vou não, vai que a bicha ta
ai escondida só esperando alguém dar sopa pra ela jantar, saio nada.
Eu ali enrolado na coberta quietinho,
rindo abafado acabei pegando no sono, o sol mal tinha nascido e acordei com os
dois brabos abrindo a porta do 147.
Home você é surdo? Essa porra de
cachaça é foda.....
Logo retruquei....Tá doido é, o que
foi?
Home uma onça preta veio aqui no
acampamento na madrugada, e era preta eu vi seu vulto passando, onça grande,
quase derrubou a barraca, queria pegar a gente, morremos de gritar e você nada,
eita sono pesado da gota.
Onça aqui? Vocês tão doido, foi sonho, ficaram
impressionados com a conversa do veio e sonharam, deixa de bestagem home.
Auri ficou logo alterado e Chicão não
ficou pra traz e andavam de um lado para outro resmungando....
Sonho, é, sonho, bestagem é....Vem cá
pra você ver o rastro da bicha, vem, ai eu quero ver você dizer que é sonho,
vem...
Desci do carro e os dois romperam os
frente agoniados, tagarelando sem parar até que chegaram a areia e apontaram o
rastro que eu tinha feito com o molde de limão, abaixei toquei o rastro com a
ponta dos dedos, todos se calaram e um silencio pairou no ar, medi a pegada com
a mão e balancei a cabeça positivamente.
Ë onça, e das grande.....Auri do céu,
porque não me chamaram, lá do carro eu botava uma castanha bem no pé do ouvido
dela.
Mas home nois morremos de gritar inté
que a bicha foi embora, Chicão queria sair da barraca e enfrentar a unha, eu
que não deixei, ela rodou tudo, até bateu na barraca, mas não tive medo não,
não saímos pra dar uns tapa nela com medo de você acordar e acertar o tiro na
gente.
Então vocês não tiveram medo não...???
Claro que não, ai Chicão você ficou
com medo?
Medo eu?...Meu nome é Coragem home.
No mesmo dia depois do café
desmontamos acampamento e voltamos pra casa, segundo os amigos, por precaução,
medo jamais e durante muito tempo eles contaram nas rodas de amigo, regado de
cerveja gelada o dia em que a onça foi na barraca, e quase atacou eles.
E quando perguntavam...Mas vocês
ficaram com medo? A resposta era uma só....
Medo de onça????
Tenho não.......
Grande Bello, apreciei muito seu texto sobre o final de seca. Como estamos no auge (nesta ocasião) da seca aqui em Goiânia, quase levei um susto achando que estava acabando e eu ainda não saí pro mato! Gostei também do causo Medo de onça! Muito bom mesmo! Um forte abraço!
ResponderEliminarObrigado amigo pela visita e pelo comentário...Baita abraço
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