O CONTADOR DE CAUSOS
O dia parecia interminável, mesmo recheado de tantos afazeres
e brincadeiras como o corre-corre no pomar, a pescaria de piabas e piauzinhos
no ribeirão ou mesmo a constante caçada de rolinha com atiradeira, as horas
pareciam dar cria.
Dependurada no ombro, a capanga cheia de pelotas de barro com cimento, preparadas
com todo carinho, uma a uma enroladas na palma da mão e secas no beiral do
fogão de lenha, aquilo era a evolução da munição perfeita para luta contras as
inhambus e codornas que infestavam a palhada nos fundos do pomar.
Menino é trem desatinado e sem medida, cheio de treitas,
talvez faça parte da própria natureza da criança, que envolvida em um mundo
mágico e fantasioso tanto cria como acredita em tudo que a mente pode alcançar,
inclusive em crendices pra lá de malucas que se mostram no futuro ações
totalmente sem fundamento.
De baladeira na mão e capanga cheia de pelotas, o objetivo
era abater um beija flor e engolir o coração, era uma simpatia besta e sem
sentido, mas viva na mente da gente, fazendo isso a baladeira se enfeitiçava, e
num se errava mais tiro, coisa sem sentido, igual engolir piaba para aprender a
nadar...Nossa, perdi a conta de quantos cardumes engoli...kkk. De certo aprendi
a nadar por força da ocasião, as piabas servirão somente para alimentar as
lombrigas que habitavam meu bucho de menino.
Outro costume besta era lambuzar de sangue a forquilha toda
marcada de traços contando as vitimas da rustica arma, marcas de vitória na
cabeça de um menino, hoje talvez isso seja bem mal visto, mas na época fazia
parte da nossa infância.
As rolinhas que perambulavam ciscando apressadas na terra
batida que circundava o coxo de sal, eram o alvo perfeito e uma passarinhada
certa na panela do almoço, alguns troféus eram extremamente cobiçados como as
inhambus e as codornas, mas nada mais
fácil que o pobre João Bobo.
Passarinho manso, bicho lerdo de cabeça grande e bico
comprido de cor alaranjada, ausente a tudo, parecia estar no mundo da lua,
aceitava a aproximação sem demonstrar o menor interesse por tudo que acontecia
ao seu redor, podia se gastar uma capanga de pedras tentando acerta-lo que ele
nem saia do lugar, até hoje fico imaginando como esse pobre vivente não chegou
a beira da extinção, só sei que era pedra pra todo lado zunindo sem o mínimo de
tréguae ele lá parado pensando quem sabe na morte da bezerra, outra regra comum, de forma alguma bulir com
o João de Barro, bichinho manso e trabalhador igual a ele não merecia ser alvo
de baladeira.
O
dia começava antes mesmo do sol pontiscar os montes, quando o galo cantava por
sobre o paiol, era nosso relógio natural, corríamos para o curral para tomar leite tirado na hora, eu já chegava com
minha caneca cheia de farinha de milho e açúcar, ai era só o Ditoso caprichar
na espumeira do leite que era só felicidade.
A maior certeza que eu tenho é que nada nessa vida foi mais
importante na minha infância como passar as férias na fazenda, quando beirava o
mês de junho já dava lombriga, eu nem conseguia dormir direito, uma ansiedade
louca tomava conta do meu coração, ficava com o pensamento desatinado, pensava
o dia todo na mata da beira do córrego, nos preás que faziam morada no
montueiro de estacas por traz da casa, nas caçada de inhambu, nas pescarias,
nas noites beirando a fogueira ouvindo os causos de caçada, e em tudo mais que
fazia as férias na fazenda ser a melhor coisa desse mundo.
Todo aquele contexto era maravilhoso demais para um menino
apaixonado pela natureza, mas o que eu realmente mais gostava era passar a
noite junto a fogueira ouvindo os causos de caçada contados pelo saudoso amigo
Ditoso, aquilo era algo tão especial e bom que não sei como explicar, meus
olhos brilhavam ouvindo sua voz, a forma que ele gesticulava e imitava a voz
dos bicho, o canto dos pássaros, o romper da bulha, a astucia e as artimanhas
desses viventes, chega minhas mãos
suavam frio com cada detalhe, me imaginava dentro da história, sentindo cada
movimento narrado por ele, inté o cheiro do que acontecia no causo a gente
chegava a sentir.
Os causo de onça, de visagem e dos seres místicos da mata
sempre foram os meus preferido, na entrada da casa simples e humilde, sobre o
velho baú pairava pendurada na parede pela bandoleira a velha porveira, que era
a testemunha viva de todas as histórias e causos contados por ele, eu só sei
dizer que tudo aquilo me levava a um mundo de aventuras e sonhos que jamais vou
esquecer.
Criança tem que ter infância, e nada melhor que infância
vivida na roça, hoje eu fico vendo o tanto que as coisas mudaram, e como mudou,
chegou era da informática, do videogame, da vida virtual, e as vezes eu me
pergunto. O que faz com que tantas pessoas se privem de uma vida no campo, ao
ar livre, para viverem enclausuradas em seus apartamentos, abraçados pelo
concreto frio e cinza, desconhecendo o sabor das matas, da água fria e
acolhedora do ribeirão, do cantar dos pássaros, do cintilar diamantado das
estrelas que iluminam o véu negro das noites do sertão.
E
fico imaginando o tanto que fui feliz na minha humilde infância, onde tudo
faltava e tudo era tão difícil, passava o tempo brincando de armar arapuca,
armar laço, adorava fazer minha baladeira, e como era complicado encontrar ums
simples pedaço de couro ou mesmo a parte mais importante, ¨a liga¨. Era um dia
inteiro perambulando pelo pomar analisando as goiabeiras em busca de uma
forquilha perfeita, forquilha forte igual de goiabeira não existe, mas talvez
para se defender dos corte dos seus galhos a planta conhecendo a astucia dos
meninos, aprendeu a crescer formando pouquíssimas forquilhas de bom agrado.
Hoje
voltando ao passado vejo que a paixão em sentar a beira do fogo, ao lado do
sertanejo vivido e ouvir seus causos era uma necessidade pessoal, e sem duvida
foi o que mais me agradou em toda minha vida mateira, quando ainda era uma
criança inocente e sem o menor sentido da realidade, já sentia um enorme prazer
em fazer isso.
Na
esquina da minha rua, nos fundos da casa de um velho caminhoneiro chamado Seu
Nenem, havia um tronco de barriguda, transformado em banco, que também foi
palco de inúmeros causos, ele após a janta costumava fazer o quilo lá fora
contando histórias maravilhosas, então a meninada se aglomerava em volta de
olhos esbugalhados escutando sua voz rouca narrar suas aventuras pelas matas do
Brasil.
Eram
causos que muitas vezes não nos deixava dormir, iam com a gente para cama, labutando
em nosso pensamento, dando margem a pesadelos e insônia, mas era um medo
gostoso, tão bom que no outro dia estávamos lá novamente, esperando Seu Neném
sair para ouvirmos novamente seus causos.
Mas
voltando as férias na fazenda, lembro-me saudoso, que do lado da casa do Ditoso
a gente ajeitava a lenha antes do sol se por, assim que escurecia cada um se
aprumava em seu canto a beira do fogo, com os olhos esbugalhados e ouvidos aberto, ansiosos por um novo causo, ouvi-lo
sentado ao alpendre preparando seu pito , com seu sorriso largo , nos fazia
sonhar em um mundo de lendas e histórias vividas pelo sertão afora.
Hoje
escrevendo esse relato, fico imaginando o tanto de sabedoria pairava sobre esse
homem tão simples, que conhecia tão bem a vida dos bichos, suas manhas e artimanhas,
as treitas de todos os viventes da mata, das plantas sabia de cada espécie sua
serventia, inté dos insetos ele fazia conto.
Lembro-me
do causo de um tamanduá bandeira, que foi encontrado morto abraçado a uma onça
parda, a suçuarana. Tamanduá é bicho lento, de focinho cumprido. Dente ele não
tem, sua língua comprida e pegajosa é a arma perfeita contra as formigas e
cupins, mas para malinar na morada desses insetos, a natureza lhe deu unhas
poderosas que também é usada como defesa em um abraço mortal.
Pelo reboliço do mato amassado, a luta
foi feia, mas a parda sendo jovem talvez não tivesse a malicia necessária para
lidar com o velho comedor de formigas, que veiaco na lida perdeu a vida mas
levou junto a onça agressora.
Sentar
ao lado desses anciões do mato e ouvir seus causos com toda certeza esta entre
as coisas mais prazerosas que já pude fazer nessa vida, e tudo isso não foi
apenas uma fase da infância que ficou no passado, mas é uma constância que me
traz felicidade até os dias de hoje, tanto para ouvir como para contar aos
causos que escutei pelas minhas andanças nesses rincões, e tenho a certeza
absoluta que se a vida me der prazo, quando meus cabelos branquear vou sentar
no alpendre e contar muitas histórias para os meus netos e vou me ver neles, como quando eu ouvia os causos do velho
Ditoso.
É
a confirmação de que a historia sempre se repete, por enquanto sento no
alpendre da minha casa e dano a contar causos pros meus filhos e quando chega a
hora de dormir eles pedem para contar mais uma história.
E
eu pergunto. O que querem ouvir... ?
E
a resposta é sempre a mesma.
Conta
uma historia que o senhor viveu pai, com os sertanejos, com os bichos, suas
aventuras pelas matas desse Brasil.
Ai
eu vejo o tempo voltar ao passado, no brilho dos seus olhos, no sorriso ao me
ouvir narrar, da mesma forma que eu me expressava ouvindo os velhos mateiros,
sinto que eles entram na história, sentindo o cheiro do mato e ouvindo a bulha.
De
contador de causo todo mundo tem um pouco, e aquele que não tem nada a contar
foi porque não viveu, sei que a esta hora em todo lugar do mundo tem um
contador de causo narrando sua história, e me faz o coração feliz saber que
enquanto o homem viver nesse planeta , os causos também viverão, sei que os
meus filhos contarão para seus filhos, e assim sucessivamente, muito dos causos
vividos e ouvidos por esse mateiro
nascido na cidade, mas com o coração no sertão...
Bello
11-07-14
TIÃO CESÁRIO O
HOMEM LOBISOMEM.
Esse causo foi baseado em uma historia
antiga, que era contada pelo saudoso Ditoso e por um caboclo por nome de Seu
Libório, que conheci em meados de julho de 1989 quando estive em Queimadas-BA,
Seu Libório, negro piauiense criado no sertão da
Bahia e filho caçula de um grande amigo pessoal do meu finado bisavô, Sr. Cel.
Hermiliano Barbosa, Curandeiro, benzedor, caçador respeitado e conhecido na
região, amigo pessoal de Lampião, mais ai também já é outra história..
Contava-se
um causo lá pras bandas das veredas da Bahia, que um homem por nome de Tião
Cesário, era tido como o maior caçador da região, homem das matas, irrigado
pela sede de mato, caçador de curso, esperador, exímio atirador e matador de
onça laçada e morta de facão, treinado na arte de mateiro como ninguém, foi
fama feita pra muitas léguas, não se sabe quantas vezes em meio a roda de
prosa, ouvia-se falar seu nome em causos de dobrar a orelha e arrepiar a
espinha, suas aventuras o transformaram em uma lenda viva pelas fazendas da
região, Alguns falam que ele endoidou, porque ficou mortalmente ferido, após
brigar com uma onça lombo preto da mão torta, que de treita queria lhe roubar
um queixada, outros dispois de querer trato com o tinhoso, o pé de bode, o
coisa ruim e foi justamente ai que começa essa história...Presta atenção
compadre.....
Era época
da quaresma, e dizia o povo. Não se pode nem fazer barba, espelho e santo tem
que ser coberto com pano virgem e branco, caçada nem pensar, é época de retiro
e oração. Mas Tião era cabra descrente e achava isso pura besteira de beato, e
mesmo recebendo conselho dos mais veio, teimava em ir pro mato nessa data, inda
mais pra espera, que o povo contava cada coisa que arrepiava inté a alma.
Recomendado
por todos a se guardar nessa época santa, teimou e foi esperar, a fruteira
estava bem pisada, subiu se aprumou e atinou os ouvidos, passou as horas e nada
de bicho entrar, tava uma quieteira danada e a lua já ia pontando e clareando
tudo, já batia 10:00 da noite, na hora de descer do trepeiro viu motivo dos queixadas
mata a dentro, desceu devagar e seguiu negaceando no rumo das pisadas e da
bagunça dos porcos, os ouvidos buscavam o som do bando que fazia algazarra no
brejo, com a 36 na mão andando leve foi rompendo, pé descalço pra num fazer
barulho, ora pisa, ora ouve, a lua grande já estava mais alta e iluminava toda
treita. De olhos atentos cortando as brechas entre folhas e troncos, buscava um
movimento qualquer, conforme aumentava o barulho, mas ele rompia, até que pode
ver o vulto do lombo com pelo grosso caminhando de um lado para o outro em meio
ao lameiro.
Quietou,
beirando uma arvore de tronco grosso, só esperando a hora de pregar fogo,
ensacar a carne e voltar pro barraco para preparar os miúdos, afinal a barriga
já dava conta da fome e beirava a meia noite, de repente e sem motivo o bando
começou a ficar nervoso, uns gruíram, outros correram, e ele não entendeu o que
estava acontecendo, afinal tava ali parado, quieto, sem levantar suspeita, até
que no alvoroço um porco passou dando ponto de tiro e ele fincou a cartucheira
no pé do pescoço dele e ...Bummmm....Pronto, a janta tava garantida, o bruto
caiu estrebuchando, tentou levantar e caiu novamente, entregado os pontos e o
sangue por entre as folhas secas da mata, apenas tremia a pata traseira, agora pense
num queixada grande, desse porte nunca tinha visto, aprumado mermo.
Sem perder
tempo ele sacou do velho punhal sangrou e se apressou pra tratar do trem,
afinal estava longe de casa e a volta não seria fácil, tirando a laçada do
bolso piou e pendurou o bruto, colocou o punhal na cinta e sacou do bornal a
faca coureira, pequena e leve, própria pro serviço, tratou o bicho com a
habilidade de mestre, abriu o saco de linha e foi colocando os pedaços, já separando,
serviço terminado amarrou a boca com embira e foi até o brejo se lavar, abaixou
em uma poça limpa, lavou a faca e a mão, colocou no bornal e voltou para buscar
a carne, o que ele não contava era encontrar o lugar limpo....
Eita....cadê
o trem, as marcas na folha mostrava que o saco foi arrastado, empunhando a 36,
foi de ponta e pé inté que avistou o saco tombado, rasgado e com o pernil a
mostra, olhou pra um lado e pra outro , mas não viu nada, cismado engatilhou a
arma...Tibummmm...foi o tombo, e o trem fedeu..
Uma lombo
preto que num tinha mais por onde crescer o derrubou e saiu rolando barranco
abaixo, no embolo a 36 disparou e sem recurso lembrou do punhal que estava na
cinta, a gata ágil e forte já tinha esfolado sua orelha toda e o sangue descia
banhando seu corpo , a briga estava feia e a bruta não queria brincadeira,
muito ferido e perto de perder o tino do pensamento, procurou forças, e assim
ele consegui fincar o punhal no peito dela, atingindo de cheio o coração, e
mesmo na ânsia da morte a gato ainda fez muito estrago no pobre homem...
Passaram-se
dois dias e urubu já contornava a beira da mata, Zé Justino um sertanejo ali de
perto ia passando e resolveu aprumar e ver do que se tratava, pode ser criação,
entrando logo se deparou com a imagem bruta do Tião Cesário caído de costas,
banhado em sangue pisado e cheio de mosca botando bicho, do outro lado a onça
morta com um baita rombo no peito ...Deus acuda!
O que
aconteceu aqui? O Tião ta morto....Deus do céu..E a onça já podre era serventia
de bicho e festa de urubu
Chegando
perto ele percebeu que o Tião ainda tava vivo, ele revirou os olhos balançando
a mão como quem pede ajuda, o Zé entrou em desespero, ficou ali parado um tempo
sem tomar rumo do que ia fazer, afobado colocou ele nas costas e rompeu até
chegar à montaria, jogou no lombo do cavalo e se dirigiu pra casa pra socorrer
o homem, e ficou tudo pra traz, o bornal, a arma e a onça morta, fora os trem
que desceram grota a dentro com a queda na hora da briga ..
Chegando
em casa lhe deu água fresca, tratou de limpar as feridas e ajeitou uma galinha
pro mó de fazer um caldo, sua perna estava inchada e muito roxa, na orelha
quase decepada tinha bicho pra dá de pau, se bicho fosse dinheiro Tião era
homem rico, naquele tempo medico era trem difícil e distante, mas tinha o
Anastásio Benzedor, veio retirado na arte das ervas e da rezaria, conhecedor
das dores e das doenças, que depois de avisado, logo se chegou montado em uma
mula castanha com um saco cheio de folhas e mandingas, foi-se sete semanas
cuidando do Tião, que de morto aos poucos foi tomando vida..
Durante as
madrugadas tinha pesadelos e gritava muito, acordando assustado e falando
coisas sem prumo, e foi-se mais 4 meses pra ele voltar a caminhar com muita
dificuldade, puxando a perda e torcendo a coluna, as vezes danava a resmungar,
com lagrimas correndo ao canto do olho, sentia saudade do campo, das veredas e
da mata, nesse momento lembrou da 36, e danou a perguntar pela companheira, só
ai foi perceber que ela tinha ficado perdido na mata...Pra ele o veio Zé tinha
guardado a arma, mas ele nunca tinha perguntado antes.
Posso
pedir um favor amigo?...Vai lá onde ocê me achou e procura minha 36, é trem de
família e deve de ta entre as moitas ou na boca da grota, faz isso por mim,
vai...Sem pestanejar o Zé pegou o cavalo e rompeu rumo a capão do brejo,
entrando na mata se deparou com uma ossada esparramada pelo chão, trem que um
dia foi onça bruta e criada, pegando criação alheia, mas olhando bem viu que a
ossada era de gente, um trem esquisito, bicho misturado com gente, ele se
arrepiou todo, fez sinal de cruz, de longe avistou o velho punhal com o cabo
todo ruído de cupim e coberto de folhas, pegou prendeu na cinta e pensou, se os
trem caíram na grota, se foram com a enxurrada que carregou pro ribeirão ,
desceu grota abaixo em busca da 36 e nada, dispois de muitas horas procurando
desistiu, voltou triste por não ter boa noticia pro amigo enfermo, mas uma
pergunta ....
Uai se era
onça, como tinha osso de gente?....Cismado com aquela ossada, veio matutando no
balanço da montaria e indagando..... Era onça e virou gente, ou era gente que
virava onça?
Compadre,
achei não, só o punhal, o bornal cupim deu conta, se a 36 caiu na grota de
certo a enxurrada levou, choveu forte por esses dias, lembra, e tem mais, volto
mais lá não, tem dedo do coisa ruim nisso, no lugar da ossada da bicha tinha
uma ossada parecendo de gente, sei não, isso é trem de motivo mal
contado...Deixa de besteira homi, retrucou Tião, foi eu que sangrei e matei,
era lombo preto criada, era onça sô, e baixou a cabeça triste, e nada mais
falou naquele dia, já não podia andar como antes, as dores tomavam conta dele,
com muita dificuldade ele saia do quarto pra cozinha, e já tava mais que na
hora de voltar pra casa, já abusara muito da hospitalidade do amigo...
Foram dias
difíceis, a saudade das caçadas o fazia sofrer demais da conta, foi nesse
tempo, diz o povo, que ele fez o trato, vendeu a alma, ajeitou prosa com o
coisa ruim a fim de poder voltar a caçar...Dizem que numa noite de sexta feira
na época da quaresma ele marcou encontro com o mal falado na encruzilhada do
veio cemitério da fazenda Fundão, bem na hora grande...Meia noite.
Eis que
conta o povo..... Diz que um redemoinho veio de longe no rumo dele e foi se
desfazendo devagar, subiu um cheiro forte de caldeira queimada, e um veio de
paletó preto com uma bengala de ouro na mão apareceu, tinha um chapéu de aba
larga branca e fumava um charuto fedido... Surgiu de vento, assim do nada,
rindo, e ao mesmo tempo um vulto de onça cortou o cemitério a galope se
misturando a gargalhada do Coisa Ruim, só pra atinar a lembrança do Tião...
O susto
foi grande, só não saiu mal feito nas calças porque não tava pronto, mas pra
quem matou onça bruta com a mão isso era coisa a toa...Dando gargalhadas o veio
rodeou, rodeou sempre olhando bem no fundo dos seus olhos, dizem que o prosa
ruim tinha olho de fogo, e cuspia veneno de cascavel, e foi-se chegado,
devagar, nisso o vento parou, e um silencio esquisito tomou conta de
tudo....Subiu um cheiro insuportável....Cheiro do coisa ruim...
O que você
quer? Tenho muito trabalho, num posso perder tempo com aleijado xucro não,
desembucha, anda, seu porqueira..E caiu na gargalhada
...................kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk.
O home era
bruto e não teve medo nessa hora de ofensa, retrucou pro contratado em tom de
briga.............Porqueira é oce, e eu quero voltar a caçar, num consigo andar
direito e perdi minha 36, agora minha vida acabou, vivo remoendo feito lagarta,
e caracol anda melhor que eu, quero vorta a andar firme e quero minha 36 de
vorta, e ocê prosa ruim vai ajeitar isso pra mim..
E o
tinhoso caiu na gargalhada..Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk.....E o que oce tem pra
mim...oce num tem nada di bom, num tem negocio não, e dando as costas começou a
andar.....
Pera ai
homi, tenho minha alma, falou o Tião em tom de brabeza....
O mardito
parou, olhou pra traz , esperou um tempo e disse: Tem não............
Ela já é
minha a muito tempo, lembra quando você era rapazola, criando bigode, e que me
prometeu sua alma em troca de ser o maior caçador da região, lembra....Foi um
trato sem contato, e te dei o que você queria, você foi o maior, virou lenda
nas roda de prosa, agora num tem mais nada pra mim, bem ao contrario ocê que me
deve e é devida alta, e alem do mais ainda tem conta, você matou meu cobrador..
Nessa hora
lembrou-se o tanto de vez que na juventude, atinou proposta pro Capeta, sem
jeito e sem noção do resultado, mas não quis retrucar, pois sabia que era briga
sem causa ganha, e mudando o rumo do pensamento perguntou...Que cobrador? Eu
matei nada, seu porqueira, nunca matei gente não, ocê ta doido, isso é treita
pra me enrolar, sorte sua eu ta nessa situação senão ocê ia ver o que é
bom...Kkkkk...Soltou novamente uma gargalhada, naquela hora a neblina da
madrugada invadia o cemitério, e já se enxergava pouco....E o coisa ruim
retrucou
Você matou
sim, lembra da Lombo Preto, era meu cobrador, tava ali pra cobrar a alma que
você me deve...Tião parou e foi longe, lembrou do Zé falando que no lugar da
ossada da onça tinha um trem aparecido com osso de gente e matutando
respondeu........ Mas como assim? Que diabo é isso, o home virava onça, pra mó
de cobrar alma? ............Kkkkkkk...Isso mermo, vou te dar uma chance, e num
rodopio fez aparecer em sua mão a velha 36, novinha, como saindo do mascate,
chega brilhava só pra atiçar o pobre...ai veio a proposta.....
Ocê vira
meu cobrador, na época da quaresma em noite de lua, ocê vira bicho de pelo e
unha grande, e vai cobrar quem me deve, em troca, te boto andando feito menino
novo e te entrego a 36, e ainda coloco um gatilho de ouro com mandinga, ocê
nunca vai errar um tiro sequer...
Tião num
pensou duas vezes, já tava tudo perdido mesmo, tinha perdido alma, arma e
saúde, e sem pestanejar, firmou a palavra... Trato feito....Dizem que o coisa
ruim se desfez em redemoinho novamente e sumiu gargalhando na fumaça branca da
neblina.... Logo depois pelo portal do cemitério saiu o Tião, andando firme e
de passo rápido, rosto limpo sem uma cicatriz e com a 36 no ombro ....
Dizem que
dispois desse dia ele firmou novamente na lida da caça, e seus feitos foram
maiores ainda, e na época da quaresma, na lua grande, ele vira bicho lobisomem
e vai atrás de quem deve pro coisa ruim, rouba suas alma e aprisiona no gomo de
um bambu que carrega no lombo...
Dizem
também que ele ta virando mundo, teve inté a ajuda do Anastásio Benzedor, inté
o vigário ta lutando na causa dele, agora ele ta caçando com nunca caçou, ta
caçando um jeito de salvar sua alma e parar de virar bicho na quaresma...Mais
isso é uma outra história companheiro, que um dia desses em outra roda de causo
eu conto procês......
Bello
09/06/2011
A SAGA DE TIÃO CESÁRIO E O PERDÃO
É
hoje que Tião Cesário, ganha a brenha do sertão bem antes do escurecer, e rompe
mata adentro, cortando campina e cerradão pra virar Lobisomem, assim que a lua
pontar no centro do céu, ele rodopia na poeira e cria pelo, e vai sair rincão
afora em busca de cobrar as conta do Coisa Ruim, é nessa noite que aqueles que
fez trato com o Tinhoso paga o preço com a alma e tem o nome riscado do livro
preto....Inté antes do dia clarear Tião Cesário virado de bicho já colocou um
bocado de alma dentro dos gomo do bambu que carrega no lombo, essas alma quem
sabe um dia o tinhoso libera em forma de saci, ou de currupira, ou de mula sem
cabeça ou qualquer outro mal feito que assombra as corrutelas dos sertões do
Brasil.
Dizia
o povo que Tião Cesário, estava desesperado, procurava ajuda porque não
aquentava mais a presença do Cabrunhão em sua vida, se sentia acuado, sem
motivo de alegria, e foi pedir socorro a Pai José, que por sua vez pediu apoio
a Dona Maria benzedeira e ao Vigário.
Pai
José era benzedor aprumado e respeitado daquelas brenhas, tinha fama comprida
de curador, raizeiro e conhecedor dos mistérios dos espíritos, das almas
perdidas e das artimanhas do tinhoso, era mais uma porta que Tião encontrou
para tentar fugir da maldição que tomou conta da sua vida.
Tião
vivia triste, sem motivo de riso, não tinha mais sossego e por isso e outros
motivos se distanciou o máximo que pode de gente, se embrenhou pras bandas mais
longínquas da mata onde fincou morada, quando aparecia no vilarejo era motivo
de medo e curiosidade, sua barba em tons grisalhos, cobriam-lhe o rosto e parte
do peito, não podia entrar na paroquia nem seguir a quermesse, porque o Coisa
Ruim apertava seu peito e se manifestava em loucura, para se encontrar com o
vigário era preciso marcar ponto de encontro, inda assim tremia e se arrepiava
na presença das pessoas de Deus.
Naquelas
bandas sua história era contada de muitas formas, e chamava a atenção muita
coisa que acontecia com ele, o povo encabulava porque ele não envelhecia, talvez
foi por isso, tentando encobrir o olhar desconfiado do povo que ele deixou
barba e cabelo crescer de forma que pouco se via do seu rosto, o chapelão de
couro de mateiro terminava de esconder seu semblante, que hora em hora
transfigurava com olhar de fogo.
Quando
aparecia no vilarejo, era pra buscar mantimentos e vender couro de bicho e
carne, gostava de rapadura, de farinha,
sua feira era simples somente o básico e necessário, muito sal para salgar
carne e tratar couro junto com angico e barbatimão, depois de ajeitar tudo no
lombo das mula, seu destino era sempre o mesmo, ou ia se encontrar com o
vigário, com Pai José ou Dona Maria, dizem que na cabana deles também o tinhoso
não deixava ele entrar, de certo ele já tava sabendo da tramoia pra mó de tirar
seu cobrador.
Então,
hora estava beirando a tenda de Pai José, hora em Dona Maria a benzedeira na
beira do rio, hora com seu vigário a sombra da gameleira, o que Tião procurava
era o perdão de Deus, se libertar das correntes que o estavam sufocando.
Dona
Maria era mulher de reza, andava com véu na cabeça, nunca se casou pra poder
dedicar a vida a ajudar o povo carente, ela muito simples, não tinha nada de
posses, mas fazia de tudo por quem estava doente ou necessitado, suas reza tinha
fama, e se dizia por todo lado que muitos milagres aconteceram graças a sua
intervenção..
E os
três rezadores se juntaram a fim de ajudar o Tião, eles sabiam que salvar
aquela alma das unhas do Mardito, do Cramunhão, do Tinhoso, era trabalho
difícil, mas necessário, pois uma alma perdida deve de ser resgata a todo
custo.
Certo
dia um Jagunço chegou cedo a porta do seu barraco, homem de cara feia, queimada
de sol e ruim feito erva que mata criação, com sotaque pesado e fala grossa, e olhando
tom da palavra, não estava ali para brincadeira, trazia uma ordem e não um
pedido, pois o homem antes de abrir a boca para falar, já posicionou a mão
sobre o trinta Colt Cavalinho, que trazia na cinta, do lado da cela uma
Winchester 44 papo amarelo, tudo isso indicava que o tal Jagunço estava
disposto a briga.
_Ruma
seus trem, espingarda e traia de trepeiro, Coronel Gonzaga que te ver.
Sabendo
da fama daquela gente, Tião nem proseou, jogou tudo que era necessário no saco
de embira e assobiou chamando sua mula, que logo chegou para ser arreada, com a
agilidade de homem mateiro logo estava montado e seguiram lá pras banda da
Serra Grande, onde ficava a pose do temido Coronel Gonzaga, suas terras tomavam
conta de onde os olhos pudessem alcançar, assim como a sua fama de homem bruto,
caçador respeitado e matador de gente.
Entre
eles havia uma certa murrinha, pois Coronel tido como um grande caçador, dono
de armas boas e reconhecidas, guardava raiva de Tião por ter mais fama que ele,
e Tião sentiu que alguma tramoia estava por vir, feito aranha que tece a teia a
fim de pegar o inseto desavisado para o jantar.
No
fim do dia eles estavam em frente à casa grande, de onde surgiu pela porta a
figura lendária do Coronel, homem troncudo de bigode grande, roupa alinhada e
chapéu branco, que com voz grossa foi logo dizendo:
_Num
precisa apia não, fica ai mermo, pião num pisa no meu alpendre...
Mandei
buscar oce Tião, para dar cabo de uma pintada que anda aniquilando meu gado,
você matando ela vai me fazer feliz, e te dou palavra de Coronel e promessa de
recompensa em dinheiro, vou lhe dar 24 horas, se matar ela nesse prazo tem 100
contos de reis, se passar desse prazo inté 48 horas tem 50 contos de reis, se
passar disso ....Num ganha nada. E oia, quero a cabeça e o couro da mardita,
sem muito estrago Seu Tião, sem muito estrago, pra mó de enfeitar minha sala.
Tião
Cesário olhou nos olhos do Coronel tentando entender o que se passava na sua
mente, porque ele estaria dando aquela empreita se era conhecido como grande
caçador, então ele retrucou:
_E
se num matar ela...............
O
Coronel balançou a cabeça em sinal de desaprovação e respondeu:
_Num
queira nem saber da recompensa que vai ganhar não Seu Tião....E baixou as duas
mãos apoiando nos dois trinta laqueado que brilhavam na sua cinta, foi bem dado
o recado, Tião apenas levantou a aba do chapéu e seus olhos refugaram fogo de
raiva, e o jagunço que estava do lado se afastou cismado, dizem que nessa hora
um cheiro de enxofre tomou conta de tudo.
_Tem
carência não Seu Coroné, aqui é Tião Cesário fio do Capeta, e pro Capeta nun
tem dificuldade não..
E o
Coronel deu um passo pra trás. Nessa hora sentiu a espinha esfriar e viu que
não estava lidando com qualquer um, aquele Tião era realmente cabra diferente, e
aquilo ali confirmava o que o povo dizia, ele na quaresma realmente virava
Lobisomem, na sua cabeça a trama estava pronta, ele queria apenas testar as
habilidades do mais famoso caçador da Bahia que em breve seria um troféu.
Tião
virou sem dar prosa e saiu trotando com sua mula, na sua cabeça veio muitos
pensamentos, nessas horas de humilhação, Tião parecia ter orgulho de trabalhar
pro tinhoso, e o povo tinha medo disso, respeitava ele, porque a noticia dos
seus feitos tinham rompido a muito tempo as fronteiras da velha Bahia, mas no
fundo seu coração se espremia e chorava dentro do peito a certeza de que no fim
de tudo, seria levado para os confins do inferno e sofrer eternamente longe da
luz de Deus.
Mateiro
por natureza pediu para Jagunço indicar os pontos dos quatro últimos ataque,
logo ele trilhou o itinerário da gata, e veiaco, já calculava que tinha mais de
uma agindo por ali, de certo um casal. Onça é bicho sem prumo, num tem prazo
certo de acasalar.
Pensou,
ou pode ser mesmo uma fêmea com dois filhotes já criado beirando se apartar, ou
mermo pode de ser dois machos em um único território, ainda em briga pelo
domínio da área, mas de uma coisa ele tinha certeza era serviço de mais de uma,
os bicho miúdo tava sendo atacado por parda, mas os bezerros, os garrote e as
novilhas , era treita de onça pintada mesmo.
Olhando
bem a cena de uma carniça deixada de pouco tempo, Tião matou logo a xarada...
_É
uma fêmea com dois filhotes, já erado, ela ta matando muito e comendo pouco, ta
ensinando os fio a caçar, e como o gado é mais fácil, ela acostumou bulir na
criação.
Onça
pintada gosta de águada, e labuta com os fiotes inté os dois anos de vida, dai
pra frente quando inicia o cio eles se apartam, em busca do próprio território,
bulir no território alheio é problema certo, a barrigada é de 100 dias mais ou
menos, dai pra frente qualquer hora a gata pari, pode nascer inté quatro fiote,
mas o normal é dois, e dispois de 80 dias já tá comendo carne, mermo que ainda
bebe o leite da mãe, a gata precisa de muito espaço pra caçar se for macho ele
apruma mais de 13 leguas em quadrado e se outro entrar tem briga, a fêmea tem
espaço de caça menor, perigo maior é onça veia ou nova demais, mas a bicha no
auge da idade é mais calma, e da mesma barrigada nasce a preta ou a amarela
pintada.
O
povo antigo tem costume de dizer que a onça preta é cria do tinhoso, que é mais
braba, mas é tudo prosa de gente atoa, e a mesma coisa da pintada, só o couro
que muda de cor, afinal é o mermo bicho.
Ele
sabia que ela não ia voltar naquela carniça, então matutou o provável caminho
que a família da pintada iria percorrer inté chegar no pasto onde estava a bizerrada,
ele precisava ter certeza do que fazia, afinal o prazo de hora dado pelo
Coronel estava correndo, não tinha muito tempo para treitas sem resultado.
Então
ajeitou um bezerro novo e amarrou ele perto da entrada da serra, lugar mais
provável da descida da bruta, gata gosta de pedreira, de grota, e aprumando bem
os feitos dela, sabia que aquele caminho seria o mais certo que ela tomaria,
mesmo porque era o menos íngreme, subiu um bom trecho onde pode achar uma
carcaça de canastra e algumas arvores marcadas de unha, então estava mais certo
do local, ali era a rota da pintada e seus filhotes, agora era subir alto em um
angico onde o bezerro estava apeado e esperar, com pensamento firme de empreita
realizada.
O dia
ia se findando, o sol se esforçava para clarear o mundo, mas a serra em sua
maestria já o encobrira de forma a se iniciar o momento mágico em que a noite
se esbarra com a barra do dia, logo tudo escureceu, uma anta passou em
disparada serra abaixo, sinal de que alguma coisa vinha rompendo descendo a
serra, mais para o campo os gritos da coruja buraqueira anunciava que tinha
bicho chegando, e bem antes das nove da noite a bruta começou a dar voltas no
angico, os filhotes eram dois, como Tião tinha previsto, ainda imaturos e sem
experiência faziam muito barulho, agoniando o bezerro.
Tião
tinha que pegar a mãe primeiro, ai então os filhotes ficariam por ali, e
voltariam para perto do corpo dela, ou mesmo tentariam atacar o bezerro, e
seria mais fácil dar cabo de toda família, mas a bicha veiaca sentiu a presença
do esperador, e demorou um bom tempo rondando o local, quando ele menos
esperava ela atacou o bezerro fazendo-o girar no ar e já caiu com a boca
grudada na goela do bicho que na ânsia da morte apenas batia as patas traseira.
Foi
quando ele levou a 28, e o gatilho reluziu sua magia, e com os ouvidos afinados
localizou o ponto que a bicha estava, e sobre a pouca luz das estrelas desferiu
o disparo.......Brummmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmm.
E a
bruta largou o bezerro rolando para o lado em um gemido esquisito e fino, logo
os filhotes, bem criados já beirando os dois anos pularam no bezerro também sem
dar motivo para o barulho do tiro, a ânsia de matar era mais forte que todos os
extintos, o cheiro do sangue pairava no ar, enquanto isso Tião já tinha trocado
o cartucho e preparava o segundo disparo....Brummmmmmmmmmmmmmmmmm....Saltou um
dos filhotão caindo logo a beira das raízes do angico, faltava um, esse se
afastou, em passos lentos e desconfiados, mas passou na parte de capim ralo
onde Tião pode ver seu vulto, ora andava, ora parava.
Ele
cochilou na mira da 28, e com olhos de mateiro experiente buscou a palheta,
calculando um tiro mais longo, de 40 a 50 metros, e o gatilho brilhou e devagar
ele acionou o mecanismo que explodiu o cartucho...Brummmmmmmmmmmmmmmmmmm....
E
logo escutou o gemido de morte ecoando serra acima, o serviço estava feito,
tratou de ajeitar a tralha ensacar e descer, com a agilidade de anos de lida,
pendurou ali mesmo os três gatos e arrancou a camisa deles com cabeça, rabo e
mão como exigiu o Coronel, tratou de enrolar e amarrar firme, fazendo jeito de
facilitar o transporte.
E
bem antes do sol nascer montado em sua mula já avistava de longe a mancha
branca da casa grande, não precisou muito prazo, batendo apenas 12 horas, Tião Cesário já
pontava a beira do alpendre com 3 couros de onça pintada todos com cabeça e com
um único furo do sovaco, furo de balote, feito a mão, que Tião usava pra tiro
distante, ou em trem de maior tamanho, feito de estanho preparado nas
artimanhas do Tinhoso.
O
Coronel Gonzaga abrindo a porta se assustou vendo os três couros enrolados na
escada do alpendre e Tião do lado de sua mula pitando um bom palheiro após
tomar uma boa dose de pinga, um misto de raiva e inveja tomou o sentimento do
Coronel, que sem muita prosa, jogou o pequeno saco de couro com os 100 reis nos
pés de Tião, que quando abaixou para pegar foi surpreendido, com o Coronel já
com o trinta na mão bem ao seu lado..
Ele
pulou pra traz e foi com a mão na cintura pegando firme no cabo do punhal, mas
o Coronel deu dois passos pra traz já gritando...
_
Carece não home, só quero te dar de presente esse trinta, oce provou ser mais
do que eu pensava.
E
rodopiou o revolver de forma que o cano ficou em sua mão e a coronha para o
lado de Tião, que desconfiado, olhando para os lados pegou o trinta, conferiu
suas munições e o colocou na cintura dizendo...
_
Gradecido...Coronel..
Montou
em sua mula e sem olhar para traz seguiu caminho, mal ele sabia que aquilo nada
mais era que um teste, o Coronel queria saber o tanto que realmente ele era
bom, pois sua fama de virar bicho era a mais nova obsessão do contratante,
Coronel já tinha matado tudo quanto era bicho, mas nunca tinha matado um
Lobisomem, e o plano era na próxima quaresma caçar Tião Cesário.
Na
volta para casa com os 100 contos de reis no bolso e um trinta na cintura,
presente do Coronel Gonzaga pelo belo serviço prestado Tião vinha sorridente e feliz,
não imaginava o que o destino estava preparando, o sol começava a enfraquecer autorizando o
escurecer da noite, quando ele chegou a mata fechada que tinha que atravessar
desmontado puxando a mula, um trecho pra mais de 1500 metros, inté sair do
outro lado onde pegaria o derradeiro trieiro até seu barraco, calculava chegar
em casa beirando a meia noite.
Desapeou
e seguiu mata adentro puxando a mula, a cada passo o trem ia escurecendo mais,
resolveu então acender a lamparina, quando de repente a mula empinou louca arrancando
a corda do cabresto da sua mão, e em um pulo uma onça preta enorme lhe jogou no
chão, a espingarda caiu longe pra mais de metro, seus olhos ainda puderam ver o
brilho do gatilho.
Então
a onça investiu de novo nele, que ficou caído ao chão quase inconsciente, e a
bruta subiu no seu peito apoiando mais de 100 quilos, fazendo sua respiração
parar, quando Tião abriu os olhos e conseguiu alcançar o revolver na
cinta, viu olhos da onça preta virar
fogo, com labaredas que clareou tudo a
sua volta....
Foi
quando a voz do Coisa Ruim saiu pela boca da gata....
_Ocê
num me engana não Tião, to de olho nocê, sei que anda se encontrando com gente
que luta contra minha treita, e sei que anda tramando alguma coisa contra meu feitiço,
mas saiba que sua alma é minha, e trato com Diabo....Não tem como ser
desfeito...
E
sumiu virando fumaça, e Tião voltou a
respirar com dificuldade, dos seus olhos correram lagrimas e no seu coração ele
tinha a certeza, que por mais que o Tinhoso tivesse seu poder, Deus era maior.
As
dores estavam em todo seu corpo e saia sangue da sua cabeça, em dois talhos
feitos pela unha afiada, meio tonto, desmaiou, acordando somente no outro dia,
beirando o raiar do sol com a mula cheirando sua enorme barba.
Nesse
ponto a treita estava formada, três pessoas de luz tentando salvar a alma de
Tião, o Coronel Gonzaga querendo caçar
um Lobisomem e o Tinhoso de olho para não perder a alma do seu cobrador.
Chegando
a casa Tião ainda sentindo a pegada do Cabrunhão parou a bica dágua e tomou um
bom banho lavando as feridas a fim de tirar o sangue pisado, e com a faca em
punho raspou uma casca de barbatimão cobriu as feridas, acabou de chegar em
casa, soltou a mula e tratou de comer algo, tomar uma e deitar na rede para descansar.
A
necessidade da caçada cada vez mais invadia seus pensamentos, e ao olhar a
velha 28 presente do tinhoso, seus olhos chamejavam fogo e seu coração
disparava, os tiros tinham cheiro de enxofre e eram certeiros feito a foice de
Dona Morte, no meio da escuridão da noite o gatilho de ouro brilhava de jeito
incomum. Pai José, em suas orações já chegara a conclusão de que o feitiço
estava na espingarda, mas tinha algo mais, e ai é que morava o perigo, nem ele,
nem a benzedeira e nem o próprio vigário sabiam onde estava o outro elo da
corrente que fechava a treita do Tinhoso.
Estava
chegando a quaresma, e dois grandes enredos cercavam Tião Cesário, um era o
Coronel Gonzaga preparando para caça-lo, e outro era os três amigos tentando
livrar ele da maldição.
A
ideia era separar ele da espingarda, e pensando no assunto tanto Pai José, como
Dona Maria e o Vigário, concluíram que o feitiço só poderia estar na
espingarda, então chamaram um amigo de sua confiança para
executar a empreita, ele teria que buscar a 28 sem deixar vestígios, sem fazer
rastro e sob segredo de morte, para isso escolheu Laudelino, negro, magro e
baixo, de pisada mansa e mateiro por natureza, Laudelino teria que romper
durante o dia, dando voltas sem pegar estrada, inté o barraco de Tião, e de lá
retirar a arma sem que ele percebesse pois faltava dois dias para o início da
quaresma.
No
mesmo período, o Coronel ajeitava 12 jagunços os mais experientes na lida da
mata, e uma boa junta de cães farejadores, na sua carabina preferida a
winchester 44 papo amarelo, 10 munições com ponta feitas de prata, metal
trazido de terra sagrada, foram forjadas a partir de um grande crucifixo que
veio de Portugal.
Dizia
a lenda que Lobisomem só morria com tiro de prata sagrada, de apetrecho de paróquia,
e que tinha que ser tiro certeiro, bem no coração.
Então
sem que Tião soubesse, uma grande nuvem negra se preparava sobre sua cabeça,
faltando um dia para quaresma, ele pra tentar não cumprir sua sina, pensou em fugiu
pro mato alto e se acorrentar em uma grande arvore.
Acordou
cedo e ajeitou as tralhas para sair, quando procurou a 28 se assombrou, ela
tinha sumido, ele entrou em desespero, revirou toda casa e no portal viu o
rastro de pisado de gente, alguém roubou a 28 , sem saber o que estava
acontecendo e como o tempo estava curto não tinha mas o que fazer, se não
tentar o que seu coração estava mandando, fugir e se acorrentar.
Saiu
a passos longos, apressado, rompendo mata adentro e depois de muito andar
encontrou uma grande arvore onde se acorrentou, mas o dia foi se passando, e a
noite chegou, quando a lua pontou no céu ele sentiu as forças do mal chegando,
logo estava virado bicho.
Depois
de transformado as correntes eram como barbantes, ele a arrebentou num piscar
de olhos, encontrar a 28 era agora a ordem do Cabrunhão, então voltou a galope
para casa, lá o bicho cheirou o rastro na entrada da porta e pegou o faro de
Laudelino, nessa mesma hora os cachorros do Coronel já estavam no seu rastro,
em meio a mata ele e seus bandos de jagunços seguiam para o barraco de Tião, no
rastro do Lobisomem.
Mas
o bicho já estava longe, beirava a casa de Laudelino que morava junto com a
mulher e o único filho Gabriel, de 5 anos, então o bicho cheirou em volta da
casa uivando, lá dentro estavam reunidos os três amigos a fim de com reza
proteger a casa e evitar que o Lobisomem recuperasse a arma, Pai Zé acreditava
que a arma se transformava no pedaço de bambu que ele carregava nas costas e
que guardava a alma dos que o Tinhoso tinha divida dentro dos seus gomos, Dona
Maria já acreditava que a arma era a ligação do mundo do Cramunhão com o mundo
dos vivos, e o Vigário acreditava que tudo era possível numa treita de Capeta, Lobisomem
e pacto demoníaco, então tudo que tentassem seria valido.
Mesmo
com muita reza o bicho com suas garras rebentou a porta e entrou na casa, saiu
quebrando tudo, e o povo desesperado
fugiu pela porta dos fundos correndo em direção ao rio, Laudelino com o filho
no colo ficou para traz, e enroscando o pé em uma raiz ciuno chão com o pé
quebrado, aos gritos chamando por Nossa Senhora e São ‘Sebastião.
Foi
quando os cachorros do Coronel chegaram acuando o Lobisomem ao pé da pedreira, Laudelino
caído não podia fazer nada, a criança chorava
desesperada, sem ter reação em frente a um animal de quase dois metros de altura,
peludo, de rosnado alto e descomunal, quando
os jagunços cercaram a área e o coronel empunhou a 44 com balas de prata no
rumo do lobisomem, a criança estava no ângulo do tiro, entre o rifle do Coronel
que tremia por demais e a criatura, mas nesse momento o pouco de alma de gente que ainda estava na
besta, encontrou o coração de Tião, e ele viu que a Criança corria perigo, o
tiro ia acertar na cabeça dela, e quando o Coronel apertou o gatilho ele pulou
a frente do menino e o projetil acertou seu coração.
E a
criança vendo que aquele animal salvou sua vida, o abraçou e pediu a Deus por
ele, comovendo todos que estavam ali em volta, então enquanto aquele lobisomem
morria em suas mãos, o menimo ele pedia
por sua vida, por sua alma, e ofereceu a vida dele, no lugar da vida do pobre animal,
Gabriel além de bom filho inda era coroinha da paroquia, nesse meio tempo o
bicho voltou a ser homem, e do seu peito o sangue escoria em seus últimos suspiros.
Foi
quando um anjo apareceu, e pegou na sua mão, dizendo..
O
Pai te perdoa...Vem comigo...
E na
mesma hora seu corpo perdeu a vida, Tião finalmente estava liberto, e o tinhoso
perdera seu cobrador, a arma, a velha 28 que estava na mão de Pai Zé virou pó.
Muitas
pessoas afirmam ter visto as asas brancas do anjo sobre eles, outros que Tião
morreu de falha no coração, mas Pai zé, Dona Maria e o seu Vigário sabia que a
luta de anos finalmente chegou ao fim e que aquela alma perdida tinha
encontrado o perdão e que a guerra estava ganha.
O
Coronel sem muita proza voltou em cima do rastro, depois que viu que de gente não
dava pra tirar o couro, mas dentro da mata, do lado da sua cela, no lugar Winchester 44 apareceu a 28 do finado
Tião, sem saber ele trouxe pra si mesmo com sua ganancia e arrogância a maldição
do Tinhoso.
Inté
hoje muitos anos depois a lenda de Tião Cesário corre os rincões do sertão da
Bahia, uns dizem ser verdade, outros conversa desatinada do povo, mas no cemitério
da paroquia inté hoje tem a lapide da sua sepultura, com as inscrições .
Aqui
repousa Tião Cesário na paz do Pai Maior.
Seu
corpo estava guardado em solo sagrado, para que o Tinhoso não o persiga mais,
agora já o Coronel Gonzaga, dizem as, más línguas, em toda quaresma vira bicho,
e nos tempos vividos fora dela, anda nos campos e nas matas com a velha 28
buscando acalmar sua sina na boa e velha caçada.
Bello
02/10/14
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